MOSTRA SP 2019 | Entrevista com a diretora Maša Neškovic e a atriz Mira Janjetovic, de “Assimetria”
Atualizado: 28 de fev. de 2021
“Falar sobre como relacionamentos se desenvolvem e se desintegram com o tempo e o porquê”. Essa foi a motivação para a diretora sérvia Maša Neškovic realizar o seu primeiro longa-metragem, Assimetria (2019). O filme, que fez sua estreia mundial nesta 43ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo, acompanha a história de três casais de diferentes idades que servem de representação para um só nos vários estágios de uma relação. Presente em São Paulo para o evento, junto da atriz Mira Janjetovic, a diretora conversou com o NERVOS sobre suas intenções e o processo de criação da produção, a recepção do público brasileiro à obra, enquanto a intérprete de Olja do casal de jovens adultos comentou sobre sua primeira experiência no cinema e mais que você confere a seguir.
O que veio primeiro: o desejo de falar desses estágios de um relacionamento ou o anseio de trabalhar o efeito narrativo de interligar essas histórias?
Maša Neškovic: Acho que veio primeiro o desejo de falar sobre relacionamentos, em geral. Falar sobre como relacionamentos se desenvolvem e se desintegram com o tempo e o porquê. Esse foi meu desejo inicial. Não sei, há algo nessa história que me persegue, acredito. Meus pais se divorciaram, por exemplo, quando eu era muito pequena e eu sempre fiquei me perguntando como duas pessoas que são tão próximas juntas acabam ficando tão distantes. E por que eu escolhi ter diferentes casais representando um casal, casais que vivem no mesmo local e no mesmo espaço de tempo, é especialmente porque, para mim, é muito triste que isso aconteça, essa desintegração de uma relação. De um modo, neste universo ficcional que eu criei, eu tinha esse sentimento que colocar dois casais jovens no filme poderia ser diferente, o resultado seria outro. Eles poderiam fazer algo diferente do resultado esperado e viverem “felizes para sempre”, o que não acontece no filme para o casal mais velho. Então, acredito que foi por isso que decidi contar a história desta forma.
E você disse, na sessão, que as três histórias acontecem-na mesma cidade... É Belgrado?
Maša: Sim. Em Belgrado.
... E ao mesmo tempo, podendo ser ou não as mesmas pessoas?
Maša: De alguma forma, eles representam um relacionamento. Todos os seis representam duas pessoas em uma relação, na realidade. Mas, dentro do filme, eles certamente têm algumas dessas forças sobrenaturais que os conectam e, em suas biografias, eles têm detalhes que são os mesmos.
O Canadá...
Maša: Sim. Essas pequenas coisas que costumo dizer ao público que eles são as mesmas pessoas, mesmo que, na realidade, eles não sejam. Então, você pode olhar de diferentes maneiras. São diferentes histórias ou você pode contemplar sobre um relacionamento usando os três casais. É como se fosse o mesmo destino.
E como foi para você o desafio, em seu primeiro longa, de usar esses elementos no roteiro?
Maša: Foi bem desafiador, porque minha ideia inicial foi não contar tudo, não entregar tudo ao público, deixar os espectadores descobrirem as coisas por si mesmos. Às vezes, foi difícil decidir o que não deveria vir ao público e quanta informação nós teríamos de oferecer aos espectadores para que eles pudessem acompanhar a história. Mas sempre repeti para mim mesma, “seja corajosa, não faça algo que você inicialmente não queria só porque algumas pessoas pensam que você deveria dar mais”. Sempre penso que você deve dar um pouco a menos para deixar o público ir sozinho. E ontem, na sessão em que você estava [no dia 18], fiquei muito feliz porque vi que, mesmo que não coloquemos toda a informação “no prato”, as pessoas entendem. Talvez, eles compreendam mais por causa disto, pois colocam a si mesmos dentro disto.
Mira Janjetovic: Eles têm a sua própria visão.
É estreia mundial do filme, então, essa experiência e a recepção do público brasileiro tem sido boa para vocês?
Maša: Foi muito boa. Tivemos uma sessão antes da que você estava [no dia 17]. Foi boa também, sala quase cheia e uma projeção melhor em termos de qualidade técnica, mas o público ficou meio silencioso e houve apenas algumas perguntas. Eles permaneceram durante o filme e permaneceram durante o debate, mas não foram tão falantes nele. Então, não tinha certeza o que eles acharam, como eles reagiram. Mas ontem, na sessão em que você estava, foi uma recepção muito calorosa. As pessoas viram várias coisas e eu fiquei muito feliz por causa disso, porque descobri com eles que esse filme realmente se comunica com as pessoas, mesmo com aqueles que não sabem nada sobre a Sérvia, que não falam minha língua, que estão a tantos milhares de quilômetros de distância.
E como foi o trabalho com o elenco? Não sei se os atores puderam ensaiar juntos ou não...
Maša: Não. Eu queria que eles não interferissem um ao outro, digo entre as histórias. Então, trabalhei separadamente com os atores de todas as três histórias, porque não queria realmente contar para alguns dos atores sobre as outras histórias de modo algum. Claro que eles leram o roteiro, exceto as crianças, mas eu queria que eles construíssem seu próprio mundo, independente do que eu fiz com os outros atores. Por exemplo, para a história da Mira [Janjetovic], nós trabalhamos muito na ligação, em confiar um no outro. Nós mudamos o roteiro juntos, usando a improvisação deles e esta, por exemplo, foi a história que fizemos mais improvisações. Para o casal mais velho, houve muito menos improvisação. E também passei muito tempo com as crianças e algumas das cenas eu escrevi como via entre eles. Então, quando eu tinha o elenco, o roteiro foi mudando muito, de acordo com os nossos ensaios e improvisações.
Mira, não sei se estou errada ou o IMDb está errado, mas é seu primeiro trabalho como atriz...
Mira: [risos] Sim. É a minha estreia.
Então, como foi essa experiência e como foi para você criar este personagem dentro dessa estrutura?
Mira: Quando nós começamos a trabalhar nisto, estava muito tímida, porque, obviamente, não tinha experiência em filmar longas de ficção. Mas Maša e Mladen [Sovilj], meu parceiro [de cena], nós realmente trabalhamos muito as nossas conexões e a nossa relação. Foi muito intenso: nós trabalhamos por cinco, seis horas. Nós conversamos e, semanas depois, pensando nas coisas que experimentamos no último ensaio, você traz algo novo. Nem sei como as coisas aconteceram como a máscara que tinha no apartamento da Maša...
Maša: É, o capacete que ela coloca veio depois de várias improvisações dentro da minha casa, porque eu tinha aquele capacete lá.
Mira: Foi muito divertido assistir agora, porque ainda não tinha visto o filme.
Maša: Essa é a primeira vez que ela viu o filme.
Mira: Então, ainda choro quando assisto ao filme [risos].
Maša: Na verdade, estava muito assustada, porque nenhum dos atores viu o filme. E, às vezes, é muito diferente quando você assiste na tela para o que você imaginava que seria. Então, fiquei um pouco com medo do que ela acharia: ela iria gostar ou não? E ela realmente gostou muito.
Mira: Eu realmente estou apaixonada por esse filme e estou muito feliz com tudo que está acontecendo com esse filme. Como trabalhamos juntos, as filmagens, como nos tornamos uma família, de certa maneira. Foi uma equipe tão pequena...
Maša: Umas 40 pessoas.
E você filma muito neste apartamento...
Mira: A energia era muito boa. Eu estava tão assustada com o primeiro dia de filmagem...
Maša: Tenho que dizer que, provavelmente, era o sentimento de medo, mas o meu sentimento a assistindo foi de “Uau! Essa garota é realmente muito corajosa”, porque era a sua primeira filmagem e estava incrível. E todo muito percebia isso. Alguns membros da equipe vieram até a mim dizendo “Uau! Essa garota é tão boa!”.
Mira: Eu estava totalmente amedontrada, mas tinha quarenta pessoas esperando por mim, como pode se dizer, “funcionar” e eu estava “ok, ok, ok”. Tenho que fazer, disse sim, tenho fazer [risos].
Mas você gostou? Vai continuar nesta carreira?
Mira: Sim, sim. Acabei de terminar a faculdade de Teatro. Então, vou fazer, se me deixarem fazer [risos]. Algo que também queria dizer sobre este filme é que, como Maša disse, esse três diferentes casais... Por exemplo, neste verão, encontrei Uliks [Fehmiu], que faz o cara mais velho, no Festival de Cinema de Sarajevo. Estamos no mesmo filme, mas nunca tinha encontrado com ele. Antes, tinha conhecido as crianças [Lola Vitasovic e Mateja Poljcic] e, claro, encontrei a Daria [Lorenci]. Mas o que foi interessante para mim, quando assisti ao filme pela primeira vez, foi como senti que, ainda que todos nós sejamos totalmente diferente, algo realmente é o mesmo. Talvez, o cheiro seja o mesmo, não sei, esse tipo de coisa. E fiquei muito feliz, porque o trabalho principal da direção é colocar essas coisas que são totalmente diferentes combinando algo que é extraordinário, mas de uma maneira realmente ordinária. Não sei como explicar.
Uma curiosidade da carreira do filme: vai viajar por outros festivais...?
Maša: Sim. Enviamos para um monte de festivais e vamos ver quem vai nos convidar, mas estamos muito felizes de estar aqui. E nós vamos ter uma première na Sérvia. Então, isso vai ser grande, com sala cheia de pessoas que você conhece, colegas, amigos, família, elenco e todos os críticos. É, vamos ver como isso vai acontecer.
E você tem algum projeto futuro em mente?
Maša: Sim, tenho um projeto em mente, mas ainda está no estágio da sinopse até agora. Então, vai ser uma longa caminhada.
Primeiro, aproveite esta primeira...
Maša e Mira: Sim, finalmente [risos].
Maša: Na verdade, foi um longo processo com esse filme. Nós filmamos dois anos atrás e agora está para o mundo. Um bom tempo.
Conexões Nervosas
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> Maša Neškovic: os filmes franco-polonês A Dupla Vida de Véronique (1991), de Krzysztof Kieslowski, e o francês Lírios d'Água (2007), de Céline Sciamma, e a série britânica Fleabag (2016-19), de Phoebe Waller-Bridge
Tem um filme mais velho, que eu não assisti quando escrevi o roteiro – só assisti depois que filmei o longa – e tem algumas similaridades: A Dupla Vida de Véronique, do Kieslowski. Então, esse também pode ser uma sugestão.
> Mira Janjetovic: a banda de rock norte-americana Mazzy Star e o filme Personal Shopper (2016), do francês Olivier Assayas
Eu gosto de sempre ouvir a diferentes tipo de música quando estou trabalhando em um personagem, então Mazzy Star estava na minha cabeça. E o que realmente gosto neste filme é que não há muitos diálogos e tem muito a ver com as emoções a as coisas que o público tem que se conectar com a história e, de um jeito, algo na atmosfera, para mim, é similar a Personal Shopper.