A CRIADA | Os sentidos que imperam
Atualizado: 21 de abr. de 2020
O apuro visual sempre foi uma marca do cinema de Park Chan-Wook e fez o cineasta sul-coreano ganhar repercussão e importância no Ocidente com trabalhos como Lady Vingança (2005) e Oldboy (2003) – sendo que, por este último, foi premiado pelo júri no Festival de Cannes, feito que repetiria com Sede de Sangue (2009). Mas em seu último trabalho, o esteta vai além da visão e constrói seu próprio (O) Império dos Sentidos (1976). Não apenas por beber da mesma fonte do famoso drama erótico japonês de Nagisa Ōshima, mas por carregar na tela várias experiências sensoriais que se ampliam para a plateia, desde o tato, paladar e olfato envolvidos nas cenas de sexo ao poder da audição como gatilho da imaginação neste contexto.
A Criada (2016) tem sua origem no livro Na Ponta dos Dedos, de Sarah Waters, autora inglesa conhecida por suas protagonistas lésbicas na era vitoriana. Só que Park transpõe a trama para a Coreia dos anos 30, sob a dominação japonesa. Uma relação que ele não explora apenas no uso dos dois idiomas no filme, mas nos indícios do imperialismo nipônico influenciando na imagem que os personagens coreanos têm de si mesmos.
Um deles é Sook-Hee (vivida pela estreante em longas Kim Tae-Ri), uma ladra que foi infiltrada como criada em uma imponente casa no interior do país, a fim de influenciar Lady Hideko (Kim Min-Hee, de Certo Agora, Errado Antes, 2015) a casar-se com o Conde Fujiwara (Ha Jung-Hoo, de O Caçador, 2008), que está interessado na herança da dama japonesa, tanto quanto o eminente tio dela, senhor Kouzuki (Jo Jin-Woong, de Assassinato, 2015), um colecionador de livros raros e de perversões. Mas, tão trapaceira quanto o seu mandante, a nova empregada cai na própria armadilha quando começa a sentir algo por sua patroa, e vice-versa.
No entanto, se Sook-Hee é uma mestre na arte de “bater carteiras”, como indica melhor o título original do romance, Fingersmith, o roteiro de Park e Jeong Seo–Kyeong também o é na arte da distração e posterior surpresa – mas aqui ela é bem-vinda. Ele é dividido em três partes que revelam novos pontos de vista sobre a trama, os quais o diretor faz questão de apresentar, com destreza, em diferentes ângulos. O texto é repleto de ironias e a narrativa, cheia de truques tal qual seus personagens, constrói uma tensão que segue até o fim da produção e faz o público esquecer sua longa duração: quase duas horas e meia de um romance homossexual dramático incrustado em um clássico thriller em que ninguém é santo.
A maestria é igualmente vista em seus aspectos técnicos, com a fotografia de tirar o fôlego de Chung Chung-Hoon, e o trabalho da direção de arte de Ryu Seong-Hee e figurino de Jo Sang-Gyeong na união de estilos orientais e ocidentais, observada, por exemplo, na proposta da casa que traduz as origens do próprio filme.
O resultado é, sobretudo, um manifesto de libertação feminina em uma obra que retrata a opressão masculina em suas fragilidades. Há, porém, um claro paradoxo neste sentido, porque ao mesmo tempo em que “condena”, através de seus personagens, esse voyeurismo sádico, A Criada assume esta posição ao apresentar suas cenas de sexo. É como se Park pretendesse colocar o público em pé de igualdade com os nobres espectadores/ouvintes das leituras eróticas promovidas pelo pervertido bibliófilo. Talvez mais um estudo do cineasta sobre a natureza humana, no qual, aqui, as virtudes afloram ao lado dos pecados: ganância e companheirismo, mazelas e beleza, luxúria e amor, violência e inteligência.
A Criada (Ah-ga-ssi, 2016)
Duração: 144 min | Classificação: 18 anos
Direção: Park Chan-Wook
Roteiro: Park Chan-Wook e Jeong Seo-Kyeong, baseado no livro “Fingersmith” de Sarah Waters
Elenco: Kim Min-Hee, Kim Tae-Ri, Ha Jung-Woo e Jo Jim-Woong (veja + no IMDb)
Distribuição: Mares Filmes