top of page
  • Foto do escritorNayara Reynaud

JOAQUIM | Em crise de identidade

Atualizado: 8 de mai. de 2020


Júlio Machado em cena do filme nacional Joaquim (2017), de Marcelo Gomes | Foto: Divulgação

Se fosse só pelo título, o espectador desavisado poderia achar que o novo longa de Marcelo Gomes seria sobre um Joaquim qualquer. E, na verdade, é: Joaquim (2017) é um filme que pretende encontrar o homem comum por trás da figura do mártir da Inconfidência Mineira, o famoso Tiradentes que dá nome ao feriado que sucede a estreia do seu novo retrato cinematográfico no circuito comercial, nesta quinta (20).

A coprodução brasileira com Portugal e Espanha, que foi exibida pela primeira vez no Festival de Berlim, reimagina quem seria o tal de Joaquim José da Silva Xavier (Júlio Machado), antes de se tornar um Inconfidente. Por isso a escolha do título em vez de sua alcunha mais conhecida, dada pelo seu ofício de dentista – ou o mais perto disso que poderia se encontrar naquela segunda metade do século XVIII. No entanto, o foco aqui é na sua vida como alferes, posto inicial dos oficiais militares na época, dos Dragões Reais de Minas: o cotidiano rudimentar do destacamento do regimento de cavalaria mineiro que era responsável por patrulhar o escoamento de ouro da região e prender quem o fazia ilegalmente é retratado no início do filme, marcado desde aí pela câmera na mão, que se intercala com planos estáticos em que a fotografia de Pierre de Kerchove parece pintar a tela.

Buscando subir de patente e ter sua própria pepita dourada para comprar Preta (Isabél Zuaa), a escrava da vendinha local com quem ele tem um caso, mas que é usada sexualmente pelo administrador, Joaquim parte junto com um grupo para uma expedição em busca de uma nova mina de ouro. A viagem se estende vagamente por todo o segundo ato, mas funciona como momento de uma corrosão transmutativa no personagem, além de trazer momentos belos em sua simplicidade, a exemplo do encontro de cantos nativos do negro africano escravizado (Welket Bungué) e do índio subjugado (Karay Rya Pua).

Principal destaque da produção, Júlio Machado encarna, com toda a vitalidade e brutalidade necessária, este homem em crise. Um filho de portugueses que serve à Coroa trabalhando em seu exército na Colônia e, a partir do desejo de libertar a sua amada – só que a condução da personagem feminina se revela muito interessante pelo caminho ascendente de independência que ela, como mulher negra, consegue conquistar por si só – e alçar uma promoção, começa a se consumir pela revolta, especialmente depois de sua experiência no quilombo, que vai desaguar na sua participação na revolta desejada pela burguesia colonial daquele período. Tiradentes só foi o “Escolhido”, segundo a narração em primeira pessoa que abre o filme, por ser o mais exaltado e o menos favorecido entre os abastados conspiradores da Inconfidência, como é frisado na cena final.

Gomes, de Cinema, Aspirinas e Urubus (2005) e Era Uma Vez Eu, Verônica (2012), entre outros longas, constrói esta figura partida de Joaquim como trampolim para a sua crítica ao Brasil de lá e ao de cá, através de um dos seus heróis, a quem cultua, mas pouco conhece. Aliás, o roteiro dele se sai melhor quando faz isso de maneira implícita no desenvolvimento do protagonista, como na dubiedade com que trata a traição, algo que o próprio diz ser imperdoável, mas rapidamente passa de vítima à pessoa a cometê-la, do que ao colocar isso de modo tão claro no texto. Sobra até para os Estados Unidos, símbolo da liberdade que, ao fazer sua própria independência, influenciou os Inconfidentes, incluindo o militar revoltado, que aqui diz não acreditar que um dia eles poderiam invadir outra nação.

Entretanto, essa instabilidade buscada no personagem e pontuada no olhar para o país, também se reflete na obra em si, que se dilui em sua própria crise de identidade. Ao vislumbrar demais das movimentações do alferes com os intelectuais, religiosos e poderosos da época, Joaquim perde a sua força como um filme sobre um homem comum em vias de vivenciar o grande ponto de virada de sua trajetória, ao mesmo tempo em que pouco apresenta a revolta em si para servir de panorama da Inconfidência e seu mártir.

 

Joaquim (2017)

Duração: 97 min | Classificação: 16 anos

Direção: Marcelo Gomes

Roteiro: Marcelo Gomes

Elenco: Júlio Machado, Isabél Zuaa, Rômulo Braga, Welket Bungué, Nuno Lopes, Diogo Dória, Eduardo Moreira e Karay Rya Pua (veja + no IMDb)

Distribuição: Imovision

0 comentário

Posts Relacionados

Ver tudo
bottom of page