A NOITE DO JOGO | Jogadas calculadas e risos inesperados
Atualizado: 25 de ago. de 2020
Uma noite de jogos entre amigos, geralmente, não é tão espetacular quanto as noitadas apresentadas nos filmes, com suas surpresas e reviravoltas cinematográficas, porém, de sua parte, sempre tem as risadas e revelações dos colegas, que nem sempre serão recordadas depois da ressaca, enquanto a lembrança da diversão noturna permanece. A comédia A Noite do Jogo (2018), de John Francis Daley e Jonathan Goldstein, traz essa ação cômica em grande escala esperada de Hollywood, mas também guarda o espírito divertido de um encontro como o que o seu título evoca.
Na casa do casal extremamente competitivo Max (Jason Bateman) e Annie (Rachel McAdams), já é tradicional a reunião com os amigos para brincarem de mímica e jogos de tabuleiro clássicos, como mostra a sequência de abertura que descreve os protagonistas – imagine, então, uma disputa de Perfil / Trivia entre eles e Monica Geller... O problema surge com a volta do irmão de Max, o bem-sucedido investidor Brooks (Kyle Chandler, de Manchester À Beira-Mar e da série Friday Night Lights), junto com a rixa fraternal, já que o marido de Annie nunca conseguiu ganhar dele, desde a infância. Aliás, a ideia de que a competição rege a sociedade em suas mais variadas relações paira sobre o filme, mas não é tão aprofundada quanto este relacionamento familiar.
Quando o empresário os convida, junto com seus amigos, os namorados de longa data Michelle (Kylie Bunbury, da produção televisiva Under the Dome) e Kevin (Lamorne Morris, da série de comédia New Girl), o galã bobão Ryan (Billy Magnussen, de A Grande Aposta) e sua colega de trabalho britânica Sarah (Sharon Horgan, do seriado também cômico Catastrophe), para sediar a tal Noite do Jogo, a brincadeira proposta é bem diferente. “Sequestradores” levarão um dos presentes e os outros convidados deverão descobrir, neste Detetive interativo, o paradeiro da vítima para ganhar o prêmio, que é o carro dele, justamente aquele que sempre esteve nos sonhos do irmão menos abastado. Contudo, quando o próprio Brooks é sequestrado, eles ficam sem saber o que é brincadeira e o que é realidade neste jogo, tal qual o público nesta narrativa que parte da premissa de que nada é o que parece – até o final, guarda uma cena pós-créditos, além dos elementos que aparecem durante.
Para tanto, o longa conta com um elenco que joga muito bem junto, com cada um ganhando o seu momento de destaque, que são particularmente bem aproveitados por Magnussen ao não cair no estereótipo de um completo idiota. À frente, Bateman entrega com eficiência aquele tipo que lhe é comum em tantos outros trabalhos como os de Quero Matar Meu Chefe e afins, mas que aqui encontra uma interessante troca com McAdams, que há muito tempo não brindava a plateia com seu talento cômico, visto em Regina George e outros papéis mais do seu início de carreira. No entanto, quem quase rouba a cena é Jesse Plemons Plemons – também de Friday Night Lights e de Breaking Bad – na pele do obcecado policial vizinho do casal, cujo olhar penetrante entre a psicopatia e o desamparo é ainda mais intensificado na aproximação da câmera, brincando com elementos de suspense.
Uma das várias jogadas da direção do ator John Francis Daley e Jonathan Goldstein, mesma dupla que roteirizou Homem-Aranha: De Volta ao Lar (2017) e esteve à frente de Férias Frustradas (2015), nova versão do sucesso dos anos 1980 cujo humor escrachado e, por vezes, de gosto duvidoso não se encontra aqui. O roteiro de Mark Perez, de Herbie: Meu Fusca Turbinado (2005) e Aprovados (2006), mas que não havia escrito nada desde 2010, constrói A Noite do Jogo como uma farsa policial, equilibrando a violência da ação e do thriller com a comédia física, mesclada com piadas referenciais não tão excessivas e óbvias, e os diretores mantém essa dinâmica visualmente, a exemplo da cena do “futebol americano” com o Ovo Fabergé dentro da mansão, cujos planos e toda mise-en-scène fogem dos padrões do gênero, sem perder sua comicidade. E se seus plot twists estão longe de ser surpreendentes, com o próprio texto brincando com isso ao final, os diálogos e piadas guiam com frescor o filme, que entrega bem mais do que o espectador espera, pensando na média de outras comédias atuais.
Um exemplo pequeno disto está no cuidado estético da fotografia de Barry Peterson e na pós-produção, que usando a técnica do tilt-shift, no qual o foco detalhado sobre determinado ponto e o desfoque do resto geram uma distorção que parece transformar os objetos em miniatura, dão às transições de cenários o aspecto de que pessoas, carros e casas são peças de montar ou de um tabuleiro.
A Noite do Jogo (Game Night, 2018)
Duração: 100 min | Classificação: 14 anos
Direção: John Francis Daley e Jonathan Goldstein
Roteiro: Mark Perez
Elenco: Jason Bateman, Rachel McAdams, Kyle Chandler, Sharon Horgan, Billy Magnussen, Lamorne Morris, Kylie Bunbury, Jesse Plemons, Michael C. Hall, Danny Huston, Jeffrey Wright, Chelsea Peretti, Camille Chen, Zerrick Williams, Joshua Mikel, Malcolm X. Hughes e Jessica Lee (veja + no IMDb)
Distribuição: Warner Bros. Pictures