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MOSTRA SP 2017 | Entrevista com Sebastián Caulier, diretor de "O Rebanho"

Atualizado: 1 de mai. de 2021


Sebastián Caulier, diretor do drama argentino O Rebanho (2017) | Foto: Divulgação (Mostra SP)

"O caso violento em si é um sintoma, uma resposta a uma violência mais interior, sistemática, que encurrala uma pessoa e que a coloca num estado de desespero propenso a fazer este tipo de coisa. É bastante similar ao que ocorre no filme...", afirma o Sebastián Caulier, diretor do drama argentino O Rebanho (2017), pouco tempo depois de saber sobre o caso que ocorreu na última sexta (20), no Brasil, onde um adolescente matou dois colegas de sala, em uma escola de Goiânia. Mas, durante a entrevista que concedeu ao NERVOS, o cineasta e Daniel Andrés Werner, produtor do filme exibido na 41ª Mostra, conversaram não só das terríveis coincidências entre a realidade e o seu filme sobre um estudante excluído que faz uma amizade que só aumenta ainda mais seu espírito anárquico, como do passeio que a obra faz por diversos gêneros cinematográficos ao apresentar como os vandalismos pontuais logo se tornam mais graves, mostrando a iminência de uma tragédia naquele colégio. Confira o papo abaixo:

 

A mudança de tons e transição entre gêneros cinematográficos é um dos elementos mais interessantes de O Rebanho. Ele vai do drama adolescente, meio "coming of age", passa por um drama mais sensível de personagem e termina num thriller que praticamente dá espaço ao horror. Essa sempre foi a intenção ou essa troca de tons cresceu junto com o projeto?

Sebastián Caulier: Acredito que veio naturalmente; à medida em que eu estava escrevendo, foi surgindo dessa maneira. Eu queria seguir meu personagem (o protagonista da história, Esteban) e tudo que ele estava passando, e eram coisas à princípio relacionadas com um filme adolescente, depois relacionadas com uma espécie de drama romântico, explorando sua relação com seu amigo, depois relacionada com a aventura, com a ação, seguindo os atos de vandalismo... e finalmente chegando aos elementos de thriller, de um filme de suspense e até terror, como no final, quando a situação se descontrola. Eu acredito que o filme passa por todos esses gêneros porque o personagem passa por todas essas situações. Eu não planejei assim, mas quando eu vi que esse era o caminho, reforçamos eles na montagem e na edição.


Daniel Andrés Werner: Era um pouco mais suave, no começo, ou não?

Sebástian Caulier: Não sei...

Daniel Andrés Werner: Porque, na montagem se enfatizou muito mais...

Sebástian Caulier: Quando estamos editando, tratamos de reforçar os gêneros distintos, como a comédia adolescente, a princípio, a aventura, a linha romântica dos garotos e thriller, por último, reforçando estes temas, mas tomando cuidado para que ele não atropelassem um ao outro.

Para que eles fiquem homogêneos, para que combinem entre si...

Sebástian Caulier: Exato, para que eles façam sentido.

É muito interessante que você tenha mencionado a aventura. Na primeira cena de vandalismo cometida por Esteban é embalada com uma música de rock tocando, bem suja e transgressora que incita até mesmo no público uma animação, meio que um deslumbre com essa violência. E conforme o filme continua, esse elemento se perde, e vai ficando cada vez mais sério.

Sebástian Caulier: Esse foi o meu plano geral de como ganhar o espectador, de como inserí-lo dentro de um gênero e depois seguir por um caminho cada vez mais sombrio.

E sempre foi uma intenção ter a narração em off de Esteban no filme?


Sebástian Caulier: Sim, acredito que a ideia de ter um narrador ajuda a situar o filme num tempo passado, é uma história que passou, contada pelo protagonista. Porém, na edição, tiramos muita coisa. A narração era predominante pela maioria da película, e na edição fomos tirando, e tirando, até que temos o que está agora, onde a narração aparece no começo, e no final. Foi o que nos pareceu melhor. O narrador introduz a história, depois deixa que os personagens falem por si mesmos e então volta para falar.

Eu não sei se vocês sabem disso, mas ontem tivemos uma tragédia aqui no Brasil, em Goiânia, envolvendo um estudante de 14 anos que sofria bullying e matou dois colegas de classe. Você sente uma responsabilidade como cineasta em relação à abordagem destes temas, acha que deve haver alguma sensibilidade, ou você acredita que deve se jogar, ser honesto consigo mesmo e contar a história que você tem que contar?

Sebástian Caulier: Sim, tivemos um caso parecido na Argentina, há alguns anos, mas em relação a este caso, não sabíamos.

Daniel Andrés Werner: Uma moça nos contou agora há pouco...

Sebástian Caulier: E sim, estudamos um caso como este, e o que precisamos saber também, é que o caso violento em si é um sintoma, uma resposta a uma violência mais interior, sistemática, que encurrala uma pessoa e que a coloca num estado de desespero propenso a fazer este tipo de coisa. É bastante similar ao que ocorre no filme...

É um ciclo.

Sebástian Caulier: Exatamente, é um ciclo, a violência está no sistema, não é gratuita, não é aleatória, há todo um estado de situação que possibiliza isso. Seja na busca constante por um parceiro, por um companheiro, o desamparo da instituição escolar, de professores que não intervém,o que só fomenta a violência, e com uma família absolutamente ausente, que quer a todo custo que ele seja feliz, sem se interessar pelo que passa em sua cabeça e na escola. Todo esse estado de situação acaba empurrando o indivíduo, talvez, a este tipo de respostas extremas. E, eu creio, que o filme, em respeito a isso, faz uma crítica sobre tudo isso. O nosso personagem termina compreendendo tudo isso e aprendendo a diferença entre o bem e o mal. O final é tão trágico quanto cômico. Ele pretende ser só mais um, mas será eternamente um condenado. Mas sim, eu acredito que o filme inevitavelmente levará à reflexão sobre este tema, principalmente pelo lado dos adultos, que podem ser os mais culpados dentro de todos.

> Leia a crítica de O Rebanho dentro da nossa cobertura da 41ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo

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