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  • Foto do escritorNayara Reynaud

É TUDO VERDADE 2021 | Dia 2 – O descontrole regente

Atualizado: 7 de nov. de 2021


Abrindo o final de semana com dois dos mais premiados e comentados documentários presentes na competição internacional de longas, o festival É Tudo Verdade 2021 enfoca a urgência dos conturbados dias atuais ao programar Mil Cortes (2020) e Sob Total Controle (2020) para a grade deste sábado (10). Enquanto, no primeiro filme, a cineasta Ramona S. Diaz mostra a tentativa de controle absoluto da opinião pública do presidente filipino Rodrigo Duterte através de censura e notícias falsas, no outro, o prolífico documentarista Alex Gibney, ao lado de Ophelia Harutyunyan e Suzanne Hillinger, investiga a inação do governo Trump no combate à pandemia de Covid-19 nos Estados Unidos. E se já não bastasse ver o Brasil espelhado em ambos os retratos estrangeiros, a competição nacional começa um olhar para o desprezo e violência do passado e a constante insegurança sobre o futuro na área cultural por meio do longa Máquina do Desejo – Os 60 Anos do Teatro Oficina (2021), de Lucas Weglinski e Joaquim Castro. Veja mais sobre os destaques deste segundo dia de evento:

 

Mil Cortes (A Thousand Cuts, 2020)


A jornalista Maria Ressa e os repórteres na redação do seu site Rappler, em cena do documentário Mil Cortes (A Thousand Cuts, 2020), dirigido pela filipina Ramona S. Diaz | Foto: Divulgação (É Tudo Verdade)

Um político outsider, menosprezado pelos seus colegas pelo tom vingativo e machista de seus discursos, mas cujas palavras e ações populistas encantaram uma população abatida por uma situação de pobreza constante que não foi solucionada por vários governantes. Foi assim que o antes prefeito justiceiro de Davao, Rodrigo Duterte, se tornou o presidente das Filipinas, fazendo da guerra às drogas a sua bandeira e justificativa para matar milhares de cidadãos acusados sem provas de serem traficantes. E as vozes que se opõem a isso, como a da jornalista Maria Ressa e os repórteres do seu site Rappler, são perseguidas virtual e legalmente pelo governante, que não se faz de rogado em insultá-los em seus pronunciamentos.


Esse é o ambiente que a documentarista Ramona S. Diaz apresenta ao público com Mil Cortes, de maneira tão franca quanto o embate escancarado no país em que nasceu. A filipina radicada nos Estados Unidos não esconde que prioriza e compartilha do ponto de vista da comunicadora opositora e seus colegas de veículo que cobrem o dia-a-dia no palácio presidencial e nas ruas aterrorizadas pelas chacinas em nome do combate às drogas – que, olhe só, se volta aos mais pobres e não aos grandes traficantes... –, fazendo de Ressa sua porta-voz para recontar a ascensão de Duterte ao poder e detalhar o ecossistema de desinformação propagado pelo próprio governo e disseminado pelas redes sociais através de influenciadores favoráveis a ele, em um processo de armamentização da internet. Mas isso não impede que a diretora acompanhe apoiadores fervorosos do presidente, como o secretário em campanha para o Senado, Bato Dela Rosa, e a artista e blogueira Mocha Uson, conseguindo extrair desta até uma complexidade inesperada em uma narrativa que claramente determina sua posição.


À medida que o documentário premiado no Gotham Awards avança, a tensão se intensifica com a pressão e ameaça crescentes sobre a jornalista e o site dentro de seu país, apesar do apoio que ela recebe a cada viagem internacional. De modo resiliente, Ressa parece desconhecer o medo ao contrapor os desmandos estatais, sem querer ceder aos avisos de familiares e amigos, estampando ainda uma esperança resistente no rosto, que, mesmo antes de se revelarem novas informações nos créditos finais, parece vã ao cético espectador. Negando a si mesmo, esta mulher insiste em fazer seus compatriotas e o mundo não ignorarem a morte lenta da democracia, a mil cortes, que está acontecendo nas Filipinas, pois, como o público brasileiro bem sabe, ela avisa: “somos o futuro distópico de vocês”.

