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  • Foto do escritorNayara Reynaud

EM RITMO DE FUGA | Uma playlist sobre rodas e um videoclipe na tela

Atualizado: 14 de ago. de 2020


Ansel Elgort e Jamie Foxx em cena do filme Em Ritmo de Fuga (Baby Driver, 2017) | Foto: Divulgação (Sony Pictures)

Bellbottoms


É ao som do rock ‘n’ roll, meio funk, meio punk, do The Jon Spencer Blues Explosion que Em Ritmo de Fuga (2017) embala a sua sequência de abertura de quase seis minutos que, junto com a de Dunkirk (2017), a outra estreia da semana, podem ser consideradas as mais impactantes da temporada.

A faixa que abre o quarto álbum da banda alternativa norte-americana, Orange (1994), sempre fez a cabeça do inglês Edgar Wright, que há 20 anos alimenta a ideia de que a música seria uma ótima trilha para uma cena de perseguição de carro, que depois cresceu para a visão de um assalto a um banco. O jovem chegou a testá-la no videoclipe de Blue Song do duo eletrônico Mint Royale, em 2003, quando o então diretor da série – hoje cult – Spaced (1999-2001) fez alguns trabalhos no gênero para artistas britânicos antes de embarcar em seu primeiro longa, Todo Mundo Quase Morto (2004), e despontar como um cineasta promissor. Mas só agora conseguiu transformá-la em filme, cuja primeira cena até traz o motorista de fuga dos assaltantes repetindo alguns movimentos do humorista Noel Fielding no clipe, porém, dá uma biografia ao protagonista vivido por Ansel Elgort que, assim como Em Ritmo de Fuga, é conduzido pela música.


Baby Driver


Como a canção de Simon & Garfunkel que dá nome originalmente ao filme, Baby (Elgort, sim o Gus de A Culpa É das Estrelas, de 2014) nasceu com a música em seus ouvidos. Filho de uma garçonete e também cantora (vivido pela também intérprete Sky Ferreira), o motorista carrega consigo um zumbido permanente no ouvido, causado por um acidente que o deixara órfão na infância, e usa o artifício musical para abafar o som incômodo. Adotado por Joseph (CJ Jones), um senhor surdo-mudo que agora ele cuida, o jovem se transformou alguém muito calado, que está sempre com óculos escuros e fones plugados em um de seus vários aparelhos de MP3 que lhe fornecem a trilha sonora perfeita para cada momento de seu dia, seja ao comprar um café ou fugir da polícia.

Este último aspecto, em especial, torna o personagem não só carismático, mas de fácil identificação com o público jovem. Para quem escuta música por horas e horas no dia, até para se concentrar no estudo ou no trabalho – a autora deste texto se incluiu aí também –, ver o rapaz em cena, andando pela rua no ritmo de sua playlist, é recordar das vezes que a vontade de batucar, dedilhar um instrumento e sair cantando no meio do trem, metrô ou ônibus quase é maior que a vergonha e/ou timidez.


Brighton Rock


As seleções musicais do protagonista, e consequentemente do filme, são um pouco fora da curva e, por isso, a canção do Queen que ele aponta como a mais empolgante para uma fuga escapa das escolhas óbvias, por exemplo. No entanto, o título Brighton Rock também serve como referência direta ao livro homônimo de Graham Greene e sua adaptação cinematográfica O Pior dos Pecados (1947), cuja mocinha da trama policial também é uma garçonete. Em Ritmo de Fuga, porém, apresenta um tom diferente do clássico inglês que ganhou um remake em 2010: Debora (Lily James, a Cinderela de 2015) é menos inocente que a colega de balcão de Brighton, Baby troca a lambreta de Pinky por um Subaru vermelho e outros modelos esportivos ou retrôs, com os quais corre pelas avenidas largas de Atlanta – também uma opção que foge das já batidas ruas de Los Angeles e Nova York, já que o diretor inglês não tinha como filmar as perseguições nas vias estreitas de Londres – a serviço não necessariamente de uma gangue.

Ao roubar um carro na adolescência, o dono do veículo viu no garoto um potencial para os seus serviços. Isso porque Doc (Kevin Spacey) organiza uma série de assaltos na cidade, mas sempre troca o pessoal com quem trabalha a cada novo roubo, exceto Baby, que sempre é o motorista de fuga, até pagar o que lhe deve. Daí, surgem as inusitadas figuras de Buddy (Jon Hamm), Darling (Eiza González), Bats (Jamie Foxx), Griff (Jon Bernthal), Eddie (Flea, o baixista do Red Hot Chilli Peppers) e JD (Lanny Joon).


