Nayara Reynaud
A PÉ ELE NÃO VAI LONGE | Girando em círculos
Atualizado: 20 de fev. de 2021
Um alcoólatra que, por conta de um acidente, fica tetraplégico e, depois de muito penar por sua nova condição e para largar o álcool, descobre seu talento para o desenho, se tornando um cartunista pra lá de polêmico. Levar para as telas a história de John Callahan, inspirada pela própria autobiografia do artista, Don't Worry, He Won't Get Far on Foot (1989), é um desafio enorme que Gus Van Sant aceita em A Pé Ele Não Vai Longe (2018) para fugir do sentimentalismo e da autopiedade que os temas que a sua vida suscita. Usando o próprio sarcasmo e humor negro da obra de seu cinebiografado, o cineasta evita essas armadilhas, mas o filme estampa um esforço semelhante ao do protagonista tentando não cair em seu vício – no caso, o narrativo, do qual não consegue se livrar totalmente e tropeça neste caminho.
Desenvolvido durante anos pelo diretor e Callahan, ambos de Portland, no Oregon, até a morte do cartunista, em 2010, o projeto deste longa-metragem tinha Robin Williams envolvido e interessado em estrela-lo. Com o falecimento do ator em 2014, quem assume a persona o artista é o sempre dedicado aos seus personagens, Joaquin Phoenix, que acaba sendo o destaque da produção, junto com um Jonah Hill como Donnie, o líder quase guru de um grupo dos Alcoólicos Anônimos. As reuniões deles, aliás, dominam uma narrativa não-cronológica, que no vaivém ininterrupto entre as bebedeiras de John aos 20 anos que resultaram no seu acidente e suas palestras quando já famoso, do seu novo dia-a-dia com a tetraplegia à repetição da piada sobre sua origem órfão que revela o rancor guardado pelo abandono de sua mãe, tem como único prumo os célebres 12 passos do AA.
Nesta discotecagem audiovisual, o filme congrega, tal qual a própria carreira de Gus Van Sant, o cinema indie norte-americano e a produção mais formatada dos estúdios. Assim, a câmera em um estilo documental, simulando o estilo “mosca na parede” com seus zooms, e as animações de suas charges que são quase um clichê da cena independente se misturam a convenções do mainstream, a exemplo da atenção secundária que dá a esta mesma arte de Callahan, relegada mais ao último ato e vista com certa rapidez como se quisesse evitar entrar nas polêmicas dos desenhos de seu biografado. Mais questionável, porém, é a falta de desenvolvimento de Annu, a enfermeira sueca que se torna companheira de John, vivida por Rooney Mara, frente a personagens mais dimensionais como Donnie ou até mais intrigantes em sua pequena participação, como os companheiros de grupo interpretados pela cantora Beth Ditto, ex-vocalista do The Gossip; a baixista do Sonic Youth, Kim Gordon; o comediante Ronnie Adrian; o também diretor Mark Webber; e o alemão Udo Kier.
Nesse caminho errático que A Pé Ele Não Vai Longe toma, às vezes propositadamente, outras não, algo se perde enquanto a trama gira em círculos, mas, mesmo não sendo um trabalho não tão inspirado dentro da filmografia do cineasta, há algo que instiga o público a ver até onde ele vai.
A Pé Ele Não Vai Longe (Don't Worry, He Won't Get Far on Foot, 2018)
Duração: 114 min | Classificação: 14 anos
Direção: Gus Van Sant
Roteiro: Gus Van Sant, com argumento de John Callahan, Gus Van Sant, Jack Gibson e William Andrew Eatman, baseado no livro “Don't Worry, He Won't Get Far on Foot” de John Callahan
Elenco: Joaquin Phoenix, Jonah Hill, Rooney Mara, Jack Black, Tony Greenhand, Beth Ditto, Mark Webber, Ronnie Adrian, Kim Gordon, Udo Kier e Carrie Brownstein (veja + no IMDb)
Distribuição: Diamond Films
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