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  • Foto do escritorNayara Reynaud

ZOMBI CHILD | Preso entre dois mundos

Atualizado: 31 de mai. de 2020


Ninon François, Adilé David, Mathilde Riu, Louise Labeque e Wislanda Louimat em cena do filme francês Zombi Child (2019), De Bertrand Bonello | Foto: Divulgação (Califórnia Filmes)

Um estágio particular entre a vida e a morte. É assim que surge a figura do zumbi dentro das crenças religiosas do vodu haitiano, que o cineasta francês Bertrand Bonello resgata, à sua maneira, em Zombi Child (2019), seu novo trabalho que estreou na Quinzena dos Realizadores no Festival de Cannes 2019 e também foi exibido em Toronto e no Rio. No entanto, o próprio longa fica igualmente preso entre as duas vivências que propõe ao público.


O diretor de Saint Laurent (2014) e de trabalhos mais autorais como Nocturama (2016) L'Apollonide: Os Amores da Casa de Tolerância (2011) e Na Guerra (2008) constrói um roteiro com duas linhas narrativas que se intercalam e, por vezes, se sobrepõem em seus distintos tons. A primeira delas que se apresenta renderia um filme por si só ao encenar a história real do haitiano Clairvius Narcisse (aqui interpretado por Mackenson Bijou), que, após ser vítima de um feiticeiro vodu que o zumbificou em 1962, foi dado como morto para depois ser desenterrado e escravizado como um morto-vivo em uma plantação de açúcar. Mais ainda no tratamento diferente que Bonello confere ao insólito caso, desviando de seu viés bizarro ou da própria exigência da estrutura de terror que as figuras dos zumbis ganharam ao longo dos anos na cultura pop para se ater ao drama dele, enfatizado pelos tons azuis da fotografia de Yves Cape que acentua a tristeza da situação deles.


Essa nova ótica faz jus às raízes históricas e culturais da ideia do zumbi, ao mesmo tempo em que levanta questões sociopolíticas do Haiti e, mais universalmente, aborda a escravidão e seu doloroso legado. Algo salientado na citação na epígrafe e nos diálogos do poema Cap’tain Zombi (1967), do grande nome da poesia haitiana René Depestre. Neste sentido, a segunda linha narrativa que o cineasta traça ecoa tais temas importantes ao trazer a herança colonial e o racismo velado na trama ficcional ambientada na atualidade em Paris, capital da nação que um dia colonizou aquela ilha da América Central, embora acabe sabotando a primeira, narrativamente.


Assim, enquanto o espectador vai sendo apresentado aos poucos à trajetória de Clairvius Narcisse, observa Mélissa (Wislanda Louimat), uma adolescente haitiana que foi morar na França com a tia Katy (Katiana Milfort) após perder os pais no terremoto que assolou o país caribenho em 2010, na sua rotina em uma prestigiada escola só para meninas descendentes dos condecorados com a Legião de Honra francesa. A nova aluna encontra interesses em comum pela literatura de terror com Fanny (Louise Labeque), a colega de sala romântica e sonhadora que a introduz em sua irmandade de garotas entediadas com a rigidez do liceu, que passam o tempo no celular ou escutando música – com destaque para o rapper belga-congolês Damso. Essa proposta de deslumbramento adolescente por um prazer mórbido já foi trabalhada diversas vezes pelo gênero de horror sobrenatural ou psicológico, sendo aqui menos expositiva que títulos norte-americanos, como Jovens Bruxas (1996), e mais climático com a trilha sonora incidental de sintetizadores, assinada também por Bonello, e surrealista em torno dos desejos aflorando nesta idade, tal qual o brasileiro Mate-me Por Favor (2015).


A forma como as colegas se relacionam com ela, que é a única negra da turma, demonstram este fascínio branco simultâneo à estranheza racista com os rituais de origem africana que se desenvolveram na América e extensivamente ao afro-americanos – vide outro exemplo nacional, no errático longa pernambucano Açúcar (2017). Com uma hora de filme, não só as duas tramas se interligam de fato, mas a visita de Fanny à Katy carrega em si esse imaginário de velhos estigmas que foram relacionados ao vodu e a ideia de apropriação, a princípio como crítica, mas que se dissipa em um apressado clímax. Por fim, Zombi Child frustra por não atingir toda a vivacidade de sua(s) história(s), mas encanta por lembrar que o passado não morre em uma sociedade que reproduz seus mortos-vivos.

 

Zombi Child (Zombi Child, 2019)

Duração: 103 min | Classificação: 16 anos

Direção: Bertrand Bonello

Roteiro: Bertrand Bonello

Elenco: Louise Labeque, Wislanda Louimat, Katiana Milfort, Mackenson Bijou, Adilé David, Ninon François, Mathilde Riu, Ginite Popote, Néhémy Pierre-Dahomey e Sayyid El Alami (veja + no IMDb)

Distribuição: Califórnia Filmes

Plataformas: Google Play, iTunes, NOW, Vivo Play e YouTube, a partir de 29 de abril de 2020




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