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  • Foto do escritorNayara Reynaud

MOSTRA SP 2018 | Dia 3 – Do poder à sobrevivência, da família à dor do amor

Atualizado: 15 de fev. de 2021


Mostra SP 2018 - Dia 3: Assunto de Família, A Favorita, Malila, A Guerra de Anna e José | Fotos: Divulgação (Mostra Internacional de Cinema em São Paulo)

O terceiro dia da 42ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo traz as primeiras sessões dos premiados em Cannes e Veneza: o vencedor da Palma de Ouro, o drama agridoce do japonês Hirokazu Kore-eda, Assunto de Família; e o escolhido para o Grande Prêmio do Júri do festival italiano, A Favorita, o novo do Yorgos Lanthimos que retrata um jogo de poder na realeza com o humor que lhe é peculiar. A sobrevivência em seu sentido mais primitivo e infantil durante a ocupação nazista no russo A Guerra de Anna, e os dramas LGBT guatemalteca José e tailandês Malila. Confira abaixo estes e outros destaques deste sábado:

 

(The Favourite, 2018)

Rachel Weisz e Olivia Colman em A Favorita (The Favourite, 2018) | Foto: Divulgação (Mostra Internacional de Cinema em São Paulo)

Escolhido para abrir esta 42ª edição da Mostra, A Favorita (2018) tem como chamariz para o grande público o Grande Prêmio do Júri em Veneza, além do Copa Volpi de Melhor Atriz a Olivia Colman, que faz companhia a Rachel Weisz e Emma Stone no elenco. Mas para os mostreiros de longa data, o diretor grego Yorgos Lanthimos já é conhecido há muito tempo, desde suas obras marcantes na terra natal, como Dente Canino (2009). Fazendo uma ótima estreia em língua inglesa com O Lagosta (2015) e seguindo com O Sacrifício do Cervo Sagrado (2017), o cineasta conhecido por sua singularidade e excentricidade cinematográfica faz deste seu filme mais palatável.

O roteiro de Deborah Davis e Tony McNamara remonta ao início do século XVIII, criando uma Rainha Anne da Inglaterra, vivida em toda a sua fragilidade física e emocional por Olivia Colman – que recebe no cinema a grade chance que a televisão britânica já lhe tem dado –, da qual Sarah (Rachel Weisz), a Lady de Marlborough sempre se aproveitou para manipulá-la, até a chegada de sua prima Abigail, ex-dama da sociedade que se torna criada e aproveita as brechas para tomar o lugar da familiar. A narrativa traz a velha disputa feminina renovada pelo fato de que o trio, especialmente Sarah e Abigail, não brigam por um homem e sim por status, liderança – o reino está com uma guerra em curso contra a França –, sexo e amor, revelando a força dessas protagonistas e de suas atrizes, além da comédia de época que sempre se pode extrair destes jogos de poder. Embora seja longo, as suas duas horas de duração só são sentidas nos capítulos finais – são oito, todos com títulos impagáveis – para quem se deixa levar pelos diálogos tão cortantes do roteiro que tem toda aquela sagacidade seca e elegante britânica, que parece saída de uma Jane Austen fazendo uma versão para maiores de Lady Susan (1871), não na aristocracia inglesa, mas na realeza.

Filmado em 35 mm, o filme conta com a fotografia de Robbie Ryan que, aliada à direção de Lanthimos, brinca várias vezes com uma lente grande angular e jogam com a profundidade de campo para apresentar os grandes salões do palácio. Yorgos ainda utiliza o contra-plongée de maneira mais evidente no início do longa e diminui no decorrer dele representando esse desejo por ascender socialmente ou se manter no topo que rege essas personagens, inclusive as masculinas que disputam o poder no Parlamento. A versão original de Skyline Pigeon (Harpsichord Version) ao som de cravo e órgão é a cereja do bolo nos créditos finais, não só conferindo mais um tom cômico à obra que tem muitas aves abatidas, como também enxergando nelas esses pombos que querem se libertar de certas amarras sociais.

