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  • Foto do escritorNayara Reynaud

PELA JANELA | A vida além do trabalho

Atualizado: 5 de ago. de 2020


Magali Biff em cena do filme nacional Pela Janela (2017), de Caroline Leone | Foto: Divulgação (Dezenove Som e Imagens)

Pela janela do cinema, a todo dia, uma infinidade de pessoas assistem a fragmentos da realidade, seja da maneira mais documental ou ficcional possível, que amplificam acontecimentos, questionamentos, significados e sentimentos de suas próprias vidas. Sintetizando isto desde o título, Pela Janela (2017), o longa de estreia de Caroline Leone abarca vigorosamente esses paradoxos de um microcosmo se tornar algo tão macro na tela e da individualidade gerar universalidade em um filme de uma simplicidade grandiosa, que foi reconhecida no Festival de Roterdã do ano passado, com o prêmio FIPRESCI dado pela crítica internacional.

Sua protagonista é Rosália (Magali Biff), uma operária de 65 anos que o público conhece prestes a perder aquilo que a identificava como pessoa. Ao ser despedida da fábrica de reatores após toda uma vida dedicada ao trabalho, ela se encontra perdida e sem qualquer perspectiva, fazendo com que seu irmão José (Cacá Amaral), motorista particular de uma família há muitos anos, a convide para viajar com ele até Buenos Aires onde precisa deixar o carro com a filha do patrão. A narrativa embarca, então em um road movie enquanto os dois saem da periferia paulistana até a capital argentina.

No entanto, a autodescoberta que acompanha este gênero não é óbvia: a protagonista não retoma um sonho que abandonou, um talento que suprimiu ou encontra um grande amor, por exemplo. As paradas na estrada não reservam reviravoltas narrativas ou momentos dramáticos de grande comoção a quais se está acostumado, pois a transformação da personagem, tal qual as do espectador em sua realidade, ocorrem em um turbilhão que muitas vezes não permite ver como as mudanças internas e fatores externos alteram o curso do rio de sua própria vida. No minimalismo da primeira direção de Leone, que tem uma carreira como montadora, tendo trabalhado nos longas Vermelho Russo (2016) e Os Famosos e os Duendes da Morte (2009), esse processo é exteriorizado de maneira mais clara na cena em que Rosália conhece as Cataratas do Iguaçu e a força da natureza desaguando ali em tantos significados.

É uma proposta que não se concretizaria, porém, se Magali não carregasse o filme na força de suas “pequenas” expressões. Novata no cinema – estreou em Jogo das Decapitações (2013), estava na trupe do recente Deserto (2016) e mostra uma persona totalmente diferente em Açúcar (2017), que deve ser lançado também neste ano –, a atriz mostra a experiência de sua ampla carreira no teatro e trabalhos na televisão – a exemplo da primeira versão brasileira de Chiquititas (1997-2000) – na composição sutil de sua primeira protagonista. Desde o momento em que, desnorteada, volta à fábrica para ajudar o novo contratado que assumiu o seu posto e é impedida, em uma escolha da cineasta e da intérprete mais reveladora e empática à personagem do que um choro, o público é convidado a acompanhar a jornada de Rosália e também compartilhar uma fraternidade verdadeira, na parceria de Biff com Cacá Amaral.

Viajando também por outros festivais internacionais e nacionais, como Gramado e a Mostra Internacional de Cinema em São Paulo, a coprodução Brasil-Argentina suscita várias discussões, sobre o trabalho como identidade pessoal, envelhecimento, perspectiva feminina entre tantas outras, apesar dos poucos diálogos. Além da consistência das performances técnicas e artísticas, isso se deve à representação de personagens tão reais e, por vezes, esquecidos. Infelizmente, é provável que a parcela do público que mais poderia se identificar com a obra nem saiba da existência deste filme no circuito ou não terão a oportunidade de vê-lo em seus bairros ou cidades por conta das engrenagens do sistema de distribuição e exibição. Uma pena, pois as Rosálias e Josés por aí, que podem não tecer os elogios letrados desta e de outras tantas críticas, mereciam sentir no âmago a beleza e a dor de verem suas vidas Pela Janela.

 

Pela Janela (2017)

Duração: 87 min | Classificação: 10 anos

Direção: Caroline Leone

Roteiro: Caroline Leone

Elenco: Cacá Amaral, Magali Biff, Mayara Constantino

Distribuição: Vitrine Filmes

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