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  • Foto do escritorNayara Reynaud

CAMOCIM | A arquibancada política

Atualizado: 13 de fev. de 2021


Imagem do documentário Camocim (2017)

Se não existe um tratado científico sobre o assunto, o conhecimento empírico mostra que existe certa tendência humana a recorrer ao maniqueísmo como uma maneira de simplificar cenários muito complexos, criando heróis e vilões para narrativas factuais, estabelecendo o Bem e o Mal que oferece segurança nas ficções quando a incerteza reina na vida real. A relação recente dos brasileiros com a política, e até mesmo daqueles antes politizados, é um exemplo claro disso. O país sempre apaixonado por futebol carrega essa mesma passionalidade para tratar sobre questões públicas, o governo e os partidos em um momento em que qualquer debate político se torna briga de torcida.

Assim como uma arquibancada, a cidade de Camocim de São Félix há anos se pinta em duas cores a cada eleição e, antes mesmo do extremismo se acentuar nacionalmente ao longo dos últimos quatro anos, se mata por política no município do Agreste de Pernambuco. É justamente este cenário de polarização tão específico que espelha o Brasil de hoje que interessou o francês, que mora aqui há quase uma década, Quentin Delaroche em seu primeiro longa produzido no país. O foco de Camocim (2017) são as eleições municipais de 2016 no lugar onde o vermelho e o azul – os nomes dos partidos não são citados, apenas os números e as cores indicam uma coligação de viés “trabalhista” e outra “democrata”, respectivamente – são delimitadoras da divisão política entre a população, que se torna uma rixa social até dentro da própria família.

Após circular por vários festivais pelo país, da paulistana Mostra e do recifense Janela à mineira Tiradentes e ao curitibano Olhar de Cinema, o documentário opta pela observação, com um rigor quase ficcional, mas que consegue transparecer naturalidade ao acompanhar sua protagonista. Mayara Gomes, que na outra eleição municipal votou no candidato do partido vermelho, se desiludiu com o prefeito eleito e agora é cabo eleitoral do amigo César Lucena, que se candidata a vereador pelo partido azul. Neste, o candidato a prefeito é um membro mais jovem de um importante clã de políticos na cidade que, assim como tantas outras espalhadas por todas as regiões, incluindo o Sudeste – se esta que vos escreve pode dar o caso de Mongaguá, no litoral sul paulista como exemplo, o(a) leitor(a) com certeza tem outros para acrescentar –, sofre com a política “café com leite” de alternância no poder.

Se a mudança de lado de Mayara pode ser questionada dentro da divisão rígida entre esquerda e direita que pauta o pensamento de uma classe média urbana, ela diz mais sobre a busca idealista dela por um governante que realmente se preocupe com a população e representa, ainda que por razões diferentes, grande parte do povo brasileiro que na verdade é ambidestro em seu posicionamento político momentâneo ou falta dele. Neste ambiente de Camocim, em que os votos são essencialmente pessoais, já que os candidatos são parentes, amigos, vizinhos, conhecidos, a contabilização de favores atendidos e simpatia pela pessoa é que conta votos em vez dos projetos propostos. Mas, por acaso, isso é diferente nos grandes centros, tal qual os jingles ruins?

Entre os forrós e arrochas para conquistar o eleitor, assim como a apropriação não-autorizada de um sucesso internacional de Bruno Mars, é um rock que se tornou clichê para falar ou cantar Legião Urbana que cai como uma luva para definir o espírito e discurso de Camocim. Tocada e cantada pelo representante de um grupo de jovens que, apesar de trabalhar com campanha eleitoral, assim como quase todo o município, dependente das eleições e da administração pública, anulam o seu voto, em um contraponto interessante ao idealismo de Mayara, Tempo Perdido condensa esse painel de uma juventude sonhadora e cética sobre a política brasileira, encerrando de maneira igualmente esperançosa e pessimista o filme.

 

Camocim (2017)

Duração: 76 min | Classificação: 12 anos

Direção: Quentin Delaroche

Roteiro: Quentin Delaroche e Fellipe Fernandes

Elenco: Mayara Gomes e César Lucena

Distribuição: Vitrine Filmes (Sessão Vitrine Petrobras)

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