> Espaço Itaú Frei Caneca 1 – 20/10/2018 às 19h30

> Cinearte Petrobras 1 – 24/10/2018 às 21h30

 

(Manbiki Kazoku, 2018)

Cena do filme japonês Assunto de Família (2018) | Foto: Divulgação (Mostra Internacional de Cinema em São Paulo)

Quando levou a Palma de Ouro em um Festival de Cannes cheio de discussões contundentes fora e dentro das telas, Assunto de Família (2018) pode ter surpreendido a muitos lá presentes. A decisão de dar essa honraria pela primeira vez ao cineasta japonês Hirokazu Kore-eda e por seu novo e agridoce trabalho ser mais abrangente na tarefa de agradar público, crítica e júri podem ser levadas em consideração para justificar essa escolha. No entanto, é bem mais interessante a ideia de premiar um filme que trate de maneira genuína e delicada a complexidade das relações humanas, dos laços familiares e da moral.

Essas questões sempre permearam o cinema de Kore-eda, em títulos que passaram pela Mostra como Ninguém Pode Saber (2004), Pais e Filhos (2013) e Depois da Tempestade, e, na produção escolhida para representar o Japão como pré-candidata ao Oscar, ele disserta sobre como os laços familiares se constroem não pelo sangue em comum, mas pelo carinho e atenção trocados. Sofrendo com os maus tratos e agressões da mãe biológica, a pequena Yuri (Miyu Sasaki) é socorrida pelo ladrão Osamu (Lily Franky) que se compadece dela e leva para casa, onde vive com sua família torta, com a mulher Nobuyo (Sakura Andô) e o que parecem ser a avó (Kirin Kiki) e irmã dela (Mayu Matsuoka) e o seu filho Shota (Jyo Kairi), a quem ensina a arte de ser "mão leve". Somente aos poucos o público vai entendendo que a dinâmica existe além de relações parentais verdadeiras e que uma nova vai se construindo com a menina.

Se Osamu é amoral ao introduzir não só Shota como até Yuri no caminho do clã da malandragem e criminalidade, foi o mesmo que os resgatou e trata como filhos, revelando a dualidade marcada nesses personagens que agem por sobrevivência ou interesse, mas também demonstram verdadeira compaixão um com os outros. A relação fraternal que surge entre o menino e a garotinha é construída gradativamente para sucumbir a um sacrifício que leva ao clímax e um final que atesta que nem sempre o correto à primeira vista é o melhor a se fazer dependendo da situação. Neste mosaico familiar, o roteiro escrito pelo próprio Kore-eda peca ao deixar a jovem Aki de Mayu Matsuoka muito avulsa: a neta da senhora Hatsue que trabalha como uma espécie de stripper / prostituta para voyeuristas começa a gerar interesse com seu arco que lembra a utilização do sexo para tratar da solidão, como fez em Boneca Inflável (2009), mas é deixada ao relento com seu desfecho após uma confusa descoberta das ações de sua avó e seus pais.

> Reserva Cultural – Sala 1 – 20/10/2018 às 17h50

> Cinesala – 21/10/2018 às 17h45

> CineSesc – 26/10/2018 às 18h40

> Reserva Cultural – Sala 1 – 27/10/2018 às 16h00

 

(Voina Anny, 2018)

Marta Kozlova no filme russo A Guerra de Anna (2018) | Foto: Divulgação (Mostra Internacional de Cinema em São Paulo)

Tela preta, com barulhos de tiros e vozes em alemão. Quando a imagem surge, revela partes de corpos na lama, até que um braço começa a se mexer e dele aparece uma pequena menina de apenas seis anos. Este é o impactante cartão de visitas de A Guerra de Anna (2018), apresentado logo na abertura do novo filme do russo Aleksey Fedorchenko, de longas já exibidos na Mostra, como Os Primeiros na Lua (2005), A Estrada de Ferro (2007) e Almas Silenciosas (2010).

Exibido no Festival de Roterdã, seu novo trabalho segue a trilha de outros de observar a guerra, especialmente a II Guerra Mundial, pelo olhar de uma criança. Artifício visto desde o sucesso A Menina que Roubava Livros (2013) ao clássico A Infância de Ivan (1962), début do mestre compatriota Andrei Tarkovski, aqui ele adquire um prisma ainda específico e minimalista quando a menina judia praticamente não tem contato com outros humanos em mais de 70 minutos de filme. Cabe à novata Marta Kozlova, que encarna a protagonista solitária, cativar e prender a atenção e o fôlego do público enquanto a sua Anna acaba se refugiando justamente na chaminé de um quartel nazista montado em uma escola durante a ocupação alemã na então União Soviética.

