top of page
  • Foto do escritorNayara Reynaud

AOS TEUS OLHOS | Verdade Líquida

Atualizado: 15 de ago. de 2020


Luiz Felipe Mello e Daniel de Oliveira em cena do filme brasileiro Aos Teus Olhos (2017) | Foto: Divulgação (Pagu Pictures)

Desde o título, Aos Teus Olhos (2017), o novo filme de Carolina Jabor abrange a discussão sobre os fatos e as verdades subjetivas com que cada um toma parte deles. É curioso, porém, como o nome que a produção ganhou internacionalmente, pelos festivais, acaba captando melhor a dimensão do debate proposto pela diretora de Boa Sorte (2014). Liquid Truth ou, em bom português, “Verdade Líquida” não só fala da fluidez deste conceito e conversa com o cenário quanto remete ao pensamento recorrente do filósofo e sociólogo polonês Zygmunt Bauman que, com seus termos “modernidade líquida”, “amor líquido” e outros semelhantes para designar a sociedade contemporânea, falava da efemeridade dos nossos tempos.

O pensador, falecido no ano passado, discorreu diversas vezes – inclusive, até em entrevistas para a TV brasileira – sobre a ágora pós-moderna, conceito com o qual denominava os talk shows televisivos, por considerar o mais próximo atualmente da Ágora antiga, os locais públicos onde os gregos se juntavam para debater várias questões. Mas, nos últimos anos, Bauman já tratava das redes sociais como o Facebook e, talvez, não demorasse muito para ele começar a formular se, agora, esta ágora não migrou ou se espalhou para o campo virtual. Devaneios à parte, é justamente este o foco de Jabor em sua obra.

Adaptação da peça espanhola O Princípio de Arquimedes (2011), de Josep Maria Miró, que serviu de argumento para o roteiro de Lucas Paraizo, a produção apresenta a história de um professor de natação, chamado Rubens (Daniel de Oliveira), que é acusado de ter beijado um de seus alunos, o retraído Alex (Luiz Felipe Mello), de apenas 12 anos – algo que pode ser circunstancial para nós, latinos, mas que é inadmissível para os norte-americanos, por exemplo, como Carolina percebeu na recepção pelos festivais internacionais. O ato teria acontecido no vestiário, para onde ele realmente levou o garoto, até o que consegue ser comprovado pelas câmeras. Vencedor de quatro prêmios no Festival do Rio, incluindo o de Melhor Filme no voto popular, e agraciado também na Mostra, o longa trabalha exatamente com esta dúvida para levantar as suas questões pertinentes.

Questionado pelo NERVOS, durante a coletiva de imprensa, no último dia 4 de abril, sobre o emblemático caso da Escola Base, cujo massacre da opinião pública veio midiaticamente em um mundo ainda pré-digital, lá nos idos de 1994, o roteirista afirmou que a história acontecida em São Paulo foi uma das referências para o seu texto, assim como o longa dinamarquês A Caça (2012), de Thomas Vinterberg, também serviu de inspiração, segundo a diretora. No entanto, declaram que a diferença, seja no caso real ou fictício, é a ambiguidade como o fato em si é tratado na obra. A dubiedade do protagonista é trabalhada desde o roteiro, que, de acordo com Daniel de Oliveira, foi mapeado junto com Carolina, que também conferiu algumas nuances no set, para que Rubens parecesse inocente em algumas cenas e culpado em outras, mantendo uma linha tênue de confiabilidade do personagem, que é corroborada pelo fato do mesmo não conseguir contar direito o que aconteceu ou omitindo detalhes ao conversar com cada pessoa.

Do outro lado, apesar de começar acompanhando um Alex quieto no carro, a narrativa de desloca completamente do menino e só retorna nele em momentos pontuais, nos quais o utiliza para levantar mais dúvidas sobre como a criança pode ter digerido o que realmente aconteceu naquele vestiário. O garoto tem uma relação difícil com o pai, figura austera que tenta se aproximar do garoto após o ocorrido, mas carrega a dúvida ao lado da culpa e do sentimento de impotência na interpretação de Marco Ricca. No entanto, é Malu Galli como a diretora do clube e amiga de Rubens que faz as vezes do público, na incerteza entre no que confiar e como agir neste turbilhão, de mais ou menos 24 horas desde a denúncia de Davi, apresentados em uma hora e meia de filme.

Se ela precisa tomar uma decisão, a obra em si não necessita, pois Jabor não quer julgar e sim tratar sobre o pré-julgamento nas redes sociais. A derrocada, justa ou não, do protagonista começa mesmo quando a mãe de Alex (Stella Rabello) denuncia o caso no grupo de mensagens dos pais de alunos da natação. Nem precisaria o elenco e a equipe comentarem os perigos das redes sociais e das fake news, as falsas notícias, quando, no próprio longa, a direção, montagem e trilha sonora conferem um tom vilanizador ao ato e à avalanche de comentários condenatórios que se seguem a um relato, sem a mínima investigação. Em um momento desses, muitos se valem pelas aparências e Carolina faz questão de utilizar o corpo do ator Daniel para alimentar as dúvidas sobre a sexualidade de Rubens, revelando o preconceito implícito de alguns personagens e fazendo cada espectador refletir o que, afinal, se destaca aos seus olhos na hora de julgar algo ou alguém.

Malu Galli, Marco Ricca, Carolina Jabor, Daniel de Oliveira e Lucas Paraizo na coletiva de imprensa do filme Aos Teus Olhos, em São Paulo (Foto: Nayara Reynaud)

Malu Galli, Marco Ricca, Carolina Jabor, Daniel de Oliveira e Lucas Paraizo na coletiva de imprensa do filme Aos Teus Olhos, em São Paulo (Foto: Nayara Reynaud)

 

Aos Teus Olhos (2017)

Duração: 87 min | Classificação: 16 anos

Direção: Carolina Jabor

Roteiro: Lucas Paraizo

Elenco: Daniel de Oliveira, Malu Galli, Marco Ricca, Luiz Felipe Mello, Stella Rabello, Luisa Arraes e Gustavo Falcão (veja + no IMDb)

Distribuição: Pagu Pictures

0 comentário

Posts Relacionados

Ver tudo
bottom of page