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  • Foto do escritorNayara Reynaud

IN-EDIT BRASIL 2018 | A voz da solidão

Atualizado: 10 de set. de 2020


Cena do documentário Chavela (2017) | Divulgação (In-Edit Brasil)

“Al fin la tristeza es la muerte lenta de las simples cosas / Esas cosas simples que quedan doliendo en el corazón”

“Solidão volte já, volte já minha solidão”, canta exasperadamente Chavela Vargas na, não coincidentemente, primeira música do longa de Catherine Gund e Daresha Kyi. Presente no Festival de Berlim e na Mostra SP do ano passado, e agora na seleção do 10º In-Edit Brasil, festival totalmente dedicado aos documentários musicais, Chavela (2017) apresenta a novos públicos ou relembra velhos conhecidos a cantora ícone da música rancheira e pioneira feminista em uma sociedade mexicana conservadora e hipócrita, cuja passionalidade na voz vinha da sua mais fiel companheira e que dá nome a tal canção: a Solidão. Uma sensação e sentimento que a artista, nascida em 1919 na Costa Rica, conhecia desde a tenra idade, na rejeição familiar ao seu “jeito diferente” que ela carregou como uma sombra constante em toda a sua vida, até sua morte em 2012.

A costarriquense Isabel Vargas se tornou “Chavela” no México, quando após tentar por um tempo se apresentar como todas as cantoras da época, passou a se vestir como um rancheiro, na década de 1950 em que as mulheres ainda não usavam calças. Depoimentos afirmam como ela teve de se provar mais máscula do que os homens para sobreviver no meio artístico, ao mesmo tempo em que o palco lhe dava a liberdade de ser quem era, enquanto fora dele, não tinha a mesma oportunidade. Apesar de assumir abertamente sua homossexualidade apenas aos 81 anos, mesmo namorando secretamente as esposas de vários políticos e intelectuais do país, a artista sempre foi um símbolo “desbravador” para as mulheres mexicanas, especialmente para a comunidade lésbica.

É claro que isso se deve muito a seu visual e postura, mas se tem algo que o documentário frisa muito bem é como a interpretação visceral da cantora é capaz de gerar identificação com a plateia, quase como uma terapia em grupo para expurgar as piores dores de amor e cujos versos escritos na tela durante os trechos de suas músicas reverberam no espectador – “Cuantas luces dejaste encendidas / Yo no se como voy a apagarlas” ficou na memória desta que vos escreve, mas há tantos outros para escolher. A música rancheira mexicana, de raízes populares semelhantes ao nosso sertanejo de raiz e um tom doloroso que remete ao fado português, já carrega esse sentimento, mas ninguém conseguiu, por exemplo, dar tanta vida às letras do compositor José Alfredo Jiménez, que abasteceu a maioria das canções interpretadas por Chavela, desde o seu primeiro auge de sucesso. O documentário, no entanto, não tem a mesma paixão e ousadia estética da artista, se atendo convencionalmente apenas a algumas imagens de arquivos, músicas e depoimentos no estilo talking heads, tendo como pequeno trunfo as entrevistas que Catherine Gund gravou com Vargas, em 1991, quando de seu retorno aos palcos.

A diretora australiana se juntou à norte-americana Daresha Kyi para resgatar a ascensão e queda da cantora que perdeu vários trabalhos e espaço no meio artístico por suas bebedeiras, sofrendo por décadas com o alcoolismo e permanecendo “morta” midiaticamente por 12 anos no interior do país, até voltar a se apresentar em um cabaré na Cidade do México. Há o mérito do filme de não ser totalmente condescendente com sua personagem retratada, não colocando no álcool a culpa exclusiva pela convivência difícil que aqueles que a conheceram pessoalmente ou estiveram ao lado dela apontam. Mesmo assim, a obra rende sua homenagem ao acompanhar a nova fase de redescobrimento de Chavela Vargas que a levou para a Espanha, onde acumulou novos amigos e admiradores, como o cineasta Pedro Almodóvar, onde realizou seus sonhos de cantar em grandes teatros em Paris e na “terra natal” que a acolheu, mas nunca, até então, tinha lhe dado tamanho prestígio. Um reencontro de uma artista com o seu público que emociona, não só pela jornada de reconhecimento tardio, mas por ter dado a ela um pouco da paz como companheira para a sua solidão.

 

Chavela (Chavela, 2017)

Duração: 90 min

Direção: Catherine Gund e Daresha Kyi

Produção: México, Espanha e Estados Unidos

> Centro Cultural São Paulo (CCSP) – 10/06/2018 às 19h00

 

=> Aproveite e leia o texto sobre o curta Tetê (2018), sobre a cantora pantaneira Tetê Espíndola, que esteve no último É Tudo Verdade e também está presente na programação do In-Edit Brasil 2018

Tetê (2018)

Duração: 28 min

Direção: Clara Lazarim

Produção: Brasil

Sessão conjunta com os filmes Jerry, Eu Te Amo e Timoneiro

> Matilha Cultural – 12/06/2018 às 18h00

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