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  • Foto do escritorNayara Reynaud

É TUDO VERDADE 2020 | A vida além dos rótulos

Atualizado: 7 de jan. de 2023


O operador de caixa Danilo em cena do documentário brasileiro Meu Querido Supermercado (2019), de Tali Yankelevich | Foto: Divulgação (Festival É Tudo Verdade)

“A partir da palavra é que as coisas acontecem”, afirma a sentença quase bíblica no início de Meu Querido Supermercado (2019), enquanto o documentário capta o momento da gênesis de um novo estabelecimento comercial do ramo alimentício. A frase firma o real interesse de Tali Yankelevich em seu primeiro longa-metragem: em um lugar onde as palavras escritas são meramente descritivas de produtos e marcas, seu filme dá a palavra aos componentes humanos que realmente dão vida a um mercado. Um dos funcionários e personagens deste retrato se pergunta se um filme sobre esse tema seria interessante para o público, mas o espectador brasileiro, agora, poderá conferir que a resposta é positiva.


Após passar por festivais internacionais, o documentário abre a competição de longas e médias-metragens brasileiros no É Tudo Verdade 2020, 25ª edição do maior evento dedicado ao gênero na América Latina, que, por força das circunstâncias deste período de pandemia de Covid-19, é realizada virtualmente, com exibições diárias e gratuitas, por meio da plataforma de streaming Looke – confira os horários ao final do texto. A diretora de curtas como The Perfect Fit (2011) e corroteirista e editora de Cravos (2018), de Marco Del Fiol, não está interessada no mecanismo do trabalho em si, mas no que reside na mente das pessoas que se escondem por trás dos caixas, balcões e bastidores, conferindo a humanidade que justamente essa mecânica de trocas comerciais lhes retira na visão de certa parte dos consumidores – quantos, ao menos, cumprimentam aqueles que os atendem, por exemplo?


Aos poucos, em meio às gôndolas, são destacadas algumas das figuras deste ambiente, porém não através de suas biografias. O foco se encontra no imaginário desses profissionais em contraste com a realidade que os cerca, em um desejo deles pela ficção que inunda a obra de caráter documental. Assim, surgem o balconista da padaria com gosto por história, ciência e teorias da conspiração; o padeiro otaku, cuja paixão pelos animes japoneses o faz elevar Goku a categoria de um Deus; a vigilante das câmeras de segurança que adora de histórias de suspense, especialmente de investigação; o operador de caixa que flerta com clientes e imagina casando com alguns; e a atendente que afirma não estar interessada no colega, embora as lentes registrem o contrário na dinâmica de “gato e rato” deles. Sem falar nas histórias sobre fantasmas que habitam o local.


Há certa comicidade natural empregada na narrativa, embora evite-se transformá-los em caricaturas. A diretora também se aproveita da fantasia e do existencialismo trazidos por esses personagens e, por vezes, parece instigar propositadamente isso neles. A trilha sonora de André de Cillo e Alex Buck confere um tom quase fabulesco, enquanto a montagem frisa símbolos e metáforas visuais daquele ambiente às falas.


A afirmação do estoquista de que “o humano não se basta” em seus desejos é seguida pela organização da prateleira de molhos de tomate Quero e, depois, pelo cartaz do Festival dos Sonhos. Uma divagação sobre como o sistema oprime quem se destaca contra ele vem com a imagem da carne sendo moída. A conversa sobre vida após a morte se encerra com o pão virando farelo. E a confissão de uma crise de pânico chama a placa da saída de emergência.


A rigidez da direção de Yankelevich, com os planos-detalhes deste microcosmo e a câmera fixa em seus agentes, não retiram o ar coloquial da produção, pois é a mesma imaginação que estas pessoas usam para lidar com a repetição de seu cotidiano de trabalho que desarma a austeridade do registro. Seguindo a defesa de um deles, Meu Querido Supermercado aplica a fantasia para trazer “mais realidade às imperfeições da vida”.

 

Duração: 80 min | Classificação: Livre

Direção: Tali Yankelevich

Produção: Brasil (São Paulo/SP)

Áudio e Legendas: diálogos em português, com legendas em inglês

> Sessão – 24/09/2020 (quinta), às 21h00

> Reprise – 25/09/2020 (sexta), às 15h00

No site do É Tudo Verdade ou diretamente no Looke

+ Debate – 25/09/2020 (sexta), às 17h00 no canal do ETV no YouTube



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