Dá agonia vê-la tomando água suja e sobras de comida no decorrer da história, que se restringe a uma narrativa episódica dos passos dados ou não pela garota naquela situação extrema. Se a trama pode ser pequena demais para um longa, o roteiro de Fedorchenko e Nataliya Meshchaninova funciona como um conto moral sobre sobrevivência no isolamento que a guerra provoca a cada indivíduo, e o quanto isso os aproxima ou afasta do que nos torna humanos ou do que temos de animalesco. E, por fim, fica a questão: até quando sobreviver vale a pena?

> Cinesala – 20/10/2018 às 20h00

> Espaço Itaú Frei Caneca 2 – 27/10/2018 às 17h45

> Espaço Itaú Augusta 1 – 28/10/2018 às 19h45

 

(Odysseya Petra, 2018)

Estreia na direção de longas da dupla Anna Kolchina e Alexey Kuzmin-Tarasov, A Odisseia de Peter (2018) é aquele tipo de filme que explora o imaginário infanto-juvenil, mas que tem uma visão adulta sobre a imaginação dos jovens. O Petya (Dmitriy Gabrielyan) em questão, que é o Peter do título traduzido, é um menino russo de 12 anos vai morar com os pais na Alemanha e tem dificuldades de se integrar à nova realidade, sofrendo também com o bullying dos novos colegas, se refugiando nas recordações muito saudosas da avó com quem mais convivia em um cenário interiorano nos arredores de Moscou. Assim, as sequências na Rússia fluem com a steady cam e uma aura de sonho e lembrança no branco esfumaçado da fotografia, enquanto a ambientação na Alemanha traz uma câmera na mão nervosa, inquieta como o menino naquele novo lugar em que ele não se adapta.

A referência à Odisseia de Homero narrando a volta para casa de Ulisses é direta nesta odisseia russa, mas o filme se ressente justamente por esse trecho mais aguardado e promissor vir apenas no terceiro ato, quando a narrativa já tinha perdido sua potência. Por fim, a trilha sonora traz coisas interessantes como uma espécie de Beck ou Moby russo.

> MIS – Museu da Imagem e do Som – 20/10/2018 às 17h00

> Cinearte Petrobras 2 – 23/10/2018 às 19h30

> Espaço Itaú Frei Caneca 4 – 30/10/2018 às 20h30

 

(The Miseducation of Cameron Post, 2018)

O vencedor do Grande Prêmio do Júri em ficção no Festival de Sundance deste ano é aquele exemplo de quando o contexto acaba ganhando mais pontos do que a ousadia e vigor estéticos e/ou narrativos na hora de escolher um título para premiar. Em si, O Mau Exemplo de Cameron Post (2018) é aquele filme correto em seus aspectos técnicos e com um bom elenco, que acaba chamando a atenção por tratar da polêmica “cura gay”. Baseado no livro homônimo de Emily M. Danforth, o segundo longa de Desiree Akhavan, responsável por Appropriate Behavior (2014) e séries que falam sobre sexualidade, tem como figura central de interesse uma instituição religiosa cristã que se apresenta quase como uma rehab para homossexuais, já que tratam orientação sexual como uma doença – aliás, nem citam direito o termo, tratando os “pacientes” como indivíduos com APMS, sigla para “atração por pessoas do mesmo sexo”.

A história ambientada em 1993 começa com a apresentação da adolescente Cameron Post (Chloë Grace Moretz) e seu relacionamento com a melhor amiga (Quinn Shephard), até que no dia do baile, o namorado (Dalton Harrod) pega as duas se beijando no carro e inicia o drama da protagonista, que é mandada pelos tios e responsáveis para este centro terapêutico controverso. Akhavan injeta um espírito juvenil em alguns momentos e certo humor em sequências como a da descrição do tal iceberg demonstrando como os colegas de tratamento foram parar lá ou nas falas totalmente errôneas e preconceituosas, para dar uma leveza para o que há de vir. Se, por exemplo, o sucesso one hit wonder daquele momento do 4 Non Blondes vem para aliviar o espectador ao mesmo tempo em que as letras de What’s Up? se encaixam perfeitamente àquela situação, a ótima cena é interrompida pela lembrança da coerção que deixará marcas irreparáveis para aqueles jovens.

