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Foto do escritorNayara Reynaud

MADEMOISELLE PARADIS | Ver é muito além de enxergar

Atualizado: 26 de fev. de 2021


Maria Dragus em cena do filme austro-alemão Mademoiselle Paradis (2017) | Foto: Divulgação (A2 Filmes)

Resgatando uma história real da sociedade vienense de 1777, no auge do Império Austríaco dos Habsburgos e da produção cultural local, com Mozart, por exemplo, a cineasta e atriz Barbara Albert traça paralelos pertinentes à contemporaneidade ao levar uma passagem da vida da pianista Maria Theresia von Paradis (Maria Dragus). Baseado no romance histórico Am Anfang war die Nacht Musik / Mesmerized (2010), de Alissa Walser, a produção austro-alemã Mademoiselle Paradis (2017) também se apega ao caso controverso de sua biografia e do médico Franz Anton Mesmer (Devid Striesow), quando ela, ainda jovem, passou por um tratamento experimental dele e teria recobrado sua visão. Resi, como era conhecida pela família e amigos, ficou cega aos três anos, mas desenvolveu um grande talento musical no piano, órgão e afins, pelo qual já era reconhecida naquela época – e se tornaria ainda mais célebre depois, como compositora, além de instrumentista.

Tendo passado por diversos procedimentos médicos que não deram certo ou pioraram ainda mais a sua condição, Paradis é levada pelos pais (vividos por Lukas Miko e Katja Kolm) para a mansão-clínica de Mesmer. Lá, ela é submetida por um contínuo tratamento baseado no método experimental e não-comprovado do médico, chamado magnetismo animal, no qual conseguiria a cura das enfermidades de seus pacientes através dessa força invisível que existiria em todos os seres vivos. Só que mais do que enxergar, trata-se da oportunidade da jovem de 18 anos conhecer um mundo além dos salões da aristocracia.

Com um bom elenco, é a interpretação de Maria Dragus, mais conhecida por A Fita Branca (2009), que se sobressai na delicadeza e afinco com que faz essa jovem passando a enxergar também seus desejos e dilemas pessoais. Aliás, se a direção de Barbara Albert e o roteiro de Kathrin Resetarits, do qual a cineasta austríaca de Nordrand (1999) e Os Mortos e os Vivos (2012) colabora, são convencionais sob os pontos de vista estético e narrativo, seus trabalhos ganham corpo na maneira com que se utilizaram da cegueira para desenvolver diversos temas diretamente ou no subtexto.

A possível volta da visão pode estar prejudicando a habilidade musical da protagonista, que se vê entre a cruz e a espada quando a situação parece lhe obrigar a escolher com qual aptidão preferirá seguir pelo resto da vida. A dualidade dos sentidos também é levada para outras questões, como a avaliação do magnetismo de Mesmer: se são vistos até com bons olhos pelo filme, que evita coloca-lo como questioná-lo, o mesmo não ocorre pelos cientistas e os nobres da época, já que aquilo que não é visível ou ao menos medido, não pode ter sua existência comprovada. A própria fofoca que corre sobre ele e sua paciente pelos salões também é resultado daquilo que se imagina além do que se vê. No entanto, a metáfora é usada com maior êxito quando a obra demonstra que as pessoas videntes são incapazes de olhar para o papel restrito da mulher ou os marginalizados naquela – só que não somente nela – sociedade.

A deficiência visual tornava Paradis, igualmente, motivo de pilhéria e admiração pelo seu virtuosismo musical, mas quando a visão arrisca aquilo que a tornava excepcional aos olhos da nobre corte da tão citada Imperatriz, a pianista sente medo de não ser mais “alguém”. Albert desenvolve muito bem esse anseio comum e até mais destacado em outros personagens de ser aceito ou ascender socialmente. O próprio doutor Mesmer deseja fervorosamente por uma aprovação da Academia, para ser aceito entre seus colegas já prestigiados, enquanto um vestido de Resi é invejado por sua camareira. Aliás, quando a diretora passa a seguir, seja com a câmera ou acompanhando seu ponto de vista, a também jovem Agnes (Maresi Riegner), introduz o público aos esquecidos criados daquela casa, que, em certo ponto do filme, se tornam até mais interessantes que a trama principal – mas, tal e qual era naquela época, a menina também é usada e, de certo modo, abandonada narrativamente.

 

Mademoiselle Paradis (Mademoiselle Paradis / Litch, 2017)

Duração: 97 min | Classificação: 14 anos

Direção: Barbara Albert

Roteiro: Kathrin Resetarits, com colaboração de Barbara Albert, e baseado no livro “Am Anfang war die Nacht Musik” de Alissa Walser

Elenco: Maria Dragus, Devid Striesow, Lukas Miko, Katja Kolm, Maresi Riegner, Johanna Orsini-Rosenberg, Stefanie Reinsperger, Christoph Luser, Susanne Wuest e Theresa Martini (veja + no IMDb)

Distribuição: A2 Filmes

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