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  • Foto do escritorNayara Reynaud

UM LUGAR SILENCIOSO | O som do silêncio

Atualizado: 26 de nov. de 2020


Emily Blunt e Millicent Simmonds em cena do filme Um Lugar Silencioso (A Quiet Place, 2018) | Foto: Divulgação (Paramount Pictures)

Em um filme cuja importância do silêncio para a trama, na qual uma família precisa mantê-lo por uma questão de sobrevivência, está marcada desde o título, o que primeiro chama a atenção em Um Lugar Silencioso (2018) é justamente o som. A supressão dos diálogos e dos barulhos por parte dos personagens que, na primeira sequência em uma loja vazia de uma pequena cidade abandonada, evitam serem ouvidos por algo misterioso faz o espectador reparar naturalmente nos ruídos do ambiente e ficar alerta com qualquer elevação ou alteração sonora no desenho de som de Brandon Jones, cujos elementos sempre apresentam relevância narrativa. Um deles muito bem trabalhado, por exemplo, é realizar a percepção da surdez da filha deste clã para a plateia, já indicada pelo close no aparelho auditivo, de um modo sensorial ao tornar o silêncio dela “maior”, através de certo abafamento, que o dos seus parentes quando a garota está no quadro e/ou no comando do ponto de vista da história.

A menina é vivida por Millicent Simmonds, revelação da viagem intertemporal e Sem Fôlego (2017) de Todd Haynes, onde a deficiência auditiva da atriz de 15 anos de idade também servia não só para o papel, mas igualmente como motor da narrativa. A princípio, ela poderia servir apenas como justificativa para que a linguagem de sinais fosse um recurso fácil a esta família do longa-metragem de John Krasinski, em que o ator conhecido por seu papel como Jim Halpert na série cômica The Office (2005-13) não só tem a chance de mostrar seu trabalho na direção, mas uma faceta bem diferente de atuação. Na pele do pai metódico na sobrevivência e superproteção dos seus familiares, ele passeia entre a rigidez e a doçura com certa resiliência para a situação totalmente adversa, enquanto contracena e dirige Emily Blunt, sua esposa também na vida real – o que ajuda na única e terna cena em que se toca uma música, que não é The Sound of Silence e sim Harvest Moon, do Neil Young –, transmitindo aqui as piores agruras físicas e emocionais de uma mãe.

O prólogo de apresentação do casal e de suas crianças já vivendo o 89º dia neste mundo apocalíptico – que parece, às vezes, estar ambientado no final dos anos 1970 ou nos 80 dos quais o filme bebe certas influências até spielberguianas, mas ocorre no futuro breve de 2020, conforme informa uma lápide – traz uma tragédia pessoal para a família. Com algumas centenas de dias depois no mesmo cenário, a trama se propõe a desenvolver as relações entre esses personagens, com Noah Jupe, de Extraordinário (2017), passando todo o medo de um garoto nesta situação, se recusando a aprender e seguir o papel de provedor que o impõem, e Simmonds como a corajosa irmã que trava um difícil relacionamento com o pai, enquanto um sentimento de culpa perdura em todos de diferentes maneiras.

Seus algozes materiais, criaturas provavelmente alienígenas, aparecem ocasionalmente, mais em vislumbres de silhuetas e de seu ouvido ultrassensível, e não são uma distração à narrativa da produção assinada por Michael Bay. Aliás, os flares, reflexos da luz na lente da câmera comuns nos filmes do cineasta da franquia Transformers, aparecem, mas a fotografia em 35mm de Charlotte Bruus Christensen, dinamarquesa que já trabalhou em A Garota do Trem (2016) e A Caça (2012), é muito mais sensível e calorosa, mesmo na recorrente penumbra, do que espetacular. Da mesma maneira, há a sobriedade do roteiro e da direção em não recorrer a explicações didáticas por cartelas de texto ou diálogos expositivos que não caberiam neste contexto: os lampejos de recortes de jornal e reportagens televisivas, além das anotações do pai, bastam para localizar o público sem apresentar uma complicada mitologia para estes monstros, cuja ligação especulada com o universo de Cloverfield não é comprovada ou declarada.

Na realidade, a lembrança que mais vem à mente com o longa é a de Sinais (2002), que pode ser proposital, já que Bryan Woods e Scott Beck, os roteiristas indies que encontraram sua primeira chance em um grande estúdio, são admiradores do trabalho do M. Night Shyamalan. Assim como o cineasta divisor de opiniões e essa nova safra de diretores independentes de terror, a dupla e o diretor, que também roteiriza, preferem a construção do horror pela contextualização do que por simples sustos. Inserem cada espectador profundamente naquele ambiente e os fazem se envolver tanto com aqueles personagens que, quando o terceiro ato apresenta o seu longo e angustiante clímax, há uma apreensão contínua na plateia que só não torce por eles como geralmente mães e avós fazem “conversando” com as novelas, porque instintivamente também sente a necessidade de permanecer em silêncio.

É ele que, no final das contas, fica mesmo para o público em todos os seus significados, além da satisfação em ver um filme tão eficiente em sua simplicidade e contenção. Após dirigir alguns episódios de The Office e as dramédias Brief Interviews with Hideous Men (2009) e Família Hollar (2016) passarem despercebidas, Krasinski se destaca na sua primeira experiência no cinema de gênero, ao conseguir fundamentá-la nesta metáfora da falta de comunicação familiar. Logo veio à mente desta que vos escreve a frase ouvida recentemente no documentário nacional Construindo Pontes (2017), de que “família é o não dito”, quando o silêncio da ficção norte-americana ecoa a falta de diálogo entre os personagens em lidar com o luto, a culpa e imposições de papéis nessa dinâmica.

Neste último quesito, há igualmente a questão da superproteção dos pais no isolamento em que vivem e de sua censura – a impressão de que a maioria das fotos de pessoas desaparecidas em um mural no início do longa eram de jovens pode corroborar esta ideia. Algo que, na alegoria destes monstros, também pode ser estendido para toda uma sociedade que deseja silenciar as vozes dissonantes. Mas se a postura silenciosa garantiu uma sobrevivência a duras penas até então para eles, será que é ela os dará uma vida sem medo?

 

Um Lugar Silencioso (A Quiet Place, 2018)

Duração: 190 min | Classificação: 14 anos

Direção: John Krasinski

Roteiro: Bryan Woods, Scott Beck e John Krasinski

Elenco: Emily Blunt, John Krasinski, Millicent Simmonds, Noah Jupe, Cade Woodward, Leon Russom e Doris McCarthy (veja + no IMDb)

Distribuição: Paramount Pictures

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