Nayara Reynaud
CÉZANNE E EU | Pinceladas inexpressivas
Atualizado: 27 de fev. de 2021
As comédias, especialmente, as românticas são uma constante na filmografia de Danièle Thompson, a exemplo de seu trabalho indicado ao Oscar como roteirista em Primo, Prima (1975) ou sua direção em Fuso Horário do Amor (2002). O recente Cézanne e Eu (2016) seria um ponto fora da curva por se tratar de um drama biográfico sobre a amizade do pintor Paul Cézanne (Guillaume Gallienne) e do escritor Emile Zola (Guillaume Canet). Mas a cineasta francesa não abandona totalmente o gênero que tanto conhece, estruturando o filme quase como um “bromance” entre os dois artistas, com uma narrativa que intercala o provável último encontro deles, já mais velhos em 1888, com as lembranças das idas e vindas desse quase meio século de relação conturbada da dupla, que se conheceu ainda na escola, lá pelos anos 1850, em Aix-en-Provence.
Cresceram juntos na cidade provençal, compartilhando seus interesses e descobertas artísticas e sexuais, mas desde o início não estavam em pé de igualdade nesse relacionamento: Paulo era de uma família abastada local, enquanto Emile era filho de um imigrante italiano e criado pela mãe solteira. Se a diferença de classes sociais não importava aos jovens que partem rumo a Paris em busca de seus sonhos de carreira, passa a pesar quando ocorre uma inversão, a partir do momento em que Zola se torna bem sucedido no campo artístico, como o precursor do naturalismo literário, e passa a gozar de uma vida burguesa que contrastava com seus romances sobre o cotidiano dos trabalhadores, enquanto o pintor que se afastou do pai rico não encontra reconhecimento e mal consegue se sustentar – servindo até de inspiração para o amigo criar o protagonista de A Obra / L'œuvre (1886), livro que teria desagradado o artista plástico e colocado fim na amizade deles. Uma dinâmica que, por sinal, se alternaria de novo, postumamente, com as obras de Cézanne passando a ser expostas e o seu nome sendo bem mais lembrado até hoje, como um expoente do pós-impressionismo e influenciador do cubismo, do que o colega escritor cuja importância ficou restrita naquele contexto histórico.
No entanto, além das questões financeiras e artísticas, entraves amorosos também complicam a relação dos dois, quando a antes namorada do artista plástico, então chamada Gabrielle, se torna a senhora Alexandrine Zola (Alice Pol) ao se casar com o amigo. Neste retrato da época, aliás, Thompson acaba sucumbindo ao sexismo daquele período e da biografia dessas figuras. Se a diretora e roteirista questiona aquela visão machista no desabafo de Hortense Cézanne (Déborah François), com a esposa reclamando ao marido pelo fato de ser vista apenas como modelo vivo para suas pinturas e não como uma mulher de carne e osso, ela acaba reforçando essa visão superficial das musas, devido ao pouco desenvolvimento das personagens femininas – o que dizer do arco da empregada Jeanne (Freya Mavor)? – e ao uso da nudez exclusivo para elas, mesmo tendo oportunidade de explorar igualmente o nu masculino em determinada cena.
A evocação à beleza estética vigente então não se restringe ao corpo feminino, mas também na paisagem. A fotografia de Jean-Marie Dreujou bebe da influência impressionista e pós-impressionista para destacar as cores da Provença, desde a célebre Montanha de Santa Vitória da série de quadros do artista ao céu azul, à terra ocre da região e à natureza que a cerca. É para lá que Cézanne volta, se refugiando do fracasso momentâneo, mas se reconectando com seu vigor autoral que ficaria tão marcado para a posteridade.
Contudo, apesar do prazer de apresentar ao público a convivência entre tantos ícones da literatura e das artes plásticas da época, como Guy de Maupassant, Camille Pissarro, Auguste Renoir e Edouard Manet, Cézanne e Eu é um retrato convencional de dois expoentes dessa cena francesa efervescente do século XIX, que desafiava o status quo da Academia e da sociedade. Preso à representação comum de “artistas geniais com gênios difíceis de lidar”, o filme não consegue estabelecer seus protagonistas através de suas personalidades, repletas de orgulho ferido e ego insaciável o suficiente para irritarem parte da plateia, ou de suas obras, que mal são inseridas na narrativa. Nem os zooms da direção de Danièle são capazes de mostrar mais detalhes nessa pincelada fílmica sem expressão.
Cézanne e Eu (Cézanne et Moi, 2016)
Duração: 117 min | Classificação: 14 anos
Direção: Danièle Thompson
Roteiro: Danièle Thompson
Elenco: Guillaume Canet, Guillaume Gallienne, Alice Pol, Déborah François, Pierre Yvon, Sabine Azéma, Gérard Meylan, Isabelle Candelier, Freya Mavor e Laurent Stocker (veja + no IMDb)
Distribuição: Bretz Filmes / Media Bridge
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