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Foto do escritorNayara Reynaud

TIRADENTES 2021 | Limitações contemporâneas, velhas cercas

Atualizado: 2 de fev. de 2021


24ª Mostra de Cinema de Tiradentes:

As experimentações estéticas e narrativas das estreias da Mostra Aurora se encerram nesta 24ª Mostra de Cinema de Tiradentes se aproximando das problemáticas urbanas com os filmes O Cerco (2020), longa carioca dirigido por Aurélio Aragão, Gustavo Bragança e Rafael Spínola, e Eu, Empresa (2021), mais uma produção baiana da seleção que, neste caso, tem a direção de Leon Sampaio e Marcus Curvelo. Confira mais a seguir:

 

O Cerco (2020)


Geovanna Lopes, Marco Lopes e Matheus Lopes em cena do filme brasileiro O Cerco (2020), longa carioca dirigido por Aurélio Aragão, Gustavo Bragança e Rafael Spínola | Foto: Divulgação (Mostra Tiradentes)

Gestado ao longo da última década, O Cerco não padece necessariamente das intempéries típicas de projetos cinematográficos de longa duração. Seu enfoque na violência, seja particularmente a de Estado ou a urbana no Rio de Janeiro, não só é um problema duradouro e endêmico na cidade, como, infelizmente, se intensificou ainda mais na capital fluminense e região, com as milícias dividindo e disputando poder com os traficantes, tornando seu tema tão ou mais pertinente quanto anos atrás. O cerceamento do filme de Aurélio Aragão, Gustavo Bragança e Rafael Spínola é de outra ordem: narrativo, nos dois conceitos interessantes, mas subdesenvolvidos de formas diferentes nesta produção carioca.


Em preto e branco, o longa inicia com a imagem de um casarão que serve de cenário principal da história, mas primeiro apresenta um trio de crianças, na realidade, já pré-adolescentes, brincando de Marco Polo, enquanto o barulho dos helicópteros ronda a cena. Somente depois, o espectador é introduzido à protagonista Ana (Liliane Rovaris), uma atriz e professora de teatro que mora na tal casa. O espectador a conhece em seu trabalho, no qual a produção aproveitou e filmou algumas cenas durante a montagem da peça Eu, o Romeu e a Julieta (2015), e vai descobrindo os fantasmas do passado que a atormentam nas gravações da familiar exilada (voz de Stella Rabello) durante a época da Ditadura, assim como os do presente e futuro, enquanto a propriedade é ameaçada ou invadida em meio a tiroteios e um cerco policial constante, além da relação com o ex-marido com quem tem uma filha pequena.


Esta parte adulta do longa, porém, não floresce, pois a boa e pertinente colocação sobre a inércia da sociedade brasileira em meio a este cenário de desigualdade social e violência crescente não atinge o público pela falta de empatia gerada pela protagonista, que impede o espectador de se enxergar em tal posição crítica. O momento infanto-juvenil que o integra parece mais interessante, como uma ideia de um curta sobre esses jovens (Geovanna Lopes, Marco Lopes e Matheus Lopes) tentando viver a sua infância e/ou adolescência apesar do caos que o cercam, mas a obra insiste em limitar o desenvolvimento dessa narrativa. No fim, nenhum dos filmes dentro do filme prospera e encontra na audiência o diálogo franco que seria necessário para estes tempos.

 

O Cerco (2020)

Duração: 87 min

Direção: Aurélio Aragão, Gustavo Bragança e Rafael Spínola

Roteiro: Aurélio Aragão, Gustavo Bragança, Rafael Spínola e elenco

Elenco: Liliane Rovaris, Geovanna Lopes, Marco Lopes, Matheus Lopes, Alberto Moura, Breno Nina, Aurélio Aragão, Gustavo Bragança, Rafael Spínola, Lobo Mauro, Fabricio Menicucci, Filipe Cretton, Doralice Maria, Iara Maria, Lindembergue Bragança, Lucas Nascimento, Lucas Santana e Stella Rabello (veja + no site)

Produção: Rio de Janeiro

> Disponível gratuitamente no site da Mostra Tiradentes, da 20h de 28/01 (quinta) às 20h de 29/01/2021 (sexta)

 

Marcus Curvelo em cena do filme brasileiro Eu, Empresa (2021), longa baiano dirigido por ele e Leon Sampaio | Foto: Divulgação (Mostra Tiradentes)

O realizador baiano Marcus Curvelo se destacou nos últimos anos com vários curtas-metragens em que apresentava seu alter ego Joder, como um reflexo de uma juventude em crise. O cineasta chega agora em Tiradentes com seu primeiro longa, ao lado do também estreante Leon Sampaio, Eu, Empresa – sem contar o curta A Destruição do Planeta Live (2021), presente no festival, na Mostra Foco. O filme que encerra a Mostra Aurora deste ano, porém, traz um Joder mais Marcus do que nunca, até nominalmente, ao longo de seus 82 minutos.


Sua persona híbrida entre o pessoal e o ficcional continua sendo representante de uma geração frustrada, contudo, a diferença é que o enfoque é menos existencialista que os trabalhos anteriores e, portanto, mais direcionado ao estado socioeconômico em que ela se encontra. A ideia de empreendedorismo vendida como solução simplista para o sucesso na sociedade atual, ainda mais neste momento de intensa “uberização” do trabalho, é explorada de modo cômico e crítico nesta espécie de mocumentário – em inglês, mockumentary – que acompanha a saga de Marcus/Joder para tentar se reerguer financeiramente. O conceito já vem logo na abertura, em que um entregador de aplicativo vem com a sua bicicleta, lhe entregar a placa de madeira com o nome do filme – aliás, uma das melhores partes da produção é quando o jovem conversa com estes profissionais da área, que lhe contam os problemas e percalços devido a precarização de suas condições trabalhistas.


Nesta mistura bem-humorada entre ficção e realidade, o protagonista entrevista seu chefe que lhe fala sobre a coragem necessária para empreender e se encontra com uma coach para adentrar neste caminho ao fazer um canal no YouTube. O projeto, porém, não rende logo o esperado e ele precisa se virar gravando vídeos corporativos ou alugando carro por permuta para trabalhar de motorista de aplicativo, enquanto vivencia, na prática, a falácia de que esses serviços contemporâneos, porém, precarizados, fará dele um empreendedor ou influenciador bem sucedido. Nem sempre os caminhos percorridos ao longo desta sátira funcionam, dando a impressão de que um formato mais sucinto tornaria a narrativa mais assertiva, mas a parceria com Sampaio faz deste o trabalho de Curvelo que mais se comunica com os anseios de seu público.

 

Duração: 82 min

Direção: Leon Sampaio e Marcus Curvelo

Roteiro: Amanda Devulsky, Camila Gregório, Leon Sampaio e Marcus Curvelo

Elenco: Marcus Curvelo, Carlos Baumgarten, Aristides de Sousa (Juninho Vende-Se), Mariana Rios, Carol Alves, Thiago Almasy, Ritah Oliveira, Felipe Pedrosa, Rachel Sauder e Gaba Reznik (veja + no site)

Produção: Bahia

> Disponível gratuitamente no site da Mostra Tiradentes, da 20h de 29/01 (sexta) às 20h de 31/01/2021 (domingo)



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