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  • Foto do escritorNayara Reynaud

O DESTINO DE UMA NAÇÃO | Sobre agir e abdicar

Atualizado: 25 de ago. de 2020


Gary Oldman em cena do filme O Destino de uma Nação (2017) | Foto: Divulgação (Universal Pictures)

A mais nova cinebiografia de uma das figuras políticas do século XX mais retratadas nas telas do cinema e da TV se inicia sem a sua presença. Na fotografia de Bruno Delbonnel em que o chiaroscuro reforça a sensação das forças oponentes com a luz e as sombras repousando sobre a Câmara dos Comuns, no Parlamento britânico, a liderança do então primeiro-ministro Neville Chamberlain (Ronald Pickup) era questionada e o obrigava a renunciar. O dono do lugar vazio que fica fora desta discussão, porém, aparece logo depois e domina O Destino de uma Nação (2017). Trata-se de Winston Churchill, escolhido como o novo primeiro-ministro, em maio de 1940, para formar uma coalizão entre conservadores e oposição enquanto o Reino Unido enfrenta derrotas na II Guerra Mundial.

No longa de Joe Wright, Gary Oldman está na pele do líder britânico, literalmente, graças ao impecável trabalho de maquiagem protética comandado por Kazuhiro Tsuji. No entanto, o ator incorpora Churchill não só na postura e na voz, mas também na alma, o que já lhe rendeu prêmios no Globo de Ouro e no Critics’ Choice Awards, por exemplo. O retrato é de um homem beberrão, rude em certas maneiras e não tão minuciosamente articulado quanto seu oponente direto aqui, o Ministro de Relações Exteriores Lord Halifax (Stephen Dillane), porém, vívido, carismático e extremamente empenhado em suas convicções. Pesava sobre ele o fracasso na Campanha de Galípoli, no antigo Império Turco-Otomano, durante a I Guerra Mundial, entre outras decisões militares malsucedidas, e igualmente o mérito de ser o primeiro ali no Parlamento a apontar o perigo de Adolf Hitler, no fato dele insistir na manutenção do Reino Unido no conflito para conter o perigo nazista, em vez de tentar um acordo via o líder fascista italiano Benito Mussolini – algo que o político chegou a flertar quando foi acuado, como demonstra o roteiro de Anthony McCarten, a partir de pesquisas no Arquivo Nacional.

Apesar de já saber o “final”, mesmo que um ou outro não seja tão conhecedor de História e os desdobramentos da II Guerra Mundial, o público é envolvido pela tensão da narrativa, acompanhada pela trilha sonora de Dario Marianelli, precisamente magistral, sem se sobrepor a ela. Com o correr dos dias apontados em letras garrafais, quase como uma contagem regressiva para um possível fim de Churchill e da nação, Wright intercala momentos breves de fragilidade do protagonista e humor, a exemplo do encontro cheio de formalidades e pouca intimidade entre o novo premier e o Rei George VI (Ben Mendelsohn), com as discussões no Gabinete de Guerra e a urgência de cenas como a do anúncio no rádio e sua tela avermelhada.

Nesta história predominantemente masculina, onde poucos homens discutem e determinam o destino de uma nação e, consequentemente, de todo o mundo, o diretor, que costumeiramente trabalha com protagonistas e ambientes bem femininos desde sua estreia em Orgulho & Preconceito (2005), tenta dar força às poucas mulheres da trama. Kristin Scott Thomas é a esposa Clementine Churchill, ou simplesmente Clemmie, que já no início se opõe às grosserias do marido, mas também serve de conselheira e apoio para o estadista. Lily James faz as vezes do espectador, ao adentrar na vida do primeiro-ministro como Elizabeth Layton, secretária pessoal recém-contratada para datilografar as correspondências e discursos do parlamentar, cuja camada mais pessoal lhe é dada, posteriormente e de modo rápido, quando a guerra faz as suas vítimas mais próximas.

As duas encarnam, junto com o protagonista, um tema que permeia todo o filme: além de agir, abdicar de algo pelo bem da nação. Churchill faz isso há anos com a sua vida social e sua família, que mutuamente o acompanha nisso, pelo seu desejo de ser primeiro-ministro, função que aceita, mesmo sabendo da armadilha do convite no pior momento. Enquanto um batalhão renuncia à própria vida por milhares de companheiros no outro front, a secretária renuncia ao seu sofrimento para continuar trabalhando. E se um rei abandona a etiqueta real e sua desconfiança para injetar ânimo e apoiar o novo primeiro-ministro no instante de indecisão, um povo recusa a possibilidade de rendição com a promessa de segurança incerta, pela certeza da luta que trará sangue, mas a busca por uma paz verdadeira.

É possível que a plateia, ao assistir ao filme, recorde de algumas cenas de Dunkirk (2017), pela temática e por estar fresco na memória, no entanto, é porque O Destino de uma Nação poderia ser colocado paralelamente tanto ao longa de Christopher Nolan quanto a um trabalho anterior do próprio diretor, Desejo e Reparação (2007), que também traz a espera dos soldados britânicos por ajuda na praia belga em um único e inesquecível plano-sequência de seis minutos, assim como os posteriores bombardeios que atingiriam Londres no decorrer da guerra. Se as histórias se complementam, os focos são diversos: sem a grande luta por sobrevivência da ópera bélica do compatriota, mas ampliando o espírito de luta nacional que aparece mais ao final da produção, justamente ao som do discurso de Churchill, Wright captura o sentimento do Reino Unido à beira do abismo com mais força e otimismo e menos humilhação do que empregou na adaptação do best-seller de Ian McEwan.

Aqui, ele utiliza dois planos-sequência menores e discretos, com o estadista vendo do seu carro, primeiro, uma Londres que seguia a vida normalmente, despreocupada com a guerra na vizinhança, e, depois, a chuva caindo na cidade como uma sombra da guerra que agora batia na porta e iria encobrir toda a nação, junto com o fantasma de Hitler já assombrando nas máscaras das crianças que corriam por uma rua cuja rotina é desordenada. Depois, porém, o tom patriótico e populista aumenta no retrato de Churchill, na sequência “fora do script real” e um tanto manipulativa em que o primeiro-ministro decide ir para Westminster de metrô. No entanto, em tempos de líderes nacionalistas – algo bem diferente de patriotismo – e/ou que pouco se importam com a opinião pública, talvez o espectador se pegue pelo caráter humanista da cena: pessoas comuns e de diferentes idades, gêneros e raças – o destaque do jovem negro não ocorre apenas no diálogo, em que declama junto a Winston os versos de um poema de Thomas Macaulay, mas também nos olhares que deixam subentendido a sua relação com a “amiga” – estão juntas no transporte público discutindo e pensando no bem coletivo.

 

O Destino de uma Nação (Darkest Hour, 2017)

Duração: 125 min | Classificação: 12 anos

Direção: Joe Wright

Roteiro: Anthony McCarten

Elenco: Gary Oldman, Kristin Scott Thomas, Lily James, Ben Mendelsohn, Stephen Dillane e Ronald Pickup (veja + no IMDb)

Distribuição: Universal Pictures

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