Chloë está meio blasé até quase metade do longa, fazendo de sua Cameron uma adolescente desinteressada com o que está ao seu redor, mas aos poucos a crise começa a abater sua personagem e a atuação da atriz junto da empatia pela protagonista começam a crescer. No entanto, ela não sustenta o filme sozinha, sendo Sasha Lane e Forrest Goodluck ótimos como os amigos reticentes e rebeldes dentro do possível, Jane e Adam; Emily Skeggs – que parece uma irmã caçula da Carey Mulligan – dando ótimas nuances de conflito à colega de quarto Erin; assim como Owen Campbell faz com Mark em duas cenas-chave. Essa confusão interna também surge de maneira discreta na boa interpretação de John Gallagher Jr., como o Reverendo Rick, o primeiro “convertido” pela sua irmã terapeuta (Jennifer Ehle) e que contradiz no olhar o que fala para os internos.

> Espaço Itaú Frei Caneca 2 – 20/10/2018 às 18h10

> Cinearte Petrobras 1 – 21/10/2018 às 16h10

> Espaço Itaú Augusta 1 – 23/10/2018 às 14h00

> Espaço Itaú Frei Caneca 1 – 25/10/2018 às 17h30

 

(Jose, 2018)

Enrique Salanic e Manolo Herrera no filme guatemalteca José (2018) | Foto: Divulgação (Mostra Internacional de Cinema em São Paulo)

Um chinês que fez PhD de Biologia nos Estados Unidos e, a partir de determinado momento de sua carreira, resolveu fazer filmes, sendo o seu segundo longa rodado na Guatemala. Como afirmou em entrevista ao NERVOS, ao lado do corroteirista e produtor norte-americano George F. Roberson, o cineasta nômade Li Cheng acreditou ser urgente filmar a história de José (2018) no país da América Central para mostrar a realidade da população local e a grande homofobia presente lá. Adotando um realismo que primava pela observação e utilizando atores não profissionais – até pela questão que os profissionais não queriam se envolver com o projeto por causa de sua temática –, a produção venceu o último Leão Queer, prêmio dado ao melhor filme LGBT presente no Festival de Veneza.

O estreante Enrique Salanic vive o jovem personagem-título, que esconde ser gay, particularmente da mãe superprotetora e religiosa, que faz chantagem emocional, até de maneira inconsciente, para estar com ele por perto e prevenir que o rapaz caia “em pecado”. É aquele não-dito que cerca muitas relações entre mães e seus filhos homossexuais, com elas cientes da orientação sexual deles, mas o assunto nunca é posto à mesa, com a ambas as partes tentando evitar o inevitável. Mas é claro que isso ganha um aspecto a mais com a ênfase à forte presença das igrejas neopentecostais, em especial nas regiões mais carentes, em um fenômeno visto mais em evidência na América Latina.

O que José esconde da mãe e dos colegas de trabalho de uma lanchonete que funciona quase como um drive-thru ilegal, é que ele aproveita o final do expediente, intervalos ou dá até uma escapadinha para sair com contatos que mantém pelo celular, o seu companheiro inseparável. Até que o protagonista começa a se ater em um caso mais sério com Luis (Manolo Herrera), um rapaz vindo de uma região ainda mais pobre para trabalhar em uma construção realizada em uma das zonas mais importantes da capital, Cidade da Guatemala, mas que também sofre por ser homossexual, tendo sido agredido pelos irmãos – a violência, aliás, marca os personagens de várias maneiras, indo desde a homofobia aos desaparecimentos e mortes da época da guerra civil no país, que ainda se mantém como um dos mais violentos do mundo. O filme vai aos poucos perdendo seu ritmo, porém, em seu terceiro ato, passa a não ser apenas a trama de um jovem escondendo sua orientação sexual para ser uma história de amor universal, interrompida quando o seu amado desaparece.


