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Foto do escritorNayara Reynaud

A MULA | O velho caubói

Atualizado: 25 de fev. de 2021


Clint Eastwood em cena do filme A Mula (2018) | Foto: Divulgado

A ideia de que A Mula (2018) é o filme-testamento de Clint Eastwood permeia toda a produção. Ela não vem, necessariamente, do choque inicial de ver a imagem envelhecida do astro na tela, mas do conceito de síntese de sua obra, seja na abordagem de temas recorrentes como a família ou por estar ao lado de sua filha Alison Eastwood e de diversos atores com quem já trabalhou – como Bradley Cooper em Sniper Americano (2014) e Michael Peña em Menina de Ouro (2004) –, assim como o protagonista coloca sua própria vida em balanço. No entanto, se tal termo já era usado dez anos atrás, no último trabalho do artista como diretor e ator até então, Gran Torino (2008), ele surpreendeu a todos pelo vigor de, aos 88 anos, realizar a dobradinha novamente neste longa, mostrando que não dá para duvidar da vitalidade cinematográfica de Eastwood.

Desta vez, o cineasta conta novamente com um roteiro de Nick Schenk, que escreveu justamente Gran Torino, além de dois episódios da série Narcos (2015-17). Uma experiência em lidar com o choque de culturas, no primeiro caso, e com a questão do narcotráfico, no segundo, que contaria para contar a história inspirada no artigo do jornalista Sam Dolnick, do New York Times, sobre o senhor de 90 anos, Leo Sharp, vulgo “El Tata”, preso por ser uma “mula” de um cartel mexicano, transportando drogas para os Estados Unidos. Muda-se o nome do protagonista para Earl Stone, o veterano da II Guerra Mundial se transforma em um ex-combatente da Guerra da Coreia e se reduz o tempo dele de trabalho para os traficantes que, originalmente, foi de quase uma década, mas o intuito aqui é entender como um fazendeiro produtor de lírios tomou tal caminho.

Assim, o filme apresenta, no seu prólogo, Earl como um bom cultivador de suas flores e faceiro negociante ainda em 2005, quando o a internet ainda estava engatinhando no seu ramo, mas anos depois o levaria à crise e total derrocada financeira. Com uma vida toda dedicada ao trabalho, o Stone relegou sua família durante todo esse tempo, mas é justamente no intento de manter a admiração que a neta (Taissa Farmiga) sente por ele e na tentativa tardia de se reconciliar com a filha (Alison Eastwood) e a ex-esposa (Dianne Wiest), que surge a oportunidade de voltar para a estrada e simplesmente fazer uma entrega. O longa, então, acompanha como o veterano se torna cada vez mais importante para a organização criminosa, enquanto observa em paralelo a chegada do detetive Colin Bates (Bradley Cooper) no departamento antinarcóticos e a investigação deles para descobrir quem é o tal Tata.

Nesta batida, diretor e roteirista até conseguem desenvolver bem a narrativa desse filme policial mais preocupado com sua parte dramática do que necessariamente com a ação, mas a produção se ressente por certas escolhas e um humor questionáveis. Decerto, existe a necessidade de representar de maneira fidedigna um personagem um tanto anacrônico, mas não é só a maneira como a obra, uma hora, brinca com a visão antiquada deste homem em relação a questões raciais e de gênero e, na outra, problematiza o estereótipo dos latinos em solo norte-americano no personagem filipino confundido com os mexicanos ou na blitz policial, sempre em tom cômico, que soam estranhas. Até uma piada final da filha para o pai vem no momento mais dramático da trama e resume bem a forma peculiar com que a dupla trata de tantos temas importantes no qual a história aborda.

É como se A Mula e o próprio Clint não quisessem se levar tão a sério, fazendo com que o longa demore a questionar as atitudes de seu protagonista, tratando, de forma geral, como o herói que Eastwood sempre foi nas telas. Quando começam a tomar esse caminho, permanecem na superfície no que concernem as problemáticas morais, sociais e políticas em que tocam no decorrer da trama, para se aprofundarem na questão familiar. Na moral comum de seus filmes, são os laços familiares afrouxados por Earl que lhe vêm cobrar a conta, enquanto o seu intérprete e criador também se reconcilia com os seus e si mesmo em forma de cinema.

 

A Mula (The Mule, 2018)

Duração: 116 min | Classificação: 16 anos

Direção: Clint Eastwood

Roteiro: Nick Schenk, inspirado no artigo do New York Times “The Sinaloa Cartel's 90-Year Old Drug Mule” de Sam Dolnick

Elenco: Clint Eastwood, Bradley Cooper, Manny Montana, Taissa Farmiga, Michael Peña, Andy Garcia, Laurence Fishburne, Alison Eastwood, Dianne Wiest e Clifton Collins Jr. (veja + no IMDb)

Distribuição: Warner Bros. Pictures

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