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  • Foto do escritorCauê Petito

MOSTRA SP 2017 | Dia 9 – Retratos de família

Atualizado: 1 de mai. de 2021

A 41ª Mostra chega em seu nono dia apresentando a estreia do novo e aguardado filme de Michael Haneke, Happy End (2017), cujo título já dá o tom da conhecida ironia do cineasta austríaco. Para continuar nesses porta-retratos rachados de famílias, a sexta traz mais uma sessão do georgiano Scary Mother (2017), além de uma nova chance para ver o sueco O Vento Sopra Onde Quer (2017).

 

Cena do filme Happy End (2017) | Foto: Divulgação (Mostra SP)

Seja por câmeras de vigilância ou planos estáticos de 9 minutos, do ponto de vista dos mais velhos ou dos mais novos, e das mais variadas classes sociais, o cinema do cultuado Michael Haneke sempre explorou o mal estar – ou mesmo a maldade em sua essência – e suas raízes. E neste Happy End, o indicado da Áustria ao Oscar, não é diferente, mesmo que a exploração dê mais espaço ao simples relato, e de que a misantropia do cineasta venha menos como um soco perverso e mais como uma risada irônica.

Partindo dessa ideia, Happy End realmente é mais parecido com o seu Funny Games (1997/2007) do que com outras obras de sua filmografia, em que há uma espécie de honestidade – ou o máximo de honestidade permitida por um cineasta conhecido pelos jogos aos quais submete sua audiência – já em seus títulos, descrevendo o projeto como ele é: A Professora de Piano (2001), A Fita Branca (2009), 71 Fragmentos de uma Cronologia do Acaso (1994). Se muitos ainda vêem tais literalidades como uma forma de jogo em si, não há neste o puro sarcasmo como nos "jogos divertidos" de Funny Games – que possui o título de Violência Gratuita no Brasil. Estamos falando de um filme de Michael Haneke, então é claro que, objetivamente, não haverá um final feliz, certo?

Sendo um final feliz algo subjetivo para Haneke, como ter sucesso em seu suicídio ou o desmantelamento de uma família burguesa privilegiada e avulsa ao mundo ao seu redor, Happy End opera como um drama cômico, retratando as relações conflitantes dessa família burguesa na alto sociedade francesa. Se em Caché (2005) o confronto dos atos passados, preconceituosos e racistas de seu protagonista – e de uma França da alta patente que ocultava tal histórico – o assombravam e causava a reflexão, na tragicomédia que é seu último filme, não há reflexão e seus personagens continuam vivenciando uma vida de banalidades, falta de comunicação e empatia – como num momento em que um personagem banaliza uma clara tentativa de suicídio.

Estabelecendo que tais relações provocam males e efeitos colaterais até mesmo nas novas gerações, criando psicopatas e pessoas deprimidas, a obra acompanha cada ato de futilidade danosa com a habitual calma de Haneke, que é sempre efetivo em causar a sensação de temor pelo pior, pela tragédia que parece estar sempre à espreita.

Casualmente se divertindo com a nova geração – e não me refiro à jovem Eve vivida por Fantine Harduin –, substituindo as filmagens de VHS de projetos anteriores por lives de Instagram/Snapchat e telas de Facebook, o diretor inclui também algumas referências, como o destino que o Georges, vivido por Jean-Louis Trintignant, dá à sua esposa, idêntico ao da obra anterior de Haneke, Amour (2012) – e "divertindo" talvez não seja a palavra mais adequada –, transformando esta obra numa espécie de sequência não oficial daquela.

O longa ganha força quando se atém aos contrastes de gerações, como no diálogo sentimental, cruel e cômico dividido pelo avô George e a jovem Eve, em posições emocionais tão tão contrastantes assim, o que torna o laço final de ambos apenas mais triste.

No entanto, essa tristeza não é refletida na tela, já que Haneke prefere punir aquelas pessoas pela vida inconsequente e egoísta que levam – com um olhar claro para a crise dos refugiados, presente na 41ª Mostra, em produções como Human Flow e O Vento Sopra Onde Quer. E a espécie de catarse e reflexão vista em obras como Caché não tem espaço no inferior Happy End. Para o diretor, tal catarse só pode vir com a miséria daquelas pessoas, que é festejada.


PLAYARTE SPLENDOR PAULISTA

27/10/17 - 19:50 - Sessão: 872 (Sexta)

ESPAÇO ITAÚ DE CINEMA - AUGUSTA SALA 1

28/10/17 - 21:50 - Sessão: 924 (Sábado)

ESPAÇO ITAÚ DE CINEMA - FREI CANECA 1

29/10/17 - 19:30 - Sessão: 1061 (Domingo)

CINEARTE 1

30/10/17 - 16:10 - Sessão: 1116 (Segunda)

 

Uma mulher de meia idade acorda num quarto escuro. Com um rosto pálido – vampírico até – e uma expressão de desgaste emocional e físico que apenas aqueles que já estiveram em seu lugar podem compreender. Ela demonstra incômodo pelo faixo de luz que cruza sua face. Em sua mão, inúmeras anotações que sobem por seu braço.

