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  • Foto do escritorCauê Petito

MOSTRA SP 2017 | Dia 1 – Três mulheres em conflito

Atualizado: 1 de mai. de 2021

Um dos destaques desta 41ª Mostra é a presença de 98 títulos de diretoras (ou codiretoras mulheres) na seleção, mas os filmes que abrem este primeiro dia de evento já indicam que a presença feminina está forte nas telas também nas obras dirigidas por homens. É o que mostram as protagonistas da cineasta Ana Urushadze, em Scary Mother (2017) – candidato da Geórgia na corrida do próximo Oscar que ganhou o prêmio de Melhor Primeiro Longa-Metragem no Festival de Locarno –, e dos realizadores Martin McDonaugh e Kim Ekberg, em Três Anúncios Para um Crime (2017) – vencedor do Festival de Toronto – e O Vento Sopra Onde Quer (2017), respectivamente.

Veja mais sobre as atrações deste pontapé inicial da 41ª Mostra na nossa cobertura do evento.

 

Cena do filme georgiano Scary Mother (2017) | Foto: Divulgação (Mostra SP)

Uma mulher de meia idade acorda num quarto escuro. Com um rosto pálido – vampírico até – e uma expressão de desgaste emocional e físico que apenas aqueles que já estiveram em seu lugar podem compreender. Ela demonstra incômodo pelo faixo de luz que cruza sua face. Em sua mão, inúmeras anotações que sobem por seu braço.

Esta é a reclusão na qual Manana (Nato Murvanidze), protagonista de Scary Mother, se submete para que consiga terminar de escrever seu livro. Mais do que auto-imposto, tal isolamento soa quase que obrigatório; mais um resultado de anos de imposições e deveres estabelecidos por seu papel em uma sociedade ainda patriarcal do que um mero isolamento para a inspiração, ainda que a mesma use o último caso como justificativa. A família da protagonista, composta por seu marido, respeita o espaço da mãe, que possui também o apoio de seu amigo, o balconista de uma loja de livros que insiste em afirmar que Manana possui uma obra-prima em mãos. Conforme o obsceno conteúdo do livro é revelado,numa cena que começa num zoom out e é, literalmente, de tirar o fôlego, mais abrem-se portas para o subconsciente imprevisível e assombroso de Manana, ao passo que sua família desmorona diante daquelas páginas.

Scary Mother poderia seguir o caminho do drama sobre a mulher que se liberta das algemas conservadoras e machistas e triunfa sobre tais adversidades, abrindo um lado sensível de si para o mundo, que a reconhece como a mente brilhante que seu amigo tanto clama. Ainda que, por um bom tempo de seus 107 minutos, ele seja exatamente isso, o primeiro filme da jovem cineasta Ana Urushadze e representante da Geórgia para o Oscar abraça gradualmente o thriller psicológico, culminando no puro terror que atinge seu ápice não com sustos ou sangue, mas com um diálogo e o que aquelas horríveis e íntimas palavras possam representar.

Nesse sentido, Scary Mother é quase que uma resposta ao filme que divide metade de seu nome, o polêmico Mãe! (Mother!), de Darren Aronofsky: a mãe que tem sua essência corrompida por aqueles ao seu redor, enquanto tenta a todo custo ficar em paz e alcançá-la através de sua expressão artística. Simbolismos religiosos à parte, enquanto aquela produção provoca o terror e desconforto através – em sua maior parte – do choque, do grandiloquente e do dramático, este opta por uma abordagem de igual angústia e inquietude através da atmosfera. Seja no design de som que ressalta ruídos quase diegéticos ou na forma com que utiliza a luz para transformar seus personagens em figuras assustadoras, o longa georgiano nos permite entrar lentamente na cabeça de sua protagonista, que é refletida nas próprias paredes do prédio em que Manana vive – deterioradas.

Até que chegamos ao aterrador final de Scary Mother, magistral estreia na direção de Ana Urushadze, onde o pavor nos encontra não através da história contida no livro de Manana em si, mas da sensação de termos presenciado algo íntimo, visceral, algo tão pessoal que acaba transcendendo essa ideia do subconsciente, da ficção, e se torna real.

ESPAÇO ITAÚ DE CINEMA - FREI CANECA 2

19/10/17 - 17:15 - Sessão: 51 (Quinta)

PLAYARTE SPLENDOR PAULISTA

21/10/17 - 14:00 - Sessão: 264 (Sábado)

ESPAÇO ITAÚ DE CINEMA - AUGUSTA SALA 1

24/10/17 - 17:00 - Sessão: 476 (Terça)

ESPAÇO ITAÚ DE CINEMA - FREI CANECA 1

27/10/17 - 19:00 - Sessão: 829 (Sexta)

ESPAÇO ITAÚ DE CINEMA - FREI CANECA 6

29/10/17 - 17:10 - Sessão: 1085 (Domingo)

 

Frances McDormand em cena do filme Três Anúncios Para um Crime (2017) | Foto: Divulgação (Mostra SP)

Quando Mildred Hayes, interpretada pela excelente Frances McDormand, entra em cena pela primeira vez em Três Anúncios Para um Crime, o mais novo filme de Martin McDonagh (de Na Mira do Chefe, de 2008, e Sete Psicopatas e Um Shih Tzu, de 2012) que foi o grande vencedor do Toronto International Film Festival (TIFF), fica clara a sua mensagem: entrando por uma porta, em câmera lenta, com a trilha sonora de Carter Burwell que evoca os melhores westerns, Mildred é o "cowboy solitário" de Mcdonagh, é a figura que parece agir acima da lei. Como as icônicas figuras de tais produções, tem seu próprio compasso moral. A cidade? Missouri, no oeste, que não é mais velho, mas parece parado no tempo, com sua parcela escabrosa de supremacistas e preconceito.

A tradicional "jornada de vingança" de Hayes é contra a polícia local, liderada pelo xerife Bill Willoughby (Woody Harrelson, ótimo), que durante 9 meses falhou em solucionar o caso do assassinato de sua filha. Mildred aluga três outdores, há muito não utilizados, e deixa um recado que chamará a atenção do xerife, dos moradores e da mídia. E daí vem o belo título original, que consegue ser até poético ao ir direto ao ponto: Three Billboards Outside Ebbing, Missouri.

Não é difícil imaginar que, nas mãos de outros roteiristas, a história de Hayes receberia contornos mais heroicos, e que a maioria não resistiria em incluir discursos dramáticos e poderosos, até mesmo retirando da protagonista o que a torna mais humana e complexa: seus defeitos. Mcdonagh é sábio em retratar Mildred como uma mulher que luta pela causa certa, mas que possui seus próprios defeitos, preconceitos, e o tão familiar ódio.

O "ódio", que aparece nos títulos de tantos faroestes, é utilizado como elemento de reflexão em mais uma narrativa toda particular que Mcdonagh é sempre hábil em criar, onde todas as atuações parecem ajustadas levemente num tom acima, criando uma espécie de estilização que quase torna seus personagens caricaturas (o policial racista vivido por Sam Rockwell, o "anão da cidade" vivido por Peter Dinklage), mas não chega a exatamente ultrapassar essa linha, ancoradas por atuações excepcionais que elevam estes personagens a figuras reais, com situações que vão do humor de absurdos ao drama em minutos, num domínio pleno da história que quer contar e que só enriquece este universo.

O personagem mais complexo da obra acaba sendo Jason Dixon, o policial racista vivido por Rockwell. Dos trejeitos e características atribuídos a este tipo de figura autoritária, a utilizada aqui parece ser uma das sacadas mais eficazes: ao retratar Dixon constantemente lendo quadrinhos de super-heróis, o diretor explicita a natureza infantil e senso de justiça simplória que Dixon possui, com os contrastes de preto no branco que existiam neste tipo de gibi. Mcdonagh e a diretora de arte Jesse Rosenthal merecem aplausos por irem um pouco mais longe, já que os quadrinhos lidos pelo policial são em sua maioria oriundos dos anos 50, o que evidencia ainda mais a forma distorcida e retrógrada com que Dixon encara