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  • Foto do escritorNayara Reynaud

VIDRO | A fragilidade dos heróis e de sua mitificação

Atualizado: 24 de fev. de 2021


Samuel L. Jackson, James McAvoy e Bruce Willis em cena do filme Vidro (Glass, 2018), de M. Night Shyamalan | Foto: Divulgação (Créditos: Jessica Kourkounis / © Universal Pictures)

Quando M. Night Shyamalan fez sua homenagem às histórias em quadrinhos dentro do “mundo real” com Corpo Fechado (2000), seu longa pode não ter alcançado tanto sucesso quanto o anterior, o terror O Sexto Sentido (1999), mas foi alçado pelos fãs do cineasta e da Nona Arte à categoria de cult. Se na década de 90, o espaço que Hollywood dava às HQ’s se restringia aos filmes do Batman, foi justamente naquele início do novo milênio que X-Men: O Filme (2000) abria às portas para essa onda de filmes de super-heróis que domina os blockbusters atuais. Depois de deixar claro apenas no final do thriller Fragmentado (2016) que este seria a segunda parte de uma trilogia, o realizador encerra este ciclo com Vidro (2019), como se fechasse para balanço o gênero que, depois de 19 anos, está simultaneamente em um momento de auge e fadiga, além de toda essa cultura e fascínio do que seriam os semideuses do tempo contemporâneo.

A mitologia dos personagens principais já foi apresentada antes. No primeiro capítulo, David Dunn (Bruce Willis) se descobre como Vigilante, graças à ajuda de Elijah Price (Samuel L. Jackson), ou simplesmente seu antagonista Sr. Vidro. No segundo, o público conhece, através da multifacetada interpretação de James McAvoy, Kevin Wendell Crumb e algumas de suas 23 personalidades que aguardam a vinda da poderosa 24ª, a Fera, enquanto sequestra um trio de garotas. Além de o ator britânico poder mostrar mais integrantes da Horda que habita no homem que, aos olhos da ciência, tem transtorno dissociativo de identidade, o ato final da trilogia se presta mais aos pontos fracos do que aos poderes dos três, quando são reunidos pela Dr. Ellie Staple (Sarah Paulson) em um hospital psiquiátrico.

Boa parte da trama se dedica à cientista trazendo, a eles e à plateia, o questionamento se as suas manifestações de talentos incríveis e dons sobrenaturais são reais ou somente frutos de uma ilusão de suas mentes, buscando uma grandeza através da narrativa heroica para suprir seus vazios internos. É a exposição direta de um tema que sempre permeou a filmografia de Shyamalan: a fé no extraordinário, em si, no próximo e no mundo. “Vivemos em tempos medíocres, Sra. Dunn. As pessoas estão perdendo a esperança. É difícil crer em coisas extraordinárias dentro delas mesmas e dos outros. Espero que mantenha a mente aberta”, ele falava em Corpo Fechado, através da fala de Elijah, e, agora em Vidro, foca no esforço de alguns para que as mentes humanas continuem fechadas.

Talvez, esse método que traz a diluição da força alheia converse tão bem com a realidade brasileira atual que explique o fato da recepção positiva da crítica brasileira ao lançamento, diferente das notas negativas e severas considerações dos colegas norte-americanos. No entanto, se a imprensa internacional, em lugares como a França, também recebeu bem o longa, a questão esteja mais nos Estados Unidos e sua cultura do heroísmo, da qual Hollywood sempre bebeu a seu modo. Os caubóis dos faroestes, os heróis de guerra, os astros de ação cederam o seu espaço no Olimpo da maior indústria cinematográfica do mundo para os super-heróis vindos das páginas dos quadrinhos.

As encenações de seus embates se tornaram cada vez maiores – enquanto outras brigas bobas são travadas entre fãs –, respaldando-se no ficcional para criar destruições cada vez maiores de cidades e mundos, muitas vezes sem consequências ou o real perigo para esses semideuses, pois, mesmo quando a mortalidade parece os atingir, nunca se sabe se o próximo capítulo não irá trazê-los de volta, de alguma maneira. Algumas tentativas recentes, como as ironias de Deadpool (2016 e 2018) e da animação Os Jovens Titãs em Ação! Nos Cinemas (2018) ou o drama de Logan (2017), buscaram desconstruir os paradigmas desse gênero que surgiu com inúmeras adaptações dos personagens das HQ’s, mas Vidro é drástico ao se colocar como uma antítese a ele, especialmente quanto à espetacularização. Diminuindo o ritmo, dedicando-se à psique dos protagonistas e criando um clímax mais íntimo, a obra frustra a expectativa de quem está acostumado ao Coliseu pós-moderno que se transformaram esses filmes.

Não que sejam inexistentes os deslizes do cineasta, com sua predileção quase obsessiva por plot twists e que, na ânsia de se fazer entender, não tem fé justamente no espectador, reiterando diversas vezes no texto, na câmera e na montagem aquilo que já estava subentendido ou mostrado anteriormente. Contudo, isso não atrapalha o mérito do diretor que, por exemplo, usa o estilo Go Pro para driblar limitações orçamentárias ao fazer uma cena de luta sem tantos efeitos especiais e mais veracidade dentro da fantasia proposta e, igualmente, focar no indivíduo que carrega aqueles poderes.

Por isso, Shyamalan não faz um filme sobre super-heróis, e sim (sobre)humanos: são pessoas que conseguiram expandir capacidades humanas ao máximo e, dentro de uma realidade mais próxima ao público, possuem seus dilemas. Quem mantém a fé em cada um deles é o filho de David, Joseph (Spencer Treat Clark, que retorna ao mesmo papel que fez na infância, algo raríssimo em continuações lançadas anos depois, vide o desprezo de Independence Day: O Ressurgimento, de 2016, à Mae Whitman); a mãe de Elijah (Charlayne Woodard); e a vítima que sente compaixão pelo algoz Kevin, Casey (Anya Taylor-Joy). São os três – pelo que parece, este é um número bem importante ao cineasta – e a própria obra os únicos a os enxergarem em sua humanidade e não pelo seu poder de batalha.

 

Vidro (Glass, 2019)

Duração: 129 min | Classificação: 14 anos

Direção: M. Night Shyamalan

Roteiro: M. Night Shyamalan

Elenco: James McAvoy, Bruce Willis, Samuel L. Jackson, Sarah Paulson, Anya Taylor-Joy, Spencer Treat Clark, Charlayne Woodard e Luke Kirby (veja + no IMDb)

Distribuição: Disney

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