top of page
  • Foto do escritorNayara Reynaud

MOSTRA SP 2018 | Repescagem do NERVOS

Atualizado: 17 de fev. de 2021


Mostra SP 2018 - Repescagem do NERVOS: A Costureira de Sonhos | Por que Somos Criativos? | Fotos: Divulgação (Mostra Internacional de Cinema em São Paulo)

Com o fim da Repescagem nesta quarta (7) dando fim, de fato, à 42ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo, chegou à hora de lembrar mais alguns títulos – retardatários apenas na hora de assistir para colocar nos destaques diários – que não poderiam ficar de fora da nossa cobertura e entram na Repescagem do NERVOS: o primeiro longa de ficção da indiana Rohena Gera, A Costureira de Sonhos, e o documentário alemão Por que Somos Criativos?

 

(Sir, 2018)

Vivek Gomber e Tillotama Shome no filme indiano A Costureira de Sonhos (Sir, 2018) | Foto: Divulgação (Mostra Internacional de Cinema em São Paulo)

No meio de obras, geralmente, muito densas dentro de um festival, o filme indiano A Costureira de Sonhos (2018) é aquele sopro de delicadeza que, às vezes, você precisa no meio de uma Mostra. E isso não quer dizer que a produção não aborde questões tão sérias quanto outros da seleção, mas a forma como o faz abraçando as esferas do cinema independente e/ou de arte com o comercial é o que explica estar entre os títulos mais votados pelo público desta edição, além de ter levado um prêmio de distribuição na Semana da Crítica, no último Festival de Cannes. A diretora indiana Rohena Gera fez faculdade nos Estados Unidos e voltou justamente como roteirista de filmes independentes no país conhecido por Bollywood e, em seu primeiro longa de ficção, une harmonicamente essas suas esferas de influência.

A tal costureira do título é Ratna (Tillotama Shome), que ficou viúva aos 19 anos, apenas dois meses depois de casar, pois a família do noivo escondeu a situação dela, e isso significa que a vida da jovem “acabou” segundo os costumes da vila onde nasceu e cresceu. Mesmo assim, ela conseguiu sair de lá e ir para Mumbai, trabalhando como empregada na cidade grande para pagar os estudos da irmã, um desejo que ela tinha para si mesma e que ainda conserva, tentando aprender costura para realizar o seu sonho de ser estilista. Essa garra e esperança silenciosa dela desperta a atenção de seu “senhor”, o jovem Ashwin (Vivek Gomber), que há tempos teve de abdicar de seus projetos para assumir os de sua família abastada.

O cenário para um conto de fadas entre patrão e empregada está pronto, mas Gera nunca esquece o realismo da situação, com convenções sociais muito rígidas se interpondo entre os dois. As complicações de uma relação patronal que se torna íntima e as diferenças de classe social, que existiria em qualquer lugar, são agravadas em uma sociedade de castas como a indiana – embora isso nunca seja citado diretamente no texto. A cineasta, porém, toma todo o cuidado para que a relação entre os dois aconteça, sem pressa, natural e genuinamente, e evitando qualquer atitude dele que poderia se configurar como assédio.

A história pode parecer conhecida e a sua narrativa segue um caminho convencional, mas o trunfo de Gera está em fazer o mais do mesmo soar único, pelo menos, no contexto em que se apresenta, além de contar com uma atriz boa e carismática como Tillotama Shome para delinear as emoções e pequenas revoluções de Ratna. Com muito da produção se concentrando no apartamento onde os dois vivem/trabalham, a sua câmera na mão transita entre dias ensolarados e momentos sombrios que definem bem o sabor agridoce da obra. Se o título em português é realmente mais informativo e apelativo ao público brasileiro sobre o filme que estreia em breve, o original, contudo, faz todo sentido na rebeldia sutil de seu final.

 

(Why Are We Creative?, 2018)

Cena do documentário alemão Por que Somos Criativos? (2018) | Foto: Divulgação (Mostra Internacional de Cinema em São Paulo)

Por que Somos Criativos? É com a pergunta do título do seu documentário de 2018, que Hermann Vaske os mais diversos artistas e pensadores mundiais por mais de duas décadas. O diretor alemão que fez sua carreira, incialmente, trabalhando na área de publicidade no Reino Unido, transformou o resultado captado ao longo de tanto tempo em um grande compilado de questionamentos sobre a arte e a criatividade humana, de modo geral, no longa que estreou no Festival de Veneza, na seção Venice Days, sem querer chegar a uma resposta final à sua questão de ouro.

Há um charme na produção, não apenas pela infinidade de personalidades entrevistadas do mundo da música, cinema, artes plásticas, moda, literatura, fotografia, arquitetura, política e filosofia, pois, aliás, a questão que em si é muito mais filosófica do que lógica – o músico camaleônico David Bowie e a artista performática Marina Abramovic surgem em dois momentos e até o nosso rei do futebol Pelé tem uma breve aparição e fala no grande trabalho de montagem realizado por Marie-Charlotte Moreau. Esteticamente, é muito curioso como ele carrega essa aura de documentário dos anos 1990, que não se restringe somente pelos registros que começam neste período, mas pelo estilo e inventividade daquela época, quando a linguagem do videoclipe trazia uma ousadia aos realizadores, que também curtiam a experimentação nos grafismos e animações que Vaske mantém com a estampa noventista. Além disso, apesar de algumas entrevistas terem sido feitas em junkets – eventos de imprensa em que determinado artista ou equipe de uma produção concedem rápidas entrevistas para vários jornalistas – ou tapetes vermelhos, a sua câmera se adapta ao espírito de alguns entrevistados, quando possível.

Nas respostas, alguns apontam a origem da criatividade na predestinação ou no trabalho duro, na necessidade altruísta ou no vício egoísta, no dom divino ou na sexualidade, no ato político ou por uma questão de sobrevivência. É neste último quesito que a cantora islandesa Björk, ao citar seus parentes, frisa que qualquer ser humano é criativo, não apenas aqueles ligados à dita indústria criativa, e mostra o Calcanhar de Aquiles do filme. Ao entrevistar apenas as vozes que respondem à questão do alto de seu sucesso no mundo estão no topo do mundo artístico, político e científico, Vaske deixa de lado, em um sentido mais amplo, a opinião dos indivíduos que ordinariamente usam sua criatividade nas tarefas cotidianas e, de forma direta, daqueles que na plateia almejam um dia poderem viver de sua arte.

0 comentário

Posts Relacionados

Ver tudo
bottom of page