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Foto do escritorCauê Petito

OS 3 MUNDOS | O Yin e o Yang como faces da mesma moeda

Atualizado: 1 de mai. de 2021


Thiago Amaral e Paula Picarelli no espetáculo Os 3 Mundos (2018) | Foto: Divulgação / Ligia Jardim

Fábio Moon e Gabriel Bá, ou apenas “os gêmeos”, como são chamados pela maioria dos fãs da cena nacional das histórias em quadrinhos, possuem uma carreira de respeito no mundo das HQ’s. Responsáveis pelo cultuado quadrinho Daytripper (2010), já trabalharam com Gerard Way, vocalista da banda My Chemical Romance, em seu quadrinho Umbrella Academy (2007-) que ganhará uma série da Netflix no ano que vem, e Mike Mignolla, o criador de Hellboy, em BPRD: 1947 (2003). Já quadrinizaram obras literárias, de clássicos do Realismo e literatura brasileira contemporânea, como O Alienista (2007) de Machado de Assis e Dois Irmãos (2015) de Milton Hatoum, além de serem os primeiros brasileiros a ganhar o Prêmio Eisner, o Oscar dos quadrinhos.

Agora, tal como o amigo e também quadrinista migrado para outra mídia Rafael Grampá, os gêmeos se aventuram por outra linguagem artística – a convite da idealizadora e atriz central do espetáculo, Paula Picarelli – e expandem as possibilidades de se contar uma história com o espetáculo Os 3 Mundos (2018), uma mistura de cinema, teatro, HQ e Kung Fu. Nela, Moon e Bá continuam a explorar as possibilidades de se contar uma história, como visto no ensaio aberto antes da estreia da peça teatral multimídia, no próximo domingo (2), com direção geral de Nelson Baskerville, que esteve a frente da recente montagem de O Rio (2018), do britânico Jez Butterworth.

Os 3 Mundos comenta sobre o mundo atual através do caminho distópico: num mundo pós-apocalíptico devastado por guerras, Lachesis (Picarelli, que foi substituída pela atriz Bruna Longo neste ensaio, devido a uma lesão no joelho) lidera o Grupo da Serpente, uma grande família de praticantes de kung fu que habita as ruínas das estações de metrô, sob total dominação de sua líder. Quando deixam este submundo em busca de um novo membro, eles entram em confronto com o Mundo das Máscaras, liderado por Acônito (Thiago Amaral), que, do alto de sua torre, comanda os membros de seu bando com mãos de ferro. Neste embate, ambos os líderes devem lutar para manter seus súditos sob domínio e, ao mesmo tempo, derrotar o inimigo, que alimenta o desconhecido.

Para trazer este mundo à vida, os gêmeos têm a ajuda de diversos efeitos visuais e sonoros, dando ao público a sensação de assistir a uma animação 3D. Criados em vídeo, os cenários nas duas telas foram produzidos a partir de ilustrações feitas à mão pelo cartunista Guazzelli, e depois animadas pelo estúdio BijaRi. Os esforços destas mesclas de estilo e linguagens apenas explicitam as intenções de Moon e Bá, que já testam os limites narrativos nos quadrinhos há tempos. Antes de quadrinistas, ambos são contadores de história.

E como mencionado em nosso texto sobre os quadrinhos no Cine PE, a HQ é uma arte que se conta, geralmente, sozinho. É satisfatório, então, que a transição dos gêmeos dos quadrinhos – e seu processo solitário – para o teatro – colaborativo por natureza – tenha sido tão natural. De muitas formas, inclusive, esse salto soa como uma progressão natural de temas vistos na obra dos irmãos. Os ensinamentos do Grupo da Serpente vistos aqui evocam até mesmo suas tirinhas dominicais “Quase Nada”, publicadas no jornal Folha de S. Paulo. E se as histórias em quadrinhos podem servir como verdadeiros storyboards para o cinema, a verdade é que elas possuem possibilidades narrativas infinitas e até mesmo intraduzíveis para outras mídias em diversos casos.

O que vemos em Os 3 Mundos, então, é uma ambiciosa tradução dessa linguagem, nos jogos de palco e profundidade extraída através das animações presentes durante todo o espetáculo. Uma passagem em especial, extremamente elaborada em sua aparente simplicidade, brinca com a perspectiva ao contar com um cenário no palco que gira no próprio eixo – junto com a movimentação dos atores nele –, enquanto o cenário desenhado igualmente se move, criando a impressão de um travelling em 360° expressivo que lembra até mesmo a cena de algum anime. É o movimento constante de todos os componentes em palco para atribuir o dinamismo, juntando o audiovisual com o teatro e as imagens oriundas de HQ’s que ganham vida.

Exemplo disso é o design e figurino do próprio Acônito, onde o ator Thiago Amaral é vestido de enchimentos para construir sua figura acima do peso, onde cria-se uma figura geométrica – com o contraste dos pés do ator que se tornam pequenos em comparação com o resto de seu corpo – de silhueta bem marcada que transformam o personagem numa imagem caricata e escarrada literalmente de um cartoon. O jogo de tradução multimídia não se restringe, apenas, ao visual: ao apresentar Atônito em cenários sujos e industriais que contrapõem o aspecto sereno e espiritual daquele habitado por Lachesis e seus discípulos, Moon e Bá se beneficiam destes representativos populares de bem e mal enraizados em nossa sociedade para nos surpreender com as reviravoltas vistas nos atos consequentes do espetáculo. É, afinal, uma história sobre dualidade e medo, sobre dois lados de uma mesma moeda que utiliza de crenças e ideais fabricados para manipular o espírito que necessita de tais ideias.

E se tais ideias não são, de fato, elaboradas a seu pleno potencial, elas com certeza enviarão o público para casa com reflexões. O jogo final de regurgitação de linguagem vem no momento onde as luzes se acendem e a quarta parede é, enfim, quebrada. Neste momento, os gêmeos – e a equipe por trás de Os 3 Mundos – completam sua exploração do real e irreal, onde questiona-se o manipulado e o manipulador, o ventríloquo e o boneco, dentro e fora do palco.

 

Duração: 80 min | Classificação: 14 anos

História original: Fábio Moon e Gabriel Bá | Idealização: Paula Picarelli

Dramaturgia da encenação: Paula Picarelli e Nelson Baskerville | Produção: Daniel Gaggini

Elenco: Paula Picarelli, Thiago Amaral, Tamirys Ohanna, João Paulo Bienemann, Alice Cervera, Artur Volpi, Rafael Érnica e Luciene Bafa (veja + no site)

Realização: Sesi-SP

De 02 de setembro a 16 de dezembro

Quinta a sábado, às 20h | Domingo, às 19h

Teatro do Sesi-SP (456 lugares), no Centro Cultural Fiesp

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