 

Mil Cortes (A Thousand Cuts, 2020)

Duração: 98 min | Classificação: 12 anos

Direção: Ramona S. Diaz

Produção: Filipinas e Estados Unidos

Áudio e Legendas: inglês | legendas em português

> Sessão – 10/04/2021 (sábado), às 17h00

Disponível no Looke, com limite de até 2.000 visualizações ou prazo de 24 horas; caso não alcancem o limite, retornam no dia seguinte às 12h00 e ficam até as 22h ou o limite de visionamentos estabelecido

 

Sob Total Controle (Totally Under Control, 2020)


Cena do documentário norte-americano Sob Total Controle (Totally Under Control, 2020), de Alex Gibney, Ophelia Harutyunyan e Suzanne Hillinger | Foto: Divulgação

Na ficção hollywoodiana, os Estados Unidos são sempre os “salvadores da pátria”, heróis que rapidamente salvam o mundo de qualquer ameaça de destruição. Mas a realidade depôs contra o papel que os norte-americanos acreditam exercer e, em 2020, a “América” sucumbiu à pandemia de Covid-19, com uma das piores respostas globais à doença e suas consequências. Apesar do cenário ser diferente no país neste ano, com as ações mais práticas e eficientes do novo governo, as marcas da ineficiência da administração do então presidente Donald Trump no combate ao vírus não serão facilmente esquecidas e o documentário Sob Total Controle faz questão de lembrar os sucessivos erros de um Estado que não tentou impedir a morte de centenas de milhares de seus cidadãos.


O famoso e incansável documentarista Alex Gibney, de Zero Days (2016) e The Inventor: Out for Blood in Silicon Valley (2019), se juntou a outras profissionais do ramo, Ophelia Harutyunyan e Suzanne Hillinger, para coletar informações sobre o planejamento governamental, ou a falta dele, logo da descoberta da então epidemia do novo coranavírus em Wuhan, na China, e seu potencial pandêmico pelo CDC, o Centro de Controle e Prevenção de Doenças dos EUA, em 3 de janeiro, e os equívocos contínuos nas medidas tomadas a partir do momento em foi constatado o primeiro caso em solo norte-americano, no dia 19 do mesmo mês. Também naquela data, foi diagnosticada a primeira paciente com Covid-19 na Coreia do Sul, permitindo ao trio construir um paralelo na linha temporal da evolução da pandemia, a fim de comparar as efetivas ações das autoridades sul-coreanas, ainda que suscetíveis a falhas e brechas, com a apatia dos responsáveis norte-americanos e até sabotagem a políticas mais enérgicas sugeridas internamente e adotadas por cada estado do país. Relembra-se, inclusive, como cada nação aprendeu, ou não, com as necessidades e erros surgidos em epidemias anteriores.


Gibney pontua algumas informações pela narração, mas os diretores encontram nas entrevistas, realizadas com todo um aparato especial, de vários cientistas, incluindo profissionais que estiveram a par das discussões internas de membros do governo mais politizados do que especializados no assunto, material suficiente para provar a omissão estatal – como se já não bastassem as declarações de Trump contra o uso de máscaras e o lockdown para dividir a população em relação às medidas de segurança necessárias. Por isso, mesmo que o panorama dos sete primeiros meses de pandemia nos EUA possa parecer datado, ainda mais se comparado com os documentários de semelhante temática Coronation (2020) e 76 Days (2020), que se beneficiam do recorte específico do surgimento da epidemia em Wuhan, compreende-se o desejo dos cineastas em fazerem de Sob Total Controle, cujo título já é uma ironia à constante fala do então estadista, um instrumento de informação às vésperas das eleições presidenciais no país. Tudo é muito volátil em tempos como este, mas a impressão é que a aposta foi certeira e a troca de comandante foi redentora para eles; enquanto isso, o espectador brasileiro, em meio a um navio no qual o inepto capitão segue uma rota descontrolada igual à ianque, vai sentir a mesma raiva originalmente experimentada pelos norte-americanos ao assistir ao filme, mas será acometido por uma sensação de dor e impotência que nem eles são capazes de imaginar.

