UM HOMEM CHAMADO OVE | Os rabugentos também amam
Atualizado: 26 de abr. de 2020
É curioso que um dos filmes mais simpáticos ao público entre os concorrentes desta edição do Oscar seja centrado em um senhor bem rabugento. O retrato em questão é de Um Homem Chamado Ove (2015), que foi obrigado a amadurecer cedo, envelhecendo rápido em seu caráter, personalidade e também fisicamente, como faz questão de ressaltar a maquiagem de Eva von Bahr e Love Larson, cujo trabalho foi lembrado mais uma vez pela Academia – a dupla foi indicada no ano passado com O Centenário Que Fugiu Pela Janela e Desapareceu (2013) –, deixando o ator Rolf Lassgård aparentemente mais velho do que os 59 anos dados ao personagem.
Na disputa como Melhor Filme Estrangeiro, além de Maquiagem e Penteado, a produção sueca capitaneada por Hannes Holm adapta o livro homônimo de Fredrik Backman, primeiro romance do jornalista que, logo, se tornou um best-seller. Nas páginas da obra, os títulos dos capítulos sempre carregam “Um homem chamado Ove” na denominação, como se mantivessem a distância que o próprio protagonista impõe com o seu jeito. Mas a prosa literária e a narrativa cinematográfica revelam que as circunstâncias da vida o tornaram mais amargo e menos compreensivo com a incompetência alheia, as novas gerações e seus aparatos tecnológicos e, claro, quem ousa desprezar o Saab e comprar qualquer outra marca de carro, especialmente se for da concorrente compatriota Volvo.
Obrigado a se aposentar pelas novas diretrizes da empresa na qual trabalhou por décadas, ele não deixa de trabalhar, porque, após ter sido síndico de seu condomínio por muitos anos, Ove continua carregando o espírito da função, já que sempre foi um eterno “fiscalizador”. E é por isso que seus planos de morrer tranquilamente e sem alarde para estar novamente ao lado de sua mulher, Sonja (Ida Engvoll), que morreu há poucos meses, são continuamente frustrados. Suas estratégias para se matar falham, não tanto por erros de cálculo, e sim por interferências externas de seus incompetentes vizinhos – ou seriam divinas ou de sua própria esposa tentando adiar o momento, pois ainda não é a hora dele?
Sentindo que ele ainda é necessário para manter a ordem no condomínio, agora com a chegada de uma nova família, o viúvo decide ficar mais um pouquinho e corrigir os hábitos do parvo sueco Patrick (Tobias Almborg), de suas duas filhas e da esposa grávida, a iraniana Parvaneh (Bahar Pars) com quem Ove estabelece uma relação quase paternal, apesar das discussões. Além disso, ele precisa conquistar uma vitória na luta que enfrenta há anos contra a burocracia, personalizada através de dois vilões clássicos, utilizados de modo bem maniqueísta pelo roteiro de Holm.
O diretor também pesa no sentimentalismo durante os flashbacks, que se exterioriza mais na trilha sonora de Gaute Storaas. A montagem de Fredrik Morheden insere as lembranças de Ove a cada tentativa de suicídio dele, dando a ideia de que, face à morte, a pessoa vislumbra sua própria vida. Mas ao retornar à relação com seu pai, de como o levou a trabalhar também no ramo ferroviário, e como conheceu o amor da sua vida sobre os trilhos, cuja jovialidade contrastava com a rigidez do rapaz, então interpretado por Filip Berg, o filme entrega o personagem, em seu passado, assim como também o seu futuro, de maneira muito mastigada ao espectador, que poderia, sozinho, induzir bem mais sobre este homem.
O tratamento cômico que o longa dá a um tema mórbido lembra outro candidato a Melhor Filme Estrangeiro no Oscar, que não chegou nem a entrar na pré-lista: só que o concorrente sérvio Diário de um Maquinista (2016) é mais eficiente no seu pequeno conto sobre alguém que não deseja morrer, e sim, curiosamente, matar para poder viver em paz. Ainda assim, o humor negro de Um Homem Chamado Ove é irresistível na sua função em desmistificar até as figuras mais ranzinzas.
Um Homem Chamado Ove (En Man Som Heter Ove, 2015)
Duração: 116 min | Classificação: 16 anos
Direção: Hannes Holm
Roteiro: Hannes Holm, baseado no livro “Um Homem Chamado Ove” de Fredrik Backman
Elenco: Rolf Lassgård, Bahar Pars, Filip Berg, Ida Engvoll, Tobias Almborg, Klas Wiljergård, Chatarina Larsson e Börje Lundberg (veja + no IMDb)
Distribuição: Califórnia Filmes