> Instituto Moreira Salles – IMS Paulista – 20/10/2018 às 20h10

> Espaço Itaú Augusta Anexo 4 – 21/10/2018 às 21h40

> Cinearte Petrobras 2 – 22/10/2018 às 14h00

> Circuito Spcine Olido – 31/10/2018 às 17h00

 

(Malila, 2017)

Anuchyd Sapanphong e Sukollawat Kanaros no filme tailandês Malila: A Flor do Adeus (2017) | Foto: Divulgação (Mostra Internacional de Cinema em São Paulo)

A cineasta trans Anucha Boonyawatana é precursora do que pode se chamar de cinema queer tailandês, abordando a temática LGBT desde o média-metragem Down the River (2004), e traz como último exemplar dele o seu segundo longa, Malila: A Flor do Adeus (2017). Tendo circulado por festivais internacionais, a produção foi selecionada como representante da Tailândia para disputar uma vaga no Oscar de Melhor Filme Estrangeiro, mostrando a tentativa de recuperação de uma relação interrompida entre Shane (Sukollawat Kanaros) e Pitch (Anuchyd Sapanphong). O primeiro era casado, mas hoje amarga a perda trágica da filha e a separação da mulher, enquanto o segundo, que quis fugir enquanto mantinha um caso com ele, agora retorna doente.

O budismo aprece como parte presente da trama, desde a preparação dos Bai Sri, oferendas de flores utilizadas em rituais da religião, que serve de terapia contra o câncer para Pitch à ideia de superação da morte que faz Shane recorrer à obrigação local de que todo homem precisa ser monge por ao menos um ano. A bela fotografia de Chaiyapruek Chalermpornpanich abraça o tom poético do filme, entre a reflexão existencial e a alucinação quando Boonyawatana entra mais no terreno da selva sobrenatural do famoso compatriota Apichatpong Weerasethakul. Vermes surgem como metáforas de um amor que transcende os limites corporais, mas obrigam o espectador a estar muito conectado a sua narrativa para continuar nesta viagem, fazendo com que muitos se percam pelo caminho.

> Circuito Spcine CCSP – Paulo Emílio – 20/10/2018 às 17h00

> MIS – Museu da Imagem e do Som – 25/10/2018 às 18h20

 

Vera Holtz e as suas irmãs mais velhas Teresa, Rosa e a caçula Regina são as estrelas de As Quatro Irmãs (2018), novo longa do prolífico Evaldo Mocarzel que não se encaixa bem em nenhum rótulo. Utilizando-se de uma proposta ficcional e um dispositivo documental, o filme acompanha esta atriz com lapsos de memória de volta às suas raízes interioranas, voltando a conviver com as irmãs no casarão da família em Tatuí e passeando por outros lugares-chave da vida dela. Entretanto, aproveitando a base de formação dela em artes plásticas – tanto que a artista Lea van Steen faz a montagem – e um caminho adotado no anterior Até o Próximo Domingo (2017), o diretor faz da performance uma via para decifrar a sua personagem-objeto.

Em uma coletiva de imprensa na exibição da produção aos jornalistas, Vera Holtz afirmou que falar de família e pertencimento sempre foram um norte em sua carreira. A maneira, aliás, com que o cineasta costura certos recursos para contar sua história remonta a diretores teatrais que, direta ou indiretamente, passaram pela trajetória da atriz, como Antônio Abujamra, Gerald Thomas e Bertolt Brecht. Em um desses momentos, aliás, ela ficou impressionada do quão parecida é com sua mãe. "Sempre guardo um pouco da memória física das pessoas que eu perco pelo vestuário", confessou aos jornalistas.

Para dar vida o seu roteiro com “um pé no psicodrama”, Mocarzel disse que teve o desafio de conduzir não atores e uma atriz lúcida, destacando o trabalho “sem truques” de Teresa, que faleceu em julho passado. Contudo, além da ligação fraternal, o diretor está interessado na relação conturbada de Vera com a autoridade paterna que, segundo ele, pode ser nefasta às vezes. Ele declara que o filme precisava de algum conflito e não ser apenas a egotrip de uma artista, mas, em certo ponto, aconteceu a “irrupção do real”, com Holtz voltando a ficar menstruada aos 64 anos de idade e lhe causando um susto.

