COMPARTILHAR | Condenação reversa
Atualizado: 27 de fev. de 2021
Um simples apertar no botão de compartilhar e uma ou várias vidas podem ser destruídas pelo conteúdo viralizado na internet. Um problema que se tornou cada vez mais comum em tempos de redes sociais é o que aflige a jovem protagonista do filme Compartilhar (2019). Ao mesmo tempo em que o vídeo que a coloca no meio de um turbilhão é a prova de que nem tudo está bem, seja com ela ou no seu ambiente escolar e, de modo geral, na sociedade.
A cineasta Pippa Bianco colocou o drama da era 2.0 em foco, logo, no seu curta-metragem de estreia Share (2015), premiado no South by Southwest (SXSW) e no Cinéfondation em Cannes, estrelado pela Taissa Farmiga e transformado neste seu primeiro longa, que também já fez sua carreira pelos festivais internacionais. Além da exibição especial no prestigiado evento francês, o título foi lançado em Sundance, garantindo à atriz Rhianne Barreto, que agora vive a personagem principal, o Prêmio Especial do Júri por sua interpretação e à realizadora, o troféu Waldo Salt de Roteiro – e ainda o Diretores para se Observar no Festival de Palm Springs. A boa impressão deixada pela produção da A24 acabou levando-a a ser comprada pela HBO, que estreia no Brasil nesta segunda (5), às 22h, uma semana depois do lançamento nos Estados Unidos.
A primeira imagem que o público verá, com Mandy (Barreto) acordando no gramado de casa no meio da madrugada, é apenas um dos muitos fragmentos que a cineasta escolhe para contar esta história. Sem saber direito o que aconteceu na noite anterior, quando bebeu muito na festa com seus amigos de colégio, as marcas no corpo a intrigam, mas somente quando um vídeo se espalha nos grupos de mensagem dos alunos ela é, então, confrontada com esse ponto em branco em sua memória. Na filmagem em questão, seu ficante A.J. (Nicholas Galitzine) se aproveita do fato dela estar desacordada para a bulinar, mas não há mais detalhes do que aconteceu depois. A protagonista e o espectador passam o filme tentando descobrir os responsáveis e de que maneira ocorreu esse ataque sexual a ela, embora tanto o álcool quanto o trauma impedem isso.
Na extrema contenção da direção de Bianco – a trilha sonora pesando a mão no tom de thriller é a exceção ao resto –, essa confusão mental é traduzida esteticamente na opção pelos closes como fragmentos da memória ou no uso das luzes desfocadas em certos momentos. O mesmo controle e minimalismo vem no desenvolvimento de Mandy no roteiro e na atuação da britânica Rhianne Barreto, da série Hanna (2019), a exemplo da volta ao local do crime ou um mero jogo de videogame servir de escape para a garota extravasar seus sentimentos. Trata-se de uma escolha artística que faz o filme se concentrar nos efeitos e não nos momentos de ataque à protagonista, mas não o torna evasivo como o drama nacional Ferrugem (2018), de Aly Muritiba, que toma a decisão de acompanhar um dos garotos e menos a vítima de um caso de compartilhamento do vídeo íntimo, sem confrontá-lo diretamente.
Apesar de não trazer grandes momentos de confronto, Compartilhar oferece indícios deles no seu olhar centrado na garota, mais prejudicada do que os próprios suspeitos de abusá-la, como, por exemplo, nas decisões da diretoria da escola. A diretora não expõe claramente a fatídica filmagem ou as posteriores agressões virtuais nas redes sociais, porém, a simples menção da repetição do vídeo para a adolescente em diversos depoimentos ou as constantes notificações que recebe em seu celular são um martírio constante para ela. Seu roteiro evita até as cenas clichês de humilhações públicas e bullying: a amiga Jenna (Lovie Simone), o interessado colega Dylan (Charlie Plummer) e suas companheiras do time de basquete parecem até se preocupar com a estudante, oferecendo ajuda, mas a partir do momento que o caso se torna cada vez mais público, a agonia de Mandy se dá na observação de que todos querem e, de fato, continuam sua vida como se nada tivesse acontecido, enquanto ela tem a sua revirada de cabeça para baixo, arcando com um sofrimento maior do que já foi submetida a princípio.
Afinal, “é só uma brincadeira” e “meu filho, é um bom menino”, enquanto a culpa recai na própria vítima – neste sentido, há a simbologia das formigas invasoras, ao qual Mickey (J.C. MacKenzie), pai dela, acusa a esposa Kerri (Poorna Jagannathan, ótima no papel) por deixar entrar na casa. O título que faz menção ao ato digital corriqueiro que desencadeou o drama da jovem, mas a dificuldade dela e de tantas outras(os) na mesma situação em compartilhar o abuso sofrido, o que leva a uma resolução frustrante desta história, mas que ao menos é delineada antes por Bianca. Se o fim do seu début desencanta, o melhor é ficar com as preciosidades no meio de Compartilhar, como a significativa cena em que a jovem pergunta se seus pais a consideram culpada e a mãe diz que o marido “nunca teve que se preocupar com isso”, deixando nas entrelinhas como os homens desconhecem aquilo a qual as mulheres estão sujeitas diariamente.
Compartilhar (Share, 2019)
Duração: 115 min | Classificação: 14 anos
Direção: Pippa Bianco
Roteiro: Pippa Bianco
Elenco: Rhianne Barreto, Charlie Plummer, Poorna Jagannathan, J.C. MacKenzie, Nicholas Galitzine, Lovie Simone e Danny Mastrogiorgio (veja + no IMDb)
Canal: HBO | Exibição: Segunda, 05/08, às 22h
Horário alternativo: Quarta, 07/08, às 14h30 na HBO | Domingo, 11/08, às 2h35 na HBO | Quinta, 22/08, às 10h45 | Terça, 27/08, às 8h50 (veja outras opções no site), além de estar disponível na HBO On Demand e HBO GO