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Foto do escritorNayara Reynaud

UNICÓRNIO | O universo fantástico do tempo vazio

Atualizado: 27 de dez. de 2020


Bárbara Luz em cena do filme Unicórnio (2017) | Foto: Divulgação

Adaptações literárias para o cinema sempre trazem em si o desafio de transformar palavras em imagens, por vezes recorrendo às próprias palavras em formas de diálogos expositivos ou do caminho mais fácil da narração para dar conta das brechas narrativas. Eduardo Nunes, porém, quase as deixa totalmente de lado em seu segundo longa-metragem, no qual adapta dois contos da escritora paulista Hilda Hilst (1930-2004), O Unicórnio (publicado em 1970, no livro Fluxo-Floema) e Matamoros (publicado em 1980, no livro Tu Não Te Moves de Ti). O cineasta carioca está mais interessado nas imagens que fazem de Unicórnio (2017), com seu widescreen máximo, um esplendor visual.

A direção de fotografia de Mauro Pinheiro Jr., que já havia trabalhado com o diretor no seu primeiro longa, além de fazer Sangue Azul (2014) e Linha de Passe (2008), transforma o Parque dos Três Picos, em Teresópolis-RJ, em um cenário idílico, enquanto o trabalho do colorista aqui torna tudo isso ainda mais onírico. A trilha sonora de Zé Nogueira contribui para a ambientação climática e ainda há espaço para uma breve animação de Marão, um dos curta-metragistas mais conhecidos nesta área no Brasil, mas se todos estes elementos constroem a noção particular de tempo de Unicórnio, também sucumbem, em algum momento, por causa dela. Se o tema já era caro a Nunes no seu début Sudoeste (2011), o tempo tem uma função narrativa em seu novo filme, mas joga contra a própria obra.

Exibida no Festival do Rio de 2017 e na Mostra Generation de Berlim 2018, a produção é um coming of age à sua maneira, em que, diferente de tantos outros exemplos do gênero, o turbilhão emocional de sua protagonista contrasta propositadamente com a vagarosidade em seu entorno, captada pelos leves movimentos de câmera de Nunes. Se, a princípio, a narrativa deixa a ideia de que a menina pré-adolescente e a mulher adulta que repete suas ações logo depois seriam a mesma pessoa em momentos diferentes de sua vida, logo se revela que as duas são mãe e filha que moram sozinha naquele lugar, mas passam a ter a companhia de um criador de cabras (Lee Taylor) perto de suas terras, que abala de certa maneira a relação delas. A estreante Bárbara Luz interpreta Maria, a garota que idealiza a sua mãe, vivida por Patrícia Pillar, como se quisesse ser ela, que passa a ter um relacionamento com o forasteiro, alimentando um ciúme que, por vezes, parece ser de sua matriarca, outras, da figura masculina que preenche uma ausência. No caso, a paterna, que surge na figura de Zécarlos Machado, com quem conversa sobre essa história em uma sala toda branca, bem sugestiva.

Com uma trama que renderia um excelente curta, Unicórnio também se sustentaria como um longa justamente pela ambientação de um lugar parado no tempo, mas a duração de duas horas e dois minutos é exagerada para tanto. O problema não está, por exemplo, na extensa sequência de abertura em que quase nada se fala e, aparentemente, nada acontece, mas há, na atitude de Maria com as formigas e na sua própria racionalização de que as crianças podem ser cruéis, algo vital para a narrativa, que se completa em seu clímax. A falha estrutural, por sua vez, se encontra na repetição dos mesmos recursos e simbologias usados a exaustão pelo cineasta.

A despeito do que se pode achar com esta descrição, Nunes consegue captar a atenção do espectador, despertando sua ansiedade pelo que está por vir durante a projeção e até leituras de seu subtexto, seja comportamental sobre a adolescência, psicanalítica de relações maternais e paternais ou teológicas, no embate entre Deus e o homem que sempre circundou a obra de Hilst. Ainda assim, esses caminhos incompletos e o seu desfecho interessante, mas telegrafado, não são suficientes para justificar tamanha distensão temporal adotada por Nunes. Como um filme extremamente sensorial, a principal sensação que Unicórnio provoca e deixa como gosto final é a de que sua narrativa não entrega tudo que podia, ou devia, pelo que exige do público.

 

Unicórnio (2017)

Duração: 122 min | Classificação: 10 anos

Direção: Eduardo Nunes

Roteiro: Eduardo Nunes, baseado nos contos "O Unicórnio" e "Matamoros", de Hilda Hilst

Elenco: Bárbara Luz, Patricia Pillar, Zécarlos Machado e Lee Taylor (veja + no IMDb)

Distribuição: Vitrine Filmes (Sessão Vitrine Petrobras)

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