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  • Foto do escritorNayara Reynaud

É TUDO VERDADE 2018 | Relicário de longas vidas e um amor finito

Atualizado: 15 de ago. de 2020


Aldo e Gabriella em cena do documentário uruguaio A Flor da Vida (La Flor de La Vida, 2017) | Foto: Divulgação (Festival É Tudo Verdade)

Em uma plateia do É Tudo Verdade, que nutre ao menos um interesse, se não um bom conhecimento, pelo gênero documentário, a sensação de familiaridade quando A Flor da Vida (2017) começa deve ter sido imediata. Um teatro servindo de cenário e o convite, através de anúncios de jornal, para octagenários falarem de sua vida utilizados pela produção uruguaia logo recordam o já clássico nacional Jogo de Cena (2007), de Eduardo Coutinho, que deve ter servido de referência para as diretoras Claudia Abend e Adriana Loeff. E se a teatralidade de um dos entrevistados, Aldo, até faz o espectador questionar se haveria ali também o mesmo jogo de cena usado pelo documentarista brasileiro como dispositivo, que colocou atrizes para contarem as histórias das mulheres entrevistadas, logo ao ser escolhido como objeto principal do filme, fica claro que este é o personagem que o senhor de, então, 83 anos adotou para si.

Talvez a obra de Coutinho, como um todo e não só o longa de 2007, foi uma inspiração para as realizadoras vizinhas, neste mergulhar na vida de Aldo e daquela com quem dividiu boa parte de seus anos. Aos seus 30 anos, o italiano conheceu Gabriella na Venezuela e se casou com a moça que arrebatou seu coração e compartilhava os mesmos gostos pela cultura clássica. Conversavam em latim e grego, ele prosperava com sua empresa em um momento de crescimento do país, o casal tinha muitos amigos e a família crescia com os filhos. O público começa a acompanhar esse relato através dos depoimentos de ambos e dos registros de um rico material pessoal em Super-8 e VHS, sentindo, porém, que há algo de estranho.

Não demora muito para realizar que o documentário está mostrando como duas pessoas podem seguir para caminhos diferentes de amadurecimento, mesmo que fisicamente juntas neste processo e evolução. Com quase 50 anos de casados e já vivendo em Montevidéu, eles se separaram pelas pequenas e grandes coisas cotidianas que minaram o amor, como fica claro nas falas de Gabriella, que visivelmente não nutre mais nada pelo ex-marido, que ainda sente a falta de sua companhia. Enquanto isso, as entrevistas dos outros octagenários continuam a pontuar a narrativa em alguns momentos, corroborando ou se opondo à trajetória do casal principal ao falarem de suas experiências passadas e sobre a velhice.

Apesar de ser uma figura muito carismática para se acompanhar em uma hora e meia de filme, dá para entender como esse jeito expansivo de Aldo deve ser irritante no dia-a-dia, especialmente para alguém tão introvertida como a ex-esposa. No entanto, é interessante como Abend e Loeff vão aos poucos desvendando essa imagem dele extrovertida, piadista e de uma autoestima de dar inveja no homem que, em sua intimidade, vive melancólico e solitário. E se elas usam sua história e a sua persona, o mesmo também usa do documentário para ter alguém que o escute, na necessidade de ter com quem conversar e de atenção na 3ª idade, discutida em certa parte do longa.

O final se prolonga um pouco, fazendo até alguns pensarem como Aldo: “quando essa filmagem vai terminar?”, mas é curioso como um dos títulos mais arrancou risos rapidamente da plateia logo em seus primeiros minutos, deixe nela um sabor agridoce ao final. Talvez venha da sensação pós-filme de se autoquestionar, seja em qualquer ponto o espectador estiver na vida, para onde esta estrada irá o levar.

 

A Flor da Vida (La Flor de La Vida, 2017)

Duração: 86 min | Classificação: Livre

Direção: Claudia Abend e Adriana Loeff

Produção: Uruguai / Montevidéu

Áudio e Legendas: diálogos em espanhol, com legendas em inglês e legendas eletrônicas em português

> Itaú Cultural / São Paulo – 19/04/2018 às 15h00


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