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  • Foto do escritorNayara Reynaud

NINGUÉM ESTÁ OLHANDO | A invisibilidade do ser

Atualizado: 6 de jul. de 2020


Guillermo Pfening em cena do filme Ninguém Está Olhando (2017), da argentina Julia Solomonoff | Foto: Divulgação (Vitrine Filmes)

Às vezes, ao terminar de assistir a um filme, o espectador se vê compelido a outro título específico na sequência, não pela simples e tão comum comparação, mas pela forma como essas obras dialogam entre si. Por isso, não seria estranho sair da sessão de Ninguém Está Olhando (2017), da argentina Julia Solomonoff, querendo (re)ver Frances Ha (2012), de Noah Baumbach. Talvez a lembrança venha da busca frustrada pelo sonho de ser artista em Nova York que une o longa latino que levou quatro prêmios, incluindo o principal, no Cine Ceará deste ano e o indie norte-americano que virou cult – ambos com sua parcela brasileira na produção –, mas é na forma diferente que cada um segue este caminho que os dois se complementam.

Além de ser uma comédia romântica de uma amizade, Frances Ha é um retrato individual agridoce que representa toda uma geração, especialmente daqueles envolvidos no mundo das artes, a quem, desde cedo, foi dito que tudo podia e hoje, aos vinte e tantos anos, vê a realidade sobrepor seus frágeis planos e enormes anseios. Sem igual ambição, ainda que o retrato de um indivíduo desta mesma geração gere identificação nessa faixa etária do público, Ninguém Está Olhando prefere que sua história pessoal repercuta mais sobre o sentimento de ser e se sentir estrangeiro – coisas que nem sempre ocorrem simultaneamente. No caso de Nico (Guillermo Pfening), a sensação de deslocamento é anterior e permanece durante a sua estadia em Nova York.

Solomonoff já apresenta o seu protagonista lá, na cidade dos sonhos, mas o público o conhece sendo babá de um bebê da amiga, também argentina, e não como o ator que é. Ou era? Enquanto espera sair do papel o projeto de um longa com um promissor cineasta mexicano, que foi a desculpa para deixar a Argentina e grande sucesso que fazia em uma telenovela, Nico faz pequenos bicos para sobreviver nos Estados Unidos, onde divide um apartamento em que não se sente em casa, e se envolve com alguns homens apenas por sexo casual. Logo o espectador descobre que a ambição profissional que serviu de motivo para a viagem também funciona como fachada para uma fuga de si mesmo, por causa do fim de um relacionamento que ele não esqueceu, com alguém que o roteiro de Julia com Christina Lazaridi sabiamente vai revelando quem é aos poucos, em camadas que conferem mais profundidade ao protagonista.

E a cineasta, ela mesma uma imigrante na Big Apple, mais exatamente trabalhando como professora na Universidade Columbia, não deixa de colocar este elemento de deslocamento em Nico. Sem ter o perfil físico tipicamente latino, mas carregando um sotaque que o atrapalha para fazer um personagem “americano”, o ator não consegue nenhum papel. E na convivência do argentino com outras baby-sitters também da América Latina na pracinha onde levam as crianças, a produção multinacional da Argentina, Espanha, Colômbia, Brasil e EUA mostra o que é ser latino hoje em uma Nova York multicultural, em que as mães não mais as impedem de falar em espanhol, mas que continuam a mantê-las marginalizadas.

Contudo, é justamente com o bebê que o ator desenvolve a relação mais verdadeira naquele lugar e mostra seu verdadeiro e complexo “eu”, tanto pelo fato de desenvolver um relacionamento paterno com o simpático Theo quanto por ser capaz de, com a criança no colo, furtar pequenos produtos no supermercado. Ele alega que “ninguém está olhando”, no entanto, o título do longa tem mais a dizer sobre se passar despercebido: não só como o amigo e ex-colega de novela que quer fugir dos paparazzi de Buenos Aires, porém, fica lisonjeado ao ser reconhecido na Times Square, mas por se tornar invisível para o mundo, até para quem está mais próximo. No orgulho de não revelar o que está passando ou sentindo, que lembra também algumas passagens do filme de Baumbach, a obra de Solomonoff mostra o quanto quem rodeia Nico não o enxerga, nem o próprio em sua crise de identidade.

 

Ninguém Está Olhando (Nadie Nos Mira, 2017)

Duração: 102 min | Classificação: 14 anos

Direção: Julia Solomonoff

Roteiro: Christina Lazaridi e Julia Solomonoff

Elenco: Guillermo Pfening, Elena Roger, Rafael Ferro, Marco Antonio Caponi, Paola Baldion, Mayte Montero, Cristina Morrison e Petra Costa (veja + no IMDb)

Distribuição: Vitrine Filmes

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