 

Sob Total Controle (Totally Under Control, 2020)

Duração: 123 min | Classificação: 14 anos

Direção: Alex Gibney, Ophelia Harutyunyan e Suzanne Hillinger

Produção: Estados Unidos

Áudio e Legendas: inglês | legendas em português

> Sessão – 10/04/2021 (sábado), às 19h00

Disponível no Looke, com limite de até 2.000 visualizações ou prazo de 24 horas; caso não alcancem o limite, retornam no dia seguinte às 12h00 e ficam até as 22h ou o limite de visionamentos estabelecido

 

Cena de um espetáculo do Teatro Oficina no documentário nacional Máquina do Desejo – Os 60 Anos do Teatro Oficina (2021), de Lucas Weglinski e Joaquim Castro | Foto: Divulgação (É Tudo Verdade)

Abrindo a competição brasileira de longas desta 26ª edição do ETV, Máquina do Desejo – Os 60 Anos do Teatro Oficina é o primeiro de vários retratos personalistas, particularmente da área cultural, que inundam a seleção nacional deste ano. Contudo, a persona do documentário de Lucas Weglinski e Joaquim Castro é o próprio Teatro Oficina Uzyna Uzona, seja enquanto conjunto da companhia teatral ou espaço físico. A partir do material coletado pelo grupo ao longo destes mais de 60 anos de história, a obra faz dessa entidade coletiva tanto personagem quanto autor de seu manifesto de existência para além de limites corporais, artísticos, governamentais e imobiliários para resistir aos escusos interesses políticos e econômicos que tentam cercá-la e extingui-la.


Portanto, com exceção do monólogo inicial e breves registros contemporâneos do diretor e ator Zé Celso Martinez Corrêa e do colega Renato Borghi, os cineastas optam por usar apenas o áudio dos depoimentos coletados de vários antigos e atuais integrantes da companhia, além de seus admiradores para recompor a trajetória do Oficina, quase ao estilo anárquico pelo qual foram marcados na história do teatro brasileiro. O tom dos relatos somado a montagem de suas imagens em cena e o trabalho do desenho de som ajudam a imprimir um caráter performático ao próprio filme. Mas ainda que não recorra ao tradicional recurso do gênero, trocando os talking heads por esse uso da voz off, a narrativa segue uma linha cronológica bem clara, especialmente no início, ao enumerar as primeiras peças encenadas pelo grupo, com destaque para O Rei Da Vela (1967), montagem que foi um ponto de virada para o coletivo, bem como ao citar o incêndio do primeiro teatro em 1966 e a pressão da Ditadura sobre eles com ataques no palco, prisões e torturas.


A partir do exílio de Zé Celso e da companhia, que se aventurou até pela Sétima Arte, em Portugal e Moçambique, o documentário se desprende um pouco da marcação narrativa do tempo, para se fiar na duradoura disputa deles contra o grupo empresarial de Silvio Santos, proprietário de vários imóveis que rodeiam o teatro na rua Jaceguai. A luta dos integrantes pela preservação e reforma do espaço vem desde 1979 e, mesmo após a conclusão do projeto arquitetônico visionário de Lina Bo Bardi e Edson Elito e os sucessos de várias peças no anos 1990 e início dos 2000, atualmente a briga continua pelo espaço agora vazio ao lado, que eles desejam transformar no Parque Bexiga, enquanto o empresário e apresentador planeja construir torres residenciais. Por fim, embora Máquina do Desejo seja um raro documentário que se deixa embrenhar e tomar a forma de seu objeto de interesse, o que é sempre bem-vindo, falta um pouco ímpeto à dupla de diretores em contrabalancear o retrato da importância histórica do Oficina com um olhar sobre como a sua arte transgressiva dialoga ou não com o público ao longo destes tempos em que a cultura, tal qual seu palco, se encontra ilhada em meio aos tubarões.

 

Duração: 120 min | Classificação: 16 anos

Direção: Lucas Weglinski e Joaquim Castro

Produção: Brasil (São Paulo/SP)

Áudio e Legendas: português

> Sessão – 10/04/2021 (sábado), às 21h00

> Reprise – 11/04/2021 (domingo), às 15h00

Disponível no Looke, com uma hora de tolerância para o início da sessão ou até atingir o limite de 2.000 visualizações

> Debate – 11/04/2021 (domingo), às 17h00

Disponível no YouTube do ETV


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