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  • Foto do escritorNayara Reynaud

GREEN BOOK – O GUIA | Um guia introdutório

Atualizado: 24 de fev. de 2021


Mahershala Ali e Viggo Mortensen em cena do filme Green Book – O Guia (2018) | Foto: Divulgação (Diamond Films)

De 1933 a 1966, foi publicado nos Estados Unidos o Green Book, um guia de viagem criado pelo carteiro Victor Hugo Green para orientar motoristas negros sobre os locais de hospedagem, alimentação e lazer “amigáveis” em um país onde, especialmente no Sul com suas leis de segregação, o racismo era institucionalizado. Mais de 50 anos depois da luta pelos direitos civis e do fim da publicação, porém, um guia inconsciente ainda acompanha os negros de lá – e por que não dizer daqui também? – para saber os locais onde serão recebidos respeitosamente ou serão alvos de olhares preconceituosos. O cenário norte-americano atual pedia a lembrança destes tempos não tão distantes que, de modo um tanto improvável, é trazida por Green Book – O Guia (2018).

Isso porque o road movie inspirado na amizade real entre o erudito Dr. Don Shirley (Mahershala Ali), reconhecido pianista de jazz afro-americano, e o brucutu Tony “Bocudo” Vallelonga (Viggo Mortensen), um ítalo-americano que trabalhou como motorista do artista, é o veículo para o filme mais sério da carreira de Peter Farrelly, responsável, junto com o irmão Bobby, por comédias escrachadas como Debi & Loide – Dois Idiotas em Apuros (1994) e Quem Vai Ficar com Mary? (1998). Não quer dizer que Green Book seja um drama, mas tomando a estrada da comédia dramática, o longa é diferente de tudo o que o cineasta produziu até então, já que a primeira preocupação é com os personagens em vez da piada.

Assim, o roteiro escrito pelo filho de Tony, Nick Vallelonga, ao lado de Brian Hayes Currie e do diretor, apresenta como o seu pai, um morador do Bronx que trabalhava no Copacabana, famoso clube noturno nova-iorquino entre a década de 1940 e 1960, e com o fechamento do Copa para reforma, engole seu preconceito para sustentar a família e aceita ser o motorista de Don em sua turnê pelo sul dos Estados Unidos em 1962, no auge da luta pelos direitos civis em um local onde a segregação para “pessoas de cor” era estampada em placas.

Apesar de Tony ser o protagonista e ter o maior arco de desenvolvimento no seu processo de transformação, ou melhor, desconstrução, são as dicotomias na identidade do “Doc” que intrigam mais. Shirley é um negro que não se sente parte dos seus, por ter tido uma educação diferente e produzir uma música distante do soul de Aretha Franklin e do rock de Little Richard e Chubby Checker que a comunidade afro-americana produzia e consumia na época, mas, fora do piano, também era tachado por sua cor pelos mesmos brancos que o ouviam e assistiam tocar, além de ter de optar pelo jazz popular, já que a música clássica que tanto queria fazer não lhe era permitida. Por isso, trata-se de um filme que se sustenta e se destaca pela atuação de seus atores principais, na impressionante encarnação de um filho de dinamarquês como Viggo Mortensen de um tipo italiano com toda a sua expansividade e nas nuances que Mahershala Ali aos poucos revela em seu personagem e da qual vem sendo novamente premiado e indicado ao Oscar como Melhor Ator Coadjuvante nesta temporada – além de Linda Cardellini, que na pele da esposa de Vallelonga tem um papel de tons mais dramáticos que raramente encontra no cinema, mesmo depois de demonstrar isso como a enfermeira Samantha em E.R. – Plantão Médico (1994-2009).

Certamente, há um equilíbrio louvável entre humor e emoção que balanceiam uma narrativa que não perde o ritmo, apesar das mais de duas horas de duração, mas a direção de Farelly é convencional; o que, comparado à sua filmografia, é ótimo, mas dentro dos holofotes do Oscar acabou colocando a produção no centro de polêmicas sobre a abordagem do racismo dentro da trama, sendo acusado de pasteurizar a discussão para o entretenimento da plateia, assim como os recentes Histórias Cruzadas (2011) e Estrelas Além do Tempo (2016), também dirigidos por cineastas brancos. Sobre esse debate, é notável como o olhar predominante branco de Hollywood prioriza estas histórias baseadas em casos individuais enquanto os realizadores negros usam sua própria vivência para partir de casos isolados e falar sobre todo um sistema racista, a exemplo do longa pelo qual Ali ganhou o seu primeiro Oscar, o excelente Moonlight: Sob a Luz do Luar (2016). No entanto, em tempos tão polarizados quanto os de hoje, que demonstram um racismo e outras segregações sociais longes do fim, atacar esses filmes que, bem ou mal, fazem a ponte através da empatia não seja a melhor saída e, sim, aproveitar essa via aberta para trazer o público para obras que discutam o tema de forma mais aprofundada, como Se a Rua Beale Falasse (2018) e Infiltrado na Klan (2018) fazem nesta temporada de premiações.

 

Green Book – O Guia (Green Book, 2018)

Duração: 130 min | Classificação: 12 anos

Direção: Peter Farrelly

Roteiro: Nick Vallelonga, Brian Hayes Currie e Peter Farrelly

Elenco: Viggo Mortensen, Mahershala Ali, Linda Cardellini, Sebastian Maniscalco, Dimiter D. Marinov, Mike Hatton, P.J. Byrne e Joe Cortese (veja + no IMDb)

Distribuição: Diamond Films

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