Nowhere to Run


Baby não vê a hora de pagar a sua dívida e abandonar o volante desta vida perigosa e de moral condenável, ainda mais depois de conhecer e logo se apaixonar por Debora, mas não é preciso muito para o espectador já saber que não será tão fácil e Martha & The Vandellas cantarem que não há para onde correr. Kevin Spacey sabe como ninguém manter a dubiedade deste chefe, que, por vezes, é mestre para o garoto e, outras, se mostra como um algoz. Ansel também encarna um quê de James Deen, que tal qual o Jim de Juventude Transviada (1955) não consegue sair de sua sina.


When Something Is Wrong With My Baby


O condutor habilidoso e calado tem igualmente, em seu arco dramático, muito dos soturnos motoristas sem nome que também prestam serviços criminosos de Caçador de Morte / The Driver (1978) e Drive (2011), interpretados pelos Ryan’s, respectivamente O'Neal e Gosling. Do último, este aqui carrega em si uma contradição quanto à violência, já que o jovem progride no seu uso quando mais quer fugir dela. Sim, o duo soul Sam & Dave está certo ao dizer que há algo de errado com Baby Driver.


“Was He Slow?”


A obsessão musical do protagonista vai um pouco além dos fones constantes e da coleção de MP3, pois o rapaz grava tudo que está a sua volta e usa as “melhores frases” captadas pelo gravador para produzir mixtapes, como a da pergunta retórica do chefe Doc: “Was He Slow?”, criada, na verdade, pelo DJ canadense Kid Koala. E realmente, não há nada de devagar na direção de Baby no carro e de Wright nas cenas de perseguição ou em toda a sincronização videoclíptica com que conduz som e imagem aqui, fazendo a plateia se perguntar quando Velozes e Furiosos deixou de ser uma franquia automobilística.

O cineasta, especialista em explorar comicamente vários gêneros cinematográficos, opta não pela paródia plena, como fez na “Trilogia dos Três Sabores de Cornetto", com os zumbis de Todo Mundo Quase Morto, a ação policial de Chumbo Grosso (2007) e a invasão alienígena apocalíptica de Heróis de Ressaca (2013). Aqui, ele pega esse filme de gênero, que não foi esquecido, mas sim sobreposto pela grandiosidade dos blockbusters atuais, e se apoia em arquétipos para usar da estranheza deles na condução da narrativa e extrair um humor sutil. Algo que fica claro até nos nomes/apelidos propositadamente genéricos dos coadjuvantes.


Deborah


Uma das poucas personagens que realmente ganha um nome na trama, embora só tenha a música do T. Rex para homenageá-la, já que sua xará não é o alvo da atenção de Beck em Debra, Debora também não escapa desse tipo de construção que, neste acaso, porém, fica aquém do tamanho do papel, que na prática é desenvolvido a favor dos desejos do protagonista, do sonho de amor e liberdade dele. É como se ela fosse a tábua de salvação dele, para finalmente sair de sua vida de assaltos, ao mesmo tempo em que a garçonete está lá na lanchonete esperando para ser salva de sua vida medíocre por ele.

Para acrescentar, a garota lembra muito, não só fisicamente como nas suas ocupações e talentos, a mãe de Baby, a quem o protagonista se recorda não só ao ouvir Easy, mas nos flashbacks e na fita K7 dela, que são insistentemente reforçados visualmente por Edgar, roteirista além de diretor. São detalhes que não prejudicam a química entre Lily e Ansel, que faz o público torcer pelo casal rapidamente durante a projeção, mas a ideia da obsessão do rapaz ou delírio fica martelando a cada vez que se pensa no filme.


The Edge


O que se observa neste novo trabalho de Wright é mais uma mixagem de influências do que uma colagem de referências. Mais que isso, há uma nostalgia multitemporal que torna o filme atemporal. É a lanchonete dos anos 50 em que Debora trabalha que se une às músicas sessentistas e setentistas, estilo Motown ou com a vibe espiã de The Edge, o instrumental de David McCallum, ator da série O Agente da UNCLE (1964-68), que já serviu de sample em vários hits de hip hop. Gênero que também é lembrado com Young MC, um dos rappers da passagem da década de 80 para a de 90, quando as fitas K7 estavam em alta, enquanto os iPods dos anos 2000, os mesmos da animação Monstros S. A. (2001), estão presentes. Essa salada nostálgica é só um dos elementos com os quais Em Ritmo de Fuga assume seu papel como puro escapismo, sem que o cineasta inglês não deixe de brincar sutilmente com isso nas próprias idealizações de Baby.

 

Em Ritmo de Fuga (Baby Driver, 2017)

Duração: 112 min | Classificação: 14 anos

Direção: Edgar Wright

Roteiro: Edgar Wright

Elenco: Ansel Elgort, Lily James, Kevin Spacey, Jon Hamm, Eiza González, Jamie Foxx, CJ Jones, Jon Bernthal, Flea, Lanny Joon, Sky Ferreira, Lance Palmer, Hudson Meek e Brogan Hall (veja + no IMDb)

Distribuição: Sony Pictures

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