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Foto do escritorNayara Reynaud

OLHAR 2020 | Abertura – Feitiço temporário


Olhar de Cinema 2020 - Abertura: Para Onde Voam as Feiticeiras (2020) | Foto: Divulgação (Descoloniza Filmes)

A maratona de festivais cinematográficos no Brasil continua, mudando a sua rota para o evento paranaense Olhar de Cinema – Festival Internacional de Curitiba que, dada as circunstâncias deste atípico ano de 2020, leva a sua programação tipicamente composta por filmes que desafiam padrões estéticos, narrativos e discursivos para todo o país, através de seu site olhardecinema.com.br. E para abrir esta 9ª edição do Olhar de Cinema, que se iniciou nesta quarta, dia 7, e segue virtualmente até 15 de outubro, a dose de experimentação vem de Para Onde Voam as Feiticeiras (2020), longa de Eliane Caffé, Carla Caffé e Beto Amaral que acompanha as intervenções artísticas e debates de um grupo de performers nas ruas de São Paulo. Confira abaixo mais sobre o filme de abertura do festival.

 

Para Onde Voam as Feiticeiras (2020) | Foto: Divulgação (Descoloniza Filmes)

Em meio ao vaivém de uma rua no centro da cidade de São Paulo, um grupo aborda os comerciantes do local para assegurar a realização de uma intervenção artística. Eles informam que, em frente ao imóvel desocupado, farão a performance ali sobre os corpos marginalizados pela sociedade, que ocuparão tanto aquele espaço quanto a discussão pública. Todo esse processo é filmado, assim como o próprio ato de filmá-lo é exposto. É deste modo que Para Onde Voam as Feiticeiras dá as suas cartas logo na abertura, deixando claro a metalinguagem extensiva do filme de Eliane Caffé, diretora de Narradores de Javé (2003) e Era o Hotel Cambridge (2016), Carla Caffé e Beto Amaral, diretora de arte e produtor que estreiam na direção de longas.


A produção, portanto, levanta diversas pautas identitárias a partir de uma montagem que intercala os trechos dessa intervenção no ambiente urbano com as discussões de bastidores para realizá-la, além de depoimentos individuais dos próprios atores/performers. Preta Ferreira, Fernanda Ferreira Ailish, Wan Gomez, Ave Terrena Alves, Vitor Lopes, Mariano Mattos Martins e Gabriel Lodi dão os seus relatos e igualmente servem de agitadores do debate sobre racismo e vários aspectos do espectro LGBT+, seja entre os transeuntes na rua ou os membros da própria equipe do filme junto de pensadoras especialistas nesses diálogos paralelos. Outros assuntos são levados à tona quando, por exemplo, um grupo de índios guarani é chamado a essa roda de conversas, que, aliás, é um ponto difusor da obra.


Registra-se aí o momento mais interessante quanto às experimentações cinematográficas do longa, com o som dos indígenas e da natureza sendo sobreposto pelos gritos dos vendedores e ambulantes locais representando a força opressora do capitalismo sobre suas existências, como já indicado nas imagens de arquivo anteriormente apresentadas. Contudo, é justamente o uso desse conhecido recurso que começa a desenhar blocos temáticos na narrativa, que, embora não tão delimitados como comumente se observa no gênero, confere ao documentário um caráter mais repetitivo, apesar do modo intencionalmente caótico com que vários temas são abordados e a performance mescle encenações interessantes e interações mais irregulares com o público. Antes de entrar neste último quesito, vale frisar que se a questão indígena era pautada por filmagens de terceiros somente no Brasil, ao abordar o racismo e a transfobia, entre outras problemáticas de gênero, opta-se por misturar imagens de fora do país, bem como trazer a filósofa norte-americana Judith Butler, em duas escolhas contraproducentes para uma obra que se pretende debruçar e se aproximar da realidade brasileira, mas tropeça neste sentido.


A simples presença daqueles corpos ocupando um espaço que muitas vezes lhes é negado se torna um ato político ao qual Para Onde Voam as Feiticeiras cumpre com satisfação, mas que o projeto, tanto da performance pública quanto do filme, não consegue transformar em discurso político efetivo. Se Eliane Caffé não tem medo de mostrar os momentos em que é confrontada dentro de seus privilégios – embora não reflita tanto sobre isso –, assim como retrata os embates entre as próprias lutas identitárias e a dificuldade de formar alianças, na mensagem final ao público, o confronto ainda se sobrepõe ao diálogo, alternando momentos genuínos de troca com os transeuntes e outros de um olhar condescendente dos protagonistas ou da câmera para aqueles personagens típicos do centro paulistano ou de qualquer metrópole brasileira. Por fim, o happening segue o sentido estrito de sua tradução de ser apenas um acontecimento estranho, mas passageiro e sem deixar uma fagulha de transformação na rotina caótica da maioria das pessoas que por ali passou, enquanto a produção cinematográfica pode gerar reflexões, porém, restritas a uma plateia já em desconstrução, sem chegar à rua de fato.

 

Duração: 89 min | Classificação: 14 anos

Direção: Eliane Caffé, Carla Caffé e Beto Amaral

Elenco: Ave Terrena Alves, Fernanda Ferreira Ailish, Gabriel Lodi, Mariano Mattos Martins, Preta Ferreira, Thata Lopes e Wan Gomez (veja + no site)

Produção: Brasil

> Sessão – 07/10/2020 (quarta), disponível das 20h às 19h59 do dia seguinte

No site do Olhar de Cinema



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