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  • Foto do escritorNayara Reynaud

É TUDO VERDADE 2018 | Inventário familiar e de uma nação

Atualizado: 15 de ago. de 2020


Foto da mãe, ao centro e das tias de Aliona van der Horst, no documentário Amor É Batatas (2017) | Foto: Divulgação (Festival É Tudo Verdade)

Como outros títulos deste festival É Tudo Verdade, é o resgate familiar que guia o documentário mais pessoal de Aliona van der Horst, Amor É Batatas (2017). A russa Zoja, a mãe da diretora de Water Children (2011) e Boris Ryzhy (2009), se casou com um holandês e saiu da União Soviética, sem nunca contar muito sobre seu passado à filha. Com a doença degenerativa incapacitando aquela mulher, antes sempre ativa, de andar, Aliona vai à busca de suas origens ao visitar sua família na Rússia, onde encontra nas mazelas do regime soviético de Stalin uma resposta, especialmente na fome que sua matriarca nunca quis deixar por herança.

Sempre e tudo “em prol da nação”, o Estado tomava toda a colheita dos camponeses para abastecer o exército, especialmente naquele período da II Guerra Mundial em que Zoja e as irmãs cresceram – não que a situação ficasse melhor quando o conflito terminou, pois a volta do pai delas do front trouxe um homem alcoólatra que a “filha rebelde” não era capaz de suportar. Qualquer erro fazia os cidadãos irem para uma gulag, campo de trabalhos forçados para criminosos e presos políticos, mas o trabalho diário não era menos obrigatório, quando o capataz vinha chamar sua mãe, a avó da diretora, para o campo mesmo com alguns de seus filhos morrendo pela fome. Em certo ponto, conversa-se sobre como toda a tragédia nacional e pessoal tornou as mulheres das gerações anteriores da sua família em pessoas endurecidas que não eram capazes de demonstrações de amor claras, pois, naquela situação, “amor é batatas”, diz o primo Sasha. No entanto, uma revelação da prima Tanya sobre certas ideias da avó mostram que a escassez não era de amor materno.

Além dos relatos dos primos e da tia Liza, a própria casa bem pequena e simples onde a família cresceu, que está desgastada pelo tempo e a pobreza que sempre habitou ali, serve também de atestado histórico para o longa. Aliona e a prima, que acabara de perder sua mãe, Ljeba, escavam das gavetas fotos antigas e cartas de Zoja para a irmã, em uma narrativa epistolar que permeia o filme. A cineasta ainda conta com as animações em rotoscopia e traços feitos à mão por Simone Massi, emulando os pesadelos reais da mãe dela, enquanto ela mesma constrói situações para reforçar seu discurso, como jogar em um pequeno cômodo toda a coleção de sapatos acumulados pela família ao longo dos anos seguintes à penúria.

No entanto, a presença dela ali incomoda, seja por tocar em um tema espinhoso ou por atrapalhar os planos de alguns parentes com a “casa da vó”. No que tange o primeiro caso, boa parte diz não ter visto nada ou desconversam, enquanto cada uma das irmãs da época da fome adotou uma postura para lidar com o passado: a mãe fugiu; a tia Ljeba se entregou primeiro à fé no comunismo e, depois, à igreja; a tia Liza preferiu esquecer e varrer qualquer lembrança da memória; a tia Valja, com quem Aliona só conversa uma vez por telefone, evita de qualquer modo falar com ela, porém, entrega uma frase que diz muito não só sobre este, mas outros filmes do festival, ao dizer que “alguém de barriga cheia não pode entender uma pessoa faminta”. A diretora vislumbra uma discussão sobre o medo soviético ainda permanecer na Rússia de hoje, sem avançar tão bem na esfera política atual quanto faz no paralelo histórico-social com o drama pessoal.

 

Amor É Batatas (Liefde is Aardappelen, 2017)

Duração: 90 min | Classificação: 12 anos

Direção: Aliona van der Horst

Produção: Holanda

Áudio e Legendas: diálogos em russo, com legendas em inglês e legendas eletrônicas em português

> Itaú Cultural / São Paulo – 20/04/2018 às 13h00


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