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  • Danilo Calazans

O PREDADOR | Prometeu frustrado

Atualizado: 13 de fev. de 2021


Imagem do filme O Predador (2018), de Shane Black | Foto: Divulgação

No espaço, um Predador está sendo perseguido por outro, maior e mais evoluído, e acaba caindo na Terra. O atirador do exército Quinn McKenna (Boyd Holbrook) estava em missão na região e após um embate com o alienígena consegue roubar algumas de suas armas altamente tecnológicas. Antes de ser preso, ele as envia para casa, porém, seu filho Rory (Jacob Tremblay) acaba ativando e atraindo o Predador Supremo para a cidade. Precisando proteger sua família e a humanidade, Quinn se une à Dra. Casey Bracket (Olivia Munn) e a uma equipe de soldados renegados para acabar com o grande Predador.

Escrito e dirigido por Shane Black, pioneiro do cinema de ação ocidental moderno, O Predador (2018) é o quarto filme solo da franquia, com o quarto diretor diferente. No mesmo ano do lançamento do primeiro O Predador (1987) – do qual ele fez parte do elenco, inclusive –, Black escreveu Máquina Mortífera (1987), filme que se tornaria um marco para o cinema de ação e ajudaria a popularizar um subgênero que faz muito sucesso até hoje, o buddy cop com suas duplas de policiais com toques de comédia. Diretor de apenas quatro filmes lançados para o cinema, Black repetiu com sucesso essa receita por mais duas vezes: em Beijos e Tiros (2005) e no mais recente Dois Caras Legais (2016).

Entretanto, O Predador lhe significaria um desafio completamente diferente: respeitar uma mitologia solidificada com o tempo – haja vista que Predador resultou em spin-offs em diversas mídias além do cinema, como HQs e videogames, por exemplo – e ainda trazer um novo fôlego para possíveis aventuras futuras do personagem. E não era só isso. Além de ter saído pouco da sua zona de conforto até então, pesava contra o diretor uma espécie de desprezo irônico da parte dele ao legado de certo vilão muito tradicional dos quadrinhos, algo que irritou profundamente muitos fãs no seu filme mais polêmico na carreira.

“Você nunca vai vê-lo chegando”

Gif com cenas presentes no trailer de O Predador (2018) | Divulgação

A frase acima é um dos slogans de O Predador, obviamente se referindo à incrível habilidade do vilão em se tornar invisível. Mas também carrega um duplo significado curioso. É a mesma frase dita pelo vilão Mandarim em Homem de Ferro 3 (2013), o tal filme polêmico mencionado anteriormente. A questão é a seguinte: em qual Shane Black deveríamos acreditar daqui para a frente? No que cria histórias divertidas, repletas de humor ácido e ótimas cenas de ação ou no desfocado e incoerente, com roteiros furados e que toma decisões completamente questionáveis?

Se fosse necessário resumir o filme em uma sentença, ela vira na forma de uma reflexão. Se você acha que Cães Predadores (Predacães?) de CGI ou uma criança ‘problemática-porém-genial’ compreendendo em pouquíssimo tempo uma linguagem complexa e jamais vista por qualquer ser humano são boas ideias para um filme, há uma grande chance de se divertir com O Predador. Caso contrário, isso deve se tornar uma experiência bastante entediante.

Primeiramente, é claro que há pontos positivos, como o senso de humor incorreto sempre presente nos filmes do diretor, que só precisaria ser melhor dosado. Esse elogio não vem necessariamente pelas piadas – poucas arrancam gargalhadas genuínas –, mas principalmente pelas gags e situações cômicas que envolvem os personagens. Outro ponto importante, é que contrariando vários blockbusters atualmente, que têm ‘mutilado’ de seus filmes os momentos mais impactantes na busca por uma classificação indicativa menor, há uma boa dose de violência gráfica nas cenas de ação, o que para uma história do Predador é algo fundamental.