O longa pontua bem essa diferença entre a memória fragmentada dela e a das irmãs, e como a maneira como ela guardou essas lembranças dessa rígida figura paterna definiram a sua vida e seus relacionamentos amorosos inclusive. Também explicou que quando conseguiu finalmente conseguiu sua liberdade econômica, seu pai se tranquilizou e que, uma vez em depoimento ao Domingão do Faustão, ele disse que “a Vera não me deu trabalho, me deu saudade”. O seu espírito artístico é que se diferenciava naquele cenário do interior paulista e fazia até sua tia aconselhar de maneira simples a sua mãe: "Teresinha, imagina que tem um monte de vaca, a Vera é uma vaca que muge diferente", brincou a atriz, falando também que os pais, já falecidos eram justamente aqueles para quem ligava sempre que tinha alguma novidade para contar a alguém. Agora, conversa com as irmãs no Facetime.

O preto e branco que surge em vários momentos do longa nem sempre, especialmente no início, é belo, mas os tons de branco mais predominantes nele conversam com os “brancos de memória” de Vera e um certo vazio existencial que paira neste retrato dela. Um deles é quando as irmãs vão para a casa de praia delas e Mocarzel junto com o clima do dia transformam Mongaguá em uma Ilha de Faro. Isso porque o cineasta declara que “parasequenciou” filmes de Ingmar Bergman, como Persona (1966) e Monika e o Desejo (1953), além de Os Incompreendidos (1959), de François Truffaut, e Acossado (1960), de Jean-Luc Godard.

> Cine Caixa Belas Artes – Sala 1 Villa Lobos – 20/10/2018 às 15h45

> Cinearte Petrobras 2 – 29/10/2018 às 16h00

 

(Den Skyldige, 2018)

Escolhido como representante da Dinamarca na corrida do Oscar de Filme Estrangeiro do ano que vem, Culpa (2018) é aquele filme que vai arrebatar a plateia e, provavelmente, crescer no boca-a-boca entre os mostreiros, assim como Custódia (2017) fez na edição passada. Em seu primeiro longa-metragem, o dinamarquês Gustav Möller provoca sensações e navega até por temáticas que recordam o filme do francês Xavier Legrand, por exercer a mesma capacidade narrativa de manter o espectador tenso e em suspense do início ao fim. Não à toa, a produção venceu prêmio da audiência dos festivais de Sundance e Roterdã.

Mesclando esse controle e efeito narrativo a uma trama que também lembra o thriller Por um Fio (2002), sem aquelas interferências externas, troca-se a cabine telefônica onde Colin Farrell ficava direto naquela história pela central de emergência de Copenhague, acompanhando o turno, que se torna até extra, do policial Asger Holm (Jakob Cedergren, excelente e preciso nas nuances deste personagem) lá, onde o longa se passa inteiramente durante os seus 90 minutos. A escalada de tensão começa com a ligação de uma mulher pedindo socorro disfarçadamente por estar em mãos de um homem. Mais alguns telefonemas, inclusive para a pequena filha dela, e o atendente descobre logo quem é este homem. Só que isso não é um alívio, apenas mais uma crescente no filme, cujas viradas vem num rígido e paciente desvelar da trama, embora o jovem e talentoso diretor use a luz vermelha, tal qual Joe Wright no recente O Destino de uma Nação (2017), em um momento de urgência raivosa, ainda antes do clímax arrebatador.

No entanto, se no sucesso de Joel Schumacher o perigo estava à espreita do protagonista lá fora da cabine, no filme dinamarquês, ele se encontra mais dentro da psique de Asger. O espectador sabe brevemente que aquele turno acontece na véspera de um julgamento sobre algum incidente que jogou este policial para esse serviço interno, mas somente o compreende aos poucos. Mantendo uma tradição do cinema escandinavo de abordar questionamentos morais de maneira tão eficiente, Möller ainda trata de imigração e preconceito nas entrelinhas e de maneira mais direta a questão da saúde mental, mas tem no exercício da culpa e sua predileção em se acumular o norte desta obra.

> PlayArte Marabá – Sala 1 – 20/10/2018 às 15h00

> Espaço Itaú Frei Caneca 1 – 21/10/2018 às 21h50

> Cinearte Petrobras 1 – 29/10/2018 às 17h30

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