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  • Foto do escritorNayara Reynaud

ILHA DOS CACHORROS | Sobre monstros, cachorros e homens

Atualizado: 19 de out. de 2020


Cena da animação Ilha dos Cachorros (Isle of Dogs, 2018), de Wes Anderson | Foto: Divulgação

Conhecido por criar um mundo à parte em seus filmes, seja visual ou narrativamente, Wes Anderson novamente conta com o poder da animação para apresentar seu novo microcosmo a ser desvendado no seu último longa, Ilha dos Cachorros (2018). Já tendo trabalhado antes, em O Fantástico Sr. Raposo (2009), com o gênero e, particularmente com a técnica “mais artesanal” dentro dele, a do stop motion, o cineasta volta a utilizar a lógica dos animais contra os humanos, como uma Revolução dos Bichos (George Orwell, 1945) até a página 2. Só que, agora, não mais em uma adaptação e sim em uma história própria, criada em conjunto com Roman Coppola, repetindo a parceria de Moonrise Kingdom (2012) e Viagem a Darjeeling (2007); Jason Schwartzman, que também escreveu, além de atuar, neste último citado; e de Kunichi Nomura, que dá voz ao prefeito Kobayashi na trama.

Ele é a autoridade máxima, no sentido mais totalitário possível, da cidade japonesa fictícia de Megasaki que serve de cenário à produção, ambientada em um futuro próximo. Há, é claro, um resgate estilístico da cultura milenar do país, especialmente com o prólogo remetendo aos tempos das dinastias, bem como referências aos mestres do cinema do Japão e a paisagem modernas peculiar das grandes metrópoles locais – sem falar na presença ilustre e cômica da Yoko Ono dentro do grande elenco de vozes da animação. Mas se as falas dos humanos japoneses não ganham legendas, mas vida através das expressões e, por vezes, explicação nas traduções simultâneas de uma intérprete (Frances McDormand), os cachorros do título, falam em inglês mesmo.

Eles são os grandes astros da história, dividida em capítulos, quando o prefeito em questão atribui várias pragas, como a gripe canina, aos cães, além do perigo de sua superpopulação como um perigo aos seres humanos. Kobayashi, então, tem a justificativa perfeita para mandar retirar todos os cachorros dali e leva-los para uma ilha onde é destinado o lixo da cidade. No entanto, é menino Atari (Koyu Rankin), seu sobrinho de 12 anos que está sob a sua tutela, o único a desafiar a decisão e voar para o lixão insular em busca de seu amado Spots (Liev Schreiber), com a ajuda de Rex (Edward Norton), King (Bob Balaban), Boss (Bill Murray) e Duke (Jeff Goldblum), mas sob as reclamações e desconfiança do vira-lata Chief (Bryan Cranston). Lá, há ainda a bela fêmea Nutmeg, especialista em competição, na voz de Scarlett Johansson, e Greta Gerwig no outro lado do mar, como a combatente estudante de intercâmbio Tracy Walker, entre outras participações.

Os cenários metropolitano futurista de Megasaki e, particularmente, um tanto desolador do aterro na ilha – diferente de WALL·E (2008), deixando até a discussão ambiental no subtexto - criam um ambiente distópico que difere do ar nostálgico presente nos filmes de Anderson, ainda que com uma leveza e ironia que lhe é peculiar. O design de produção de Paul Harrod e Adam Stockhausen é essencial nessa ambientação, ao lado de Alexandre Desplat, que também surpreende com uma trilha sonora mais agressiva no uso dos taikos, tradicionais instrumentos de percussão japoneses. Mas a simetria está lá, assim como outras idiossincrasias visuais e narrativas do cineasta estão lá, a exemplo da ótima sacada da cachorra vidente viciada em TV, Oráculo (Tilda Swinton).

Não por menos, antes de ganhar o prêmio da audiência no South by Southwest – SXSW, famoso festival de inovação que ocorre no Texas, a produção estreou levando o Urso de Prata de Melhor Direção. Não que a obra apresente uma trama muito inventiva ou técnicas extremamente avançadas, porém, o conjunto é tão harmonioso e eficiente quanto a analogia direta da segregação e “caninocídio”, justamente com “o melhor amigo do homem”, com o nazismo – já abordado à sua maneira pelo diretor no anterior O Grande Hotel Budapeste (2014) – e outros genocídios esquecidos na nossa história ou escondidos sob certa chancela de normalidade no presente, onde as inverdades políticas e tentativas de silenciamento continuam. Ao se questionar “Eu não sou um cão violento, eu não sei por que eu mordo”, a fala de Chief carrega ecos das nossas ilhas periféricas da realidade, na profunda humanidade de Ilha dos Cachorros.

 

Ilha dos Cachorros (Isle of Dogs, 2018)

Duração: 101 min | Classificação: 12 anos

Direção: Wes Anderson

Roteiro: Wes Anderson, com argumento de Wes Anderson, Roman Coppola, Jason Schwartzman e Kunichi Nomura

Elenco: vozes originais de Bryan Cranston, Koyu Rankin, Edward Norton, Bob Balaban, Bill Murray, Jeff Goldblum, Kunichi Nomura, Akira Takayama, Greta Gerwig, Frances McDormand, Akira Ito, Scarlett Johansson, Scarlett Johansson, Harvey Keitel, F. Murray Abraham, Yoko Ono, Tilda Swinton, Ken Watanabe, Liev Schreiber e Courtney B. Vance (veja + no IMDb)

Distribuição: 20th Century Fox (Fox Film do Brasil)

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