Alguns personagens também se destacam, graças à boa entrega do elenco de apoio. Tremblay é cativante, Munn e especialmente Sterling K. Brown são hipnóticos quando estão em cena, definitivamente uma das melhores coisas do longa. Keegan-Michael Key também tem seus momentos, mas o excesso de piadas acaba deixando seu personagem batendo na mesma tecla o filme inteiro, eventualmente o tornando enjoativo. Dentre as atuações, a baixa vai curiosamente para o protagonista. Boyd Holbrook é apático, sem personalidade e seu personagem quase não tem apelo ou qualidades atrativas convincentes. E falta de carisma em um protagonista é um erro grave.

Embora, em entrevista na Comic Con deste ano, Black tenha levantado a preocupação em criar um Predador assustador e letal, fica a sensação de que a produção não soube exatamente onde queria chegar ou o tom que queria seguir. Começa com uma abertura bastante promissora e intrigante, bem dirigida, porém, no desenrolar da trama esse senso de urgência, essa ligeira “atmosfera” de tensão vai se dissipando cada vez mais. O excesso de piadas também contribui para “quebrar” o tom de seriedade apresentado no início.

Tudo bem que a obra original é a que mais tenta dar contornos de horror para a atmosfera, trabalhando mais a figura do Predador como um verdadeiro assassino que merece ser temido – sendo que as sequências investem mais na ação propriamente dita. Mas não dá para entender como o cineasta está tão dependente dos seus vícios recorrentes, a exemplo das crianças prodígios presentes em praticamente todos os seus filmes, que achou que seria uma boa ideia transformar o filme de um dos vilões mais icônicos e brutais que o cinema já conheceu em uma trama leve e cômica, com peso dramático e tensão praticamente nulos – onde em momento algum os personagens parecem ter medo dos letais alienígenas.

Os efeitos visuais pouco avançam com relação ao último longa, de praticamente uma década atrás – o sangue em CGI é horroroso, diga-se –, o roteiro não desafia os personagens a fazerem escolhas difíceis, o protagonista não passa por uma transformação aprendendo uma lição importante, etc... Sequer a direção se preocupa em contar uma história coerente, mas prefere já investir em uma possível sequência; em um desfecho bastante questionável, inclusive. Entre referenciar os machões “bocas-sujas” do original, apelando para a nostalgia, e tentar repaginar a franquia, procurando se adequar aos novos tempos ao incluir uma mulher forte e uma criança em papéis de destaque, a obra não decide qual caminho quer tomar e soa bastante covarde neste aspecto. Um grande e lamentável equívoco, que não consegue passar emoção e nem gerar envolvimento com o público.

Em suma, O Predador apresenta algumas ideias novas para o universo, mas não faz o suficiente para sustentar a expansão da mitologia e motivações dos personagens com seriedade por muito tempo. Assim, acaba se rendendo a sobrecarregar no humor e simplificar totalmente as ações no terceiro ato, resultando em um clímax atrapalhado e esquecível, com um ou outro lampejo do grande potencial que o projeto tinha.

A seguir, uma breve interpretação de um tema interessante que o filme sugere, mas nunca desenvolve (alerta de SPOILERS leves daqui em diante):

O mito de Prometeu: a esperança contra a tirania

Gif com a cena presente no trailer de O Predador (2018) | Divulgação

Além de criar um dos vilões mais icônicos da história, das qualidades técnicas que lhe renderam uma indicação ao Oscar, do carisma do elenco e da direção muito segura de John McTiernan – que no ano seguinte dirigiria sua obra-prima Duro de Matar (1988), o sucesso do Predador original se deve também a identificação com o público da época.

O cinema de ação nos anos 80 herdou muito do legado do Vietnã. Diferentemente da Segunda Guerra Mundial, onde os estúdios produziam filmes otimistas e patrióticos, a população estava bem ciente dos horrores da guerra e queria representações mais realistas do que estava acontecendo, não apenas posicionamentos simplistas e panfletários. Assim, surgiram filmes viscerais e questionadores como O Franco Atirador (1978), Apocalypse Now (1979), Platoon (1986) e Nascido Para Matar (1987). Trazendo de volta para o gênero da ação/aventura, há quem diga que a maior inspiração para a dupla Jim e John Thomas, criadores do Predador, foi Aliens (1986), de James Cameron, lançado um ano antes. E o que dizer de Rambo (1982), história onde um traumatizado veterano precisa entrar em guerra contra seu próprio país quando retorna para casa.

