top of page
  • Foto do escritorNayara Reynaud

BARONESA | Uma questão de vivência

Atualizado: 16 de out. de 2020


Andreia Pereira de Sousa em Baronesa (2017) | Foto: Divulgação (Vitrine Filmes / Sessão Vitrine Petrobras)

Tendo começado sua carreira para o mundo em janeiro do ano passado, sendo inclusive premiado na 20ª Mostra de Cinema Tiradentes, a gestação de Baronesa (2017) começou muito tempo antes dos festivais. O projeto de Juliana Antunes, que tem origem no seu trabalho de conclusão de curso da faculdade, a partir de uma percepção que a jovem teve logo que se mudou para Belo Horizonte, em 2008: a de que a capital mineira tinha vários bairros com o nome de mulheres, especialmente na periferia. Foram bons anos de pesquisa, uma primeira tentativa de abordagem clássica documental e, dois anos depois, o encontro com o salão de beleza no bairro Juliana e suas duas personagens e atrizes Andreia Pereira de Sousa e Leidiane Ferreira e mais seis meses em que a diretora morou no local para obter a intimidade necessária para o híbrido ficção e documentário que atinge em um filme que lhe consumiu sete anos de sua vida.

Distante do estereótipo que o público geral comumente atribui ao “filme de favela brasileiro”, seu primeiro longa se apoia na representação do cotidiano periférico que emula para se destacar, além de ter no foco exclusivo em duas mulheres protagonistas o seu diferencial e trunfo. O discurso feminista presente desde a escolha por dar voz a pessoas/personagens pouco retratadas nas telas surge ainda mais diretamente nas conversas das amigas falando abertamente de sexo, em particular de masturbação, que ressoa aqui como símbolo de independência feminina. Ainda mais em uma obra na qual um único homem as rodeia, uma cuida sozinha dos filhos enquanto o marido está preso e outra constrói sozinha, tijolo por tijolo, a sua tão sonhada casinha no bairro Baronesa – que não só dá título, como se torna o sonho possível que permeia a narrativa, mesmo sem aparecer por quase todos os 71 minutos da produção, para quem está no meio de uma guerra entre facções no Juliana.

O hibridismo do filme acaba, porém, jogando contra ele. Antunes afirma, em entrevista para o AdoroCinema, que “Baronesa é mais ficcional que documental”, mas a sua aparência claramente contrária para o público leva ao questionamento sobre essa realidade retratada, mesmo que a partir da própria vivência de Juliana, Andreia e Leidiane naquele lugar. Tal discurso emancipador ensaiado das personagens realmente reside, de alguma maneira, nelas ou a “mão externa” é tão sentida quanto na cena da arma em punho como se fosse um brinquedo? Quando a ficção é atingida pelo inesperado – ainda que esperado pela situação em que se encontrava a região –, a produção parece finalmente atingir seu ápice, mesmo que isso seja visto de diferentes maneiras pela plateia, dependendo de sua vivência.

Em um parêntesis particular, o tiro me remeteu à infância, quando, vivendo em frente a uma delegacia na época em que era muito comum presos permanecerem em celas superlotadas nas DP’s paulistas, em vez de serem levados logo para presídios, o barulho do escapamento de uma moto, às vezes, era respondido com o ato automático de abaixar, pois uma rebelião podia acontecer a qualquer momento. Minha experiência de normalização da violência ainda criança, obviamente, está muito longe da retratada no longa, onde o perigo é iminente, constante e potencialmente letal. Contudo, foi nela que encontrei o gatilho da reflexão para a obra.

Sem ter uma identificação ou sensação de pertencimento real nem com a periferia – a qual só fui ter a noção de que vinha “dela” quando passei a frequentar o mundo do cinema, em seu eixo da Paulista, mas que não conheço na prática, mesmo estando cada vez mais ao lado dessa rotina ao estilo do Juliana – nem com a classe média – a qual sempre me foi permitido gozar parcialmente de seus privilégios –, Baronesa instigou minha curiosidade em saber mais daquela vida vizinha que escuto no trem e nos ônibus, porém, não com o fascínio quase fetichista de quem só enxerga essas mulheres, periféricas e/ou negras, através das telas e não atrás de um uniforme. Mas se estou longe de resolver esses paradoxos existenciais ou formular uma opinião sem dúvidas sobre o filme, tampouco o próprio está interessado em solucionar as suas contradições.

 

Baronesa (2017)

Duração: 71 min | Classificação: 16 anos

Direção: Juliana Antunes

Roteiro: Juliana Antunes

Elenco: Andreia Pereira de Sousa, Leidiane Ferreira, Gabriela Souza e Felipe Rangel dos Santos

Produção: VENTURA e Filmes de Plástico

Distribuição: Vitrine Filmes (Sessão Vitrine Petrobras, em sessões junto com o curta Travessia, de Safira Moreira)

0 comentário

Posts Relacionados

Ver tudo
bottom of page