top of page
Foto do escritorNayara Reynaud

SIMONAL | A mentira e a verdade que rodeiam por aí

Atualizado: 27 de fev. de 2021


Fabrício Boliveira como Wilson Simonal em cena da cinebiografia Simonal (2018) | Foto: Divulgação (Créditos: Páprica Fotografia)

Logo em uma das primeiras cenas de Simonal (2019), quando o então vocalista do grupo Dry Boys, Wilson Simonal (Fabrício Boliveira), faz um teste na rádio, surgem Leandro Hassum e João Sabiá, respectivamente como o produtor Carlos Imperial e seu pupilo assistente Erasmo Carlos, uma dupla que pode ser vista recentemente, com outros atores em Minha Fama de Mau (2019). Da mesma maneira, o recente lançamento assinado por Leonardo Domingues ainda traz, rapidamente, a figura de Elis Regina, enquanto o filme de Lui Farias apresenta Tim Maia na sua juventude: duas figuras célebres da Música Popular Brasileira que também ganharam suas cinebiografias nos últimos anos. Ao mesmo tempo em que o espectador conhecedor desse subgênero é capaz de estabelecer esses crossovers de um potencial universo cinematográfico musical nacional, também é possível sentir o cansaço dessas seguidas produções que cantam, quase sempre, no mesmo tom.

Primeiro filme solo de Domingues, editor de filmes como Nise: O Coração da Loucura (2015) e codiretor do documentário A Pessoa É Para o Que Nasce (2003), o retrato do Rei da Pilantragem alterna esses momentos e elementos mais genéricos com interessantes notas dissonantes, como a primeira da abertura. Um plano-sequência adia a apresentação de Wilson Simonal, mas o artista já está em seu momento de declínio, em uma tentativa de reavivar sua imagem em 1975, porém, a fama de “traidor” ao ter se envolvido com militares em plena Ditadura é uma mácula que não é apagada pelos próprios colegas de classe. No entanto, logo a narrativa conduz ao início da carreira dele, mostrando primeiro como o cantor chegou ao seu auge e conheceu sua esposa Tereza (Isis Valverde), para depois explicar aos incautos as circunstâncias que levaram a sua queda.

A tal introdução é um dos dois planos-sequências que, junto com a cena final, demonstram os vislumbres de uma direção que deseja sair do comum em uma produção irregular entre seus erros e acertos, mas cujo resultado final soa positivamente regular. Assim, a montagem traz ritmo nos clipes da chegada do casal à casa nova com carro novo que representam o status econômico e social adquirido pelo protagonista, enquanto repete a sequência inicial em demasia quando a trama alcança aquele momento. A caracterização dos personagens é um ponto mais fraco de uma direção de arte bem trabalhada por Yurika Yamasaki e premiada no Festival de Gramado do ano passado, assim como a fotografia de Pablo Baião e a trilha sonora assinada pelos filhos do biografado, Max de Castro e Wilson Simoninha. E a escolha pela dublagem das músicas confere uma artificialidade à interpretação que Boliveira traz com tanta naturalidade fora dos palcos.

A sensação é mais de oportunidades perdidas, o que fica mais claro no roteiro de Victor Atherino e Domingues, que até evita o modo chapa-branca e adentra em questões mais espinhosas do que a média das cinebiografias musicais brasileiras, mas não as aprofunda. Um recorte que privilegiasse o ponto mais crítico da trajetória de Simonal e as consequências que sofreu até o final de sua vida seria mais interessante, embora seja necessário conhecer o deslumbre dele com o sucesso para entender o contexto que o levou a tomar tantas atitudes precipitadas e inconsequentes que lhe custaram muito caro. Seguindo assim o ponto de vista do protagonista, o filme demora para “acordar” no que diz respeito à questão do racismo, porque, “isso é coisa dos Estados Unidos, não existe aqui no Brasil”, como diz o agente do DOPS interpretado por Caco Ciocler que o questiona sobre a música Tributo a Martin Luther King.

Esse contato seria sua maldição quando o artista resolve colocar os militares no meio da sua briga com o contador da sua empresa que estava indo à falência, fazendo então que o racismo velado e os conturbados sentimentos políticos da época se revelassem e o execrassem no seu primeiro erro. De certo modo, Wilson foi mais culpabilizado pelo boato que se seguiu de dedo-duro dos colegas da música que foram exilados do que pelo crime que de fato cometeu, embora o longa não esconda os pecados íntimos de seu biografado, como as traições e agressões à esposa. É por todo este conjunto que Simonal ganha relevância atual, em tempos de fake news, “cancelamentos” e nocividade no debate político, tais como aqueles, em que tudo é levado a ferro e fogo.

 

Simonal (2018)

Duração: 105 min | Classificação: 14 anos

Direção: Leonardo Domingues

Roteiro: Victor Atherino e Leonardo Domingues

Elenco: Fabrício Boliveira, Isis Valverde, Leandro Hassum, Mariana Lima, Silvio Guindane, Caco Ciocler, Bruce Gomlevsky, Fabricio Santiago, Letícia Isnard, João Velho, Dani Ornelas, Rafael Sieg e João Sabiá (veja + no IMDb)

Distribuição: Downtown Filmes / Paris Filmes

0 comentário

Posts Relacionados

Ver tudo
bottom of page