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  • Foto do escritorNayara Reynaud

A GAROTA INVISÍVEL | Confinada em clichês

Atualizado: 8 de abr. de 2021


Sophia Valverde em cena do filme infanto-juvenil brasileiro A Garota Invisível (2020), de Mauricio Eça | Foto: Divulgação (Synapse Distribution / Créditos: Stella Carvalho)

O ano de 2020 não vai embora sem que uma das produções brasileiras filmadas durante esta quarentena estreasse ao grande público. Salvo engano, A Garota Invisível (2020) é o primeiro longa-metragem totalmente nacional a chegar ao circuito, ao menos de home videoAntologia da Pandemia (2020), por exemplo, é uma coleção de curtas de terror de vários países, não só do Brasil. E, diferentemente do que você possa imaginar a partir deste dado, o filme infanto-juvenil dirigido por Mauricio Eça nada fala sobre a pandemia ou qualquer vírus, máscara, álcool gel e coisas afins, mas sim uma velha história adolescente e escolar transposta para um ambiente cujas novas tecnologias e a interação remota ditam todos os conhecidos clichês do gênero.


Ariana, a protagonista vivida por Sophia Valverde, mais conhecida por ter interpretado a personagem-título da novela infanto-juvenil As Aventuras de Poliana (2018-20), é uma menina estudiosa que passava despercebida pelos seus colegas, com exceção de seu melhor amigo Téo (Matheus Ueta, da franquia Carrossel). Até que, sem querer, ela posta um vídeo no grupo da turma em que declara o seu amor para o garoto mais desejado da classe, Khaleb (o estreante Guilherme Brumatti), agora que todos sabem de sua separação com Diana (Mharessa Fernanda, também vinda de produções do SBT, como Cúmplices de um Resgate, de 2015-16), ainda mais popular por ser uma famosa youtuber. Mas isso a torna a garota, antes invisível, em um alvo tanto de seu amado quanto da ex-namorada dele.


A escolha por não incluir o contexto atual, por si só, não é necessariamente um erro. Pode se dizer, com toda razão, que em um momento como este, o público-alvo deseja mesmo o escapismo na busca por certa normalidade nesta trama que se passa durante as férias escolares, apesar de estranhamente, pensando em um mundo anterior ao pandêmico, os alunos de recuperação receberem aulas remotas e não no próprio colégio sem nenhuma razão aparente. Embora também dê para afirmar que há crianças e jovens que desejariam ver suas angústias deste período tão atípico retratadas na tela. Da mesma forma, é possível pensar que houve uma preocupação da produção se tornar logo datada, ainda que o uso de tecnologias que rapidamente são ultrapassadas por novos aparelhos, redes sociais da moda ou atualizações daquelas mais populares já torna a história suscetível a isso.


Contudo, o filme sofre igualmente pelo uso pouco criativo de desgastados tropos ou convenções narrativas no roteiro de Livia Alcade e C.Jos Bravo, especialmente na forma como utilizá-los dentro dessas limitações de uma filmagem remota ou com equipe reduzida. Dentro do primeiro aspecto, é sofrível ver a mesma trama de sempre ser tratada de modo tão desleixado, menosprezando a capacidade do próprio público, seja infantil ou adolescente, com personagens tão unidimensionais, a exemplo da antagonista ser extremamente fútil e vingativa, e nada mais que isso; estereotipados, como o nerd que precisa falar sozinho com seu boneco; ou deliberadamente caricaturais, tal qual o professor (Marcelo Várzea) com sotaque e cujo humor vem de piadas escatológicas sobre flatulência. E se, por um lado, é saudável o cinismo com que o “príncipe encantado” em questão se revela, por outro, a narrativa cai da pior maneira possível no clichê do “melhor amigo apaixonado pela garota”, tanto pelas atitudes tomadas por ele quanto pelo destino final escolhido.


Na realidade, a criança prodígio Laurinha, interpretada por Clarinha Jordão, é a única figura sensata nesse longa em que é difícil o espectador criar empatia por alguém ou não ter a certeza de que a protagonista ficaria melhor sozinha. Quanto à segunda questão, os roteiristas tomam alguns caminhos interessantes até meterem os pés pelas mãos, quando o primeiro encontro de Ariana com Khaleb, a princípio, é conhecido pelos outros personagens através das redes sociais, em uma boa saída para as limitações da produção, mas logo algo muito importante acontece nessa ocasião sem que o público veja, apenas saiba pelo diário da garota cujo ponto de vista deveria conduzir o filme. Neste ano, foi possível observar soluções criativas, como a animação, que se encaixaria muito bem dentro da linguagem dessa obra, para driblar a distância imposta pela pandemia, ainda que esta acarrete até na interpretação: mesmo sendo acostumados a essa realidade virtual e de menos contato físico, nem todos do elenco jovem conseguem lidar bem com essa dinâmica remota decorrente da falta de troca entre os atores.


Por isso, o espectador da geração MTV Brasil, provavelmente, se pegará pensando durante a exibição onde está aquela criatividade e engenhosidade com poucos recursos que Mauricio Eça demonstrava na direção de videoclipes de rap e rock, principalmente nos anos 1990 e 2000. Não se trata aqui de preconceito com o tipo de produto a qual ele se mais se dedica agora, até porque o cineasta se saiu muito melhor com o sucesso infantil Carrossel: O Filme (2015) do que mergulhando no universo próximo dos jovens adultos em seu primeiro longa, o insípido Apneia (2014). Mas sim da falta de inventividade do diretor dentro das dificuldades de tal filmagem, embora também prejudicado pela qualidade do texto e uma aparente pressa em rodar e finalizar a produção.

 

A Garota Invisível (2020)

Duração: 108 min | Classificação: 14 anos

Direção: Mauricio Eça

Roteiro: Livia Alcade e C.Jos Bravo

Elenco: Sophia Valverde, Matheus Ueta, Mharessa Fernanda, Guilherme Brumatti, Bia Jordão, Bianca Paiva, Kaik Pereira, Marcelo Várzea e Clarinha Jordão

Distribuição: Synapse Distribution

Plataformas: Apple TV, Google Play, NOW, Sky Play, Vivo Play e YouTube (VOD), a partir de 22 de dezembro de 2020



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