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  • Foto do escritorNayara Reynaud

CHICUAROTES | Sem saída

Atualizado: 27 de fev. de 2021


Benny Emmanuel e Gabriel Carbajal em cena do filme mexicano Chicuarotes (2019), de Gael García Bernal | Foto: Divulgação (Supo Mungam)

O determinismo geográfico já se estabelece pelo título do filme mexicano Chicuarotes (2019). O nome é o gentílico dado à população de San Gregorio Atlapulco, bairro da capital Cidade do México que ainda sofre com o subdesenvolvimento, e traz na origem da palavra tanto um tipo de uma pimenta quanto o significado de “tolo ou teimoso”. Isso quer dizer muito no segundo longa de Gael García Bernal como diretor, em que ele filma, justamente, personagens com a mesma procedência periférica e ambição do papel que surgiu como ator, lá em Amores Brutos (2000): adolescentes querendo fugir desse ambiente.

O local é um ponto determinante no destino dos amigos Cagalera (Benny Emmanuel) e Moloteco (Gabriel Carbajal), protagonistas da produção exibida no Festival de Cannes e que também vai passar em Toronto. A criminalidade ronda a região, seja com a figura de ordem autoritária do açougueiro, com o bandido Chillamil (Daniel Giménez Cacho) que retorna da prisão ou o golpista e ladrão Planchado (Ricardo Abarca). No entanto, nada é mais tranquilo dentro da casa de Cagalera, onde a mãe (Dolores Heredia) sofre violência doméstica do pai alcoólatra (Enoc Leaño), a irmã (Esmeralda Ortiz) surge machucada da rua e ele mesmo persegue o irmão homossexual (Pedro Joaquín).

Sonhando em sair dessa realidade, na companhia da namorada Sugehili (Leidi Gutiérrez), cabeleireira do salão de beleza local, ele e Moloteco mergulham mais nela, adentrando neste mundo do crime e se envolvendo em problemas maiores enquanto tomam atitudes mais questionáveis. Na ótima sequência de abertura, a dupla que trabalha como palhaço de ônibus retribui a péssima receptividade da plateia, que não dá nenhum trocado, assaltando os passageiros e correndo ao som de uma versão em espanhol de I Fought the Law. O tom tragicômico da introdução não é mais atingido no decorrer do filme, que encontra dificuldades em encontrar qual tratamento dar ao seu conteúdo nada leve.

O problema vem, antes de tudo, do roteiro de Augusto Mendoza, responsável por Sr. Pig (2016), mas também cabe à direção de Bernal. Entre o melodrama e um viés cômico para situações complexas, o longa entra em uma espiral que leva ao sequestro de uma criança, agressões, assassinato, ameaças de linchamento e uma cena de abuso que, da maneira como acontece, é totalmente sem propósito. A steady cam constante nem sempre se encaixa em cenas cuja urgência não é bem expressa pela decupagem do diretor.

Contudo, o mais sensível no filme é a dificuldade em simpatizar com esses protagonistas, apesar da atuação empenhada de Benny Emmanuel e Gabriel Carbajal. Se Moloteco parece um inocente cujo sonho de ser um próximo Cantinflas, o ícone da comédia mexicana, é soterrado pela sua falta de talento, a apatia do rapaz não agrega novos elementos ao personagem. Da mesma forma, por mais que Cagalera tenha ao seu redor vários motivos para querer sair de casa e do bairro, a sua construção como um fruto direto das violências dali não traz nuances capazes de gerar empatia completa, ainda mais quando suas atitudes vão se tornando cada vez mais vis.

Desde o início, Bernal e Mendonza não vislumbram uma saída para a dupla, como deixam claro na analogia dos axolotes de aquário que, segundo Sugehili, não conseguiriam sobreviver fora dali, assim como os amigos e todos ao seu redor não podem escapar daquela situação. O anfíbio típico dos lagos mexicanos é conhecido por permanecer no estado de larva mesmo na fase adulta, tal qual essa população que não tem condições de se desenvolver completamente. Mas a metáfora fica incompleta quando o animal tem uma ampla capacidade de regeneração, enquanto o filme está tão preso no seu retrato da miséria humana, não só econômica, mas essencialmente moral, que não dá aos personagens uma mínima chance disso ou, ao menos, o embate interno entre o bem e o mal, representado simbolicamente nas cores dos bichos que aparecem também durante os créditos finais.

 

Chicuarotes (Chicuarotes, 2019)

Duração: 95 min | Classificação: 16 anos

Direção: Gael García Bernal

Roteiro: Augusto Mendoza

Elenco: Benny Emmanuel, Gabriel Carbajal, Leidi Gutiérrez, Daniel Giménez Cacho, Dolores Heredia, Enoc Leaño, Saúl Mercado, Esmeralda Ortiz, Ricardo Abarca e Luis Enrique Basurto (veja + no IMDb)

Distribuição: Supo Mungam Films


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