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Foto do escritorNayara Reynaud

É TUDO VERDADE 2020 | A construção da voz e da imagem


O jornalista e locutor Cid Moreira em cena do documentário nacional Boa Noite (2019), de Clarice Saliby | Foto: Divulgação (Festival É Tudo Verdade)

Uma voz a cantarolar quando os créditos iniciais ainda estão a aparecer. Assim começa Boa Noite, documentário sobre o jornalista e locutor Cid Moreira no qual é possível observar esse cacoete no biografado. O homem que ficou famoso justamente pelo seu instrumento vocal não canta nada específico, apenas vaga pela sua casa como que a procura de um texto para que sua voz possa ecoar. E a cineasta Clarice Saliby, em seu primeiro longa-metragem, fornece essa oportunidade a ele, ao ter como dispositivo metalinguístico o próprio narrando a sua história, com sua marca inconfundível.


Moreira relembra o início, por acaso, de sua carreira na rádio Difusora de Taubaté, em 1944, e a ida para a Rádio Mayrink Veiga do Rio de Janeiro, em 1951, ilustrado por imagens da época, enquanto o tópico sobre os 10 anos em que fez a locução dos cinejornais que circulavam pelos cinemas do Brasil também ganha uma visita do outrora cinéfilo de carteirinha a tradicional sala de sua cidade natal. O jornalista explica como migrou do rádio para a mídia que surgia na época, a televisão, apresentando a revista eletrônica Primeiro Plano (1964) e o Jornal de Vanguarda (1963-69) na TV Excelsior, até ser convidado pela Globo a comandar o Jornal Nacional (1969-), o primeiro telejornal transmitido nacionalmente no país e se tornar a figura que “jantava” com grande parte dos brasileiros todas as noites, por 25 anos. Novamente, a diretora leva seu personagem ao cenário, em meio aos arquivos do CEDOC, o centro de documentação da emissora, onde ele também recorda a sua passagem pelo Fantástico (1973-), que lhe permitiu exercitar a narração de mensagens que, depois, usaria nas famosas gravações dos áudios CD’s da Bíblia.


No entanto, o documentário vai além do resgate da sua trajetória profissional. Saliby afirma, durante o vídeo de introdução do filme no festival É Tudo Verdade 2020 – exibido bem no dia do aniversário do apresentador, diga-se de passagem – que procura a “desconstrução dessa imagem quase mitológica de Cid Moreira”. A cineasta procura, portanto, a proximidade no registro do seu cotidiano em casa, sem recorrer aos típicos depoimentos talking heads, mas através do que seu protagonista vai contando ao longo do seu processo de gravação e edição de áudio no computador, ao mexer e anotar em suas agendas anuais ou quando é flagrado em sua esteira. A sua direção e a montagem de Eva Randolph e Yan Motta incorporam o espírito que ele adquiriu nos últimos anos, como é possível observar nos seus vídeos no Instagram durante os créditos finais: a voz imponente está lá, mas com descontração, com o humor dando o tom desde a cena inicial com Cid conversando a assistente virtual Siri.


Clarice obtém poucas confissões mais pessoais dele, como o seu incômodo com as abordagens constantes do público lhe pedindo para gravar vídeos falando o seu icônico “Boa Noite”. Ressente-se da saída do JN, mas pondera sobre a necessidade de renovação na TV, assim como se esquiva de qualquer responsabilidade pelas notícias que apresentava: “não era editor, era apresentador (...) só lia”, afirma, mas o exemplo que comenta depois sobre o caso do direito de resposta do então governador do Rio de Janeiro, Leonel Brizola, já o contradiz, deixando claro que toda leitura tem sua interpretação na entonação dada. Cita brevemente o envolvimento de sua filha falecida, Jaciara, com as drogas e a sua postura de manter o profissionalismo mesmo quando recebeu a notícia da morte da mãe enquanto gravava o telejornal, todavia, sem tocar em outras questões familiares.


É visível o quanto Cid busca controlar a sua imagem para a câmera, não só ponderando o que contar no roteiro sobre a sua própria história, mas também tentando dirigir o filme sobre si. “O cinema pede naturalidade” diz o mesmo que depois deseja uma trilha mais dramática para acompanhar a sua atuação sobre o incidente da sauna. Em parte, parece que Saliby deixou o documentário nas mãos de seu personagem, sem conseguir adentrar na pessoa por trás do “mito”. Contudo, ao escancarar essa tentativa de performar a si mesmo, a obra não está justamente mostrando uma faceta importante desse homem?

 

Boa Noite (2019)

Duração: 73 min | Classificação: Livre

Direção: Clarice Saliby

Produção: Brasil (Rio de Janeiro/RJ)

Áudio e Legendas: diálogos em português

> Sessão – 29/09/2020 (terça), às 21h00

> Reprise – 30/09/2020 (quarta), às 15h00

No site do É Tudo Verdade ou diretamente no Looke

+ Debate – 30/09/2020 (quarta), às 17h00 no canal do ETV no YouTube



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