Esta é a reclusão na qual Manana (Nato Murvanidze), protagonista de Scary Mother, se submete para que consiga terminar de escrever seu livro. Mais do que auto-imposto, tal isolamento soa quase que obrigatório; mais um resultado de anos de imposições e deveres estabelecidos por seu papel em uma sociedade ainda patriarcal do que um mero isolamento para a inspiração, ainda que a mesma use o último caso como justificativa. A família da protagonista, composta por seu marido, respeita o espaço da mãe, que possui também o apoio de seu amigo, o balconista de uma loja de livros que insiste em afirmar que Manana possui uma obra-prima em mãos. Conforme o obsceno conteúdo do livro é revelado,numa cena que começa num zoom out e é, literalmente, de tirar o fôlego, mais abrem-se portas para o subconsciente imprevisível e assombroso de Manana, ao passo que sua família desmorona diante daquelas páginas.

Scary Mother poderia seguir o caminho do drama sobre a mulher que se liberta das algemas conservadoras e machistas e triunfa sobre tais adversidades, abrindo um lado sensível de si para o mundo, que a reconhece como a mente brilhante que seu amigo tanto clama. Ainda que, por um bom tempo de seus 107 minutos, ele seja exatamente isso, o primeiro filme da jovem cineasta Ana Urushadze e representante da Geórgia para o Oscar abraça gradualmente o thriller psicológico, culminando no puro terror que atinge seu ápice não com sustos ou sangue, mas com um diálogo e o que aquelas horríveis e íntimas palavras possam representar.

Nesse sentido, Scary Mother é quase que uma resposta ao filme que divide metade de seu nome, o polêmico Mãe! (Mother!), de Darren Aronofsky: a mãe que tem sua essência corrompida por aqueles ao seu redor, enquanto tenta a todo custo ficar em paz e alcançá-la através de sua expressão artística. Simbolismos religiosos à parte, enquanto aquela produção provoca o terror e desconforto através – em sua maior parte – do choque, do grandiloquente e do dramático, este opta por uma abordagem de igual angústia e inquietude através da atmosfera. Seja no design de som que ressalta ruídos quase diegéticos ou na forma com que utiliza a luz para transformar seus personagens em figuras assustadoras, o longa georgiano nos permite entrar lentamente na cabeça de sua protagonista, que é refletida nas próprias paredes do prédio em que Manana vive – deterioradas.

Até que chegamos ao aterrador final de Scary Mother, magistral estreia na direção de Ana Urushadze, onde o pavor nos encontra não através da história contida no livro de Manana em si, mas da sensação de termos presenciado algo íntimo, visceral, algo tão pessoal que acaba transcendendo essa ideia do subconsciente, da ficção, e se torna real.


ESPAÇO ITAÚ DE CINEMA - FREI CANECA 1

27/10/17 - 19:00 - Sessão: 829 (Sexta)

ESPAÇO ITAÚ DE CINEMA - FREI CANECA 6

29/10/17 - 17:10 - Sessão: 1085 (Domingo)

 

O excêntrico é sempre bem-vindo. O Cinema é uma arte que, ao decorrer das décadas, apenas expande suas possibilidades narrativas, e a forma que cada artista escolhe para contar sua história pode engrandecer ou obliterar a qualidade de sua obra. O incomum, o experimental e o estranho podem ganhar voz nas mãos de cineastas talentosos. Em determinado momento do sueco O Vento Sopra Onde Quer, acompanhamos, através de técnicas de pintura e stop-motion, o cotidiano de uma enguia presa num poço, do ponto de vista da mesma. Se uma produção que reserva um tempo para o monólogo de um peixe chamaria normalmente a atenção, o filme de Kim Ekberg acaba por se perder justamente em suas excentricidades.

O filme escolhe o fim de um relacionamento para dar partida ao seu road movie social, dividido em capítulos. Após ser abandonada por sua namorada, a jovem escritora Elma (Mira Eklund) parte numa viagem pelo interior da Suécia. Mais do que estudo de personagens ou qualquer aprofundamento dramático, O Vento Sopra Onde Quer adota uma narrativa de devaneios, onde a divisão em capítulos acaba atribuindo ainda mais esse caráter episódico à trama. Em cada passagem, Elma conhece figuras mundanas do cotidiano, cada uma com suas próprias idiossincrasias. Nessa lógica, é até natural que a protagonista não possua algum tipo aprofundamento maior, já que é apenas uma passageira, uma observadora que encontra naquelas casas e abrigos um lugar para temporariamente chamar de lar.

Nestes lugares, a cortina do palco se abre para os "astros" de cada capítulo, cada um simbolizando uma parte, social ou etária, da Suécia. O abrir da cortina no caso é literal. Num exemplo das escolhas excêntricas e sem muito propósito de Ekberg, acompanhamos duas garotinhas atuando numa peça sobre a perda da infância e as dificuldades de se viver numa Suécia decadente. Tal passagem, com a cabeça flutuante da platéia contra as estrelas, num green screen, acaba soando, como o monólogo da enguia, deslocado e sem propósito, já que, excessivamente literais, acabam se tornando pedantes.

No fim, fica claro que o diretor Kim Ekberg quer dizer algo sobre a decadência social da Suécia, o problema da imigração, do crime crescente e como isso afeta todas suas gerações. Porém, sem um fio condutor conciso, temos apenas uma série de colagens excêntricas que, eventualmente, se diluem, colocando o sueco O Vento Sopra Onde Quer naquelas listas de filmes que muito querem falar, mas acabam por nada dizer.


ESPAÇO ITAÚ DE CINEMA - FREI CANECA 4

27/10/17 - 17:20 - Sessão: 843 (Sexta)

PLAYARTE SPLENDOR PAULISTA

01/11/17 - 19:40 - Sessão: 1398 (Quarta)

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