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  • Foto do escritorNayara Reynaud

DAPHNE | A vida em banho-maria

Atualizado: 11 de ago. de 2020


Emily Beecham em cena do filme britânico Daphne (2017) | Foto: Divulgação (Supo Mungam Films)

O nome próprio no título deixa logo claro ao público de que se trata de um filme de personagem, mas Daphne (2017) não é um típico exemplar do gênero. O primeiro longa de ficção de Peter Mackie Burns, cineasta escocês que ganhou o Urso de Ouro em Berlim pelo curta de estreia Milk (2005), toma um caminho contrário ao dos grandes acontecimentos que mudam a vida de um protagonista que toma a tela durante toda a projeção para ser destrinchado ao espectador.

Na realidade, o diretor nem utiliza algo tão simbólico quanto o aniversário de 30 anos de Lucy, vivida pela mesma Emily Beecham no curta-metragem Happy Birthday to Me (2014), roteirizado pelo mesmo Nico Mensinga, para despertar a crise de identidade em sua personagem central aqui. Repetindo a parceria com a atriz e o roteirista, além de uma cena em específico e o espírito de uma mulher em processo indesejado de transformação, Burns traça o arco de Daphne sem grandes arroubos que impulsionem o seu desenvolvimento, ainda que questões sérias a cerquem.

Com 31 anos, que ela nem se lembra direito já ter, e a insistência por uma juventude que lhe escapa das mãos, a figura central do filme britânico recorda a do recente título francês Jovem Mulher (2017) em suas dificuldades de lidar com uma vida totalmente adulta. No entanto, se ali o exagero era propositadamente utilizado pela direção de Léonor Serraille e a interpretação de Laetitia Dosch para a (des)construção da personagem em sua volta à Paris, a sutileza marca o tom da lenta ebulição porque passa a londrina em sua rotina na região de Elephant & Castle, trabalhando na cozinha de um restaurante descolado, morando em um espaço pequeno e indo à noite a pubs para beber, às vezes, se drogar e, tantas outras, sair com um cara qualquer. Se isso pareceu legal ou divertido em algum momento ao ler isso, o naturalismo – longe de ser documental – empregado pelo escocês e pelo texto de Mensinga e o subtexto presente discretamente na excelente atuação de Beecham revelam que não é bem assim.

Há um retrato do isolamento das grandes metrópoles, em uma Londres hiperconectada em vários aspectos, mas onde alguns de seus habitantes não apresentam a mesma habilidade, e igualmente uma autossabotagem emocional que a impedem de se conectar com as pessoas. A leitura constante do filósofo esloveno Slavoj Žižek alimenta as suas falas de descrédito aos amores e paixões, porém, a sua aparente misantropia carrega uma dose de falta de amor próprio. É um crime, do qual é testemunha, que encontra uma brecha em sua postura niilista.

Entretanto, não espere dela um choque: é justamente o fato de seguir normalmente em seu cotidiano que a coloca em um estado anormal. O autoquestionamento pode vir explícito, mas não didático, na terapia que ela rejeita, mas se manifesta de modo mais contundente nas suas atitudes, por vezes cômica, outras dramáticas, em questões de segundo, a exemplo da cena do ônibus, em que fala com uma estranha sobre sua mãe (Geraldine James), com quem trava uma difícil relação. Só que no realismo de Burns não há uma salvação mágica para Daphne, pois, inspirado pela sua geração de amigos, o cineasta quer apenas que sua protagonista e seu público percebam este momento de mudança pessoal por qual ela e todos passaram, estão vivendo ou irão experimentar.

 

Daphne (Daphne, 2017)

Duração: 88 min | Classificação: 16 anos

Direção: Peter Mackie Burns

Roteiro: Nico Mensinga

Elenco: Emily Beecham, Geraldine James, Tom Vaughan-Lawlor, Nathaniel Martello-White, Osy Ikhile, Sinead Matthews e Ryan McParland (veja + no IMDb)

Distribuição: Supo Mungam Films

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