Independente do gênero, um filme pode ser muito mais do que parece, se souber trabalhar também no campo das ideias. Ao menos para mim, o próprio Predador original vai muito além de frases de efeito e disparos de metralhadoras. Uma equipe de forças especiais aceita uma missão de resgatar reféns das mãos de guerrilheiros na floresta, mas chegando lá descobre que o real inimigo é outro, invisível, que escancara o fato de que soldados não passam de objetos descartáveis nas mãos do governo, deixados por sua própria conta ao menor sinal de perigo – e isso refletia, de certa forma, o sentimento geral da população após o trauma do Vietnã.

Se esta nova reimaginação da história parece muito pobre tematicamente, mas ao menos uma boa ideia, que interfere diretamente na motivação do Predador que cai na Terra, poderia ter sido bem melhor explorada. Em determinado momento, descobrimos que um presente foi deixado para os seres humanos e ele seria fundamental para combater os Predadores Supremos.

Sabemos que os Predadores são seres superiores que vivem em meio a uma tecnologia infinitamente mais avançada do que a nossa. Suas armas, naves, força física e a própria frieza analítica e observadora provam isso. Porém, neste longa, eles descobriram uma forma de evoluir ainda mais, chegando muito perto de se tornarem criaturas divinas. O filme não nos diz ao certo o que motiva o Predador fugitivo a dar esse presente aos terráqueos, mas essa história remete ao mito de Prometeu, de como ele roubou o fogo de Zeus para dar aos humanos, mesmo arriscando ser severamente punido por isso.

Resumindo muito, Prometeu era um deus muito brincalhão. Em uma de suas brincadeiras, ele criou o homem. Os homens, por sua vez, ofertavam a Zeus sacrifícios de animais em troca do fogo, até então exclusivo das divindades. No entanto, em uma de suas brincadeiras, Prometeu foi longe demais. Escondeu a carne de um animal sacrificado, deixando apenas os ossos e gordura para Zeus, que ficou extremamente irritado e tirou o fogo dos homens. Agora eles não podiam nem caçar e nem se aquecer. Penalizado com a situação dos homens – afinal, ele os havia criado –, Prometeu roubou mais uma brasa do fogo dos deuses e deu aos homens. Ao descobrir, Zeus acorrentou Prometeu em sofrimento, tendo o fígado eternamente devorado por uma águia.

Possivelmente, o Predador renegado tenha se voltado contra sua própria espécie. Talvez tenha sido o medo do poder destrutivo da sua própria tecnologia, o receio de criar algo que os possa destruir futuramente. Talvez ele não tenha caído na Terra por acaso, mas por medo dos Predadores mais fortes que aprenderam a evoluir dizimando outras espécies, e tenha nos dado esse presente como forma de lutar contra a opressão, simbolizando o eterno combate pela liberdade e conhecimento que o mito de Prometeu representa. Uma última esperança contra uma espécie cega pelo poder, que almeja ser superior às demais a qualquer custo, mesmo que seja através de muito derramamento de sangue inocente.

Em tempos onde nossa dependência por tecnologia aumenta cada vez mais, seria uma boa oportunidade para o filme buscar uma identificação maior com nossa sociedade atual explorando temas como estes. Em vez disso, a falta de ambição dos realizadores preferiu recorrer a uma narrativa genérica de puro entretenimento e, pior ainda, de qualidade bastante questionável.

 

O Predador (The Predator, 2018)

Duração: 107 min | Classificação: 18 anos

Direção: Shane Black

Roteiro: Fred Dekker e Shane Black, baseado em personagens criados por Jim Thomas e John Thomas

Elenco: Boyd Holbrook, Trevante Rhodes, Jacob Tremblay, Keegan-Michael Key, Olivia Munn, Sterling K. Brown, Thomas Jane, Alfie Allen, Augusto Aguilera, Jake Busey e Yvonne Strahovski (veja + no IMDb)

Distribuição: 20th Century Fox (Fox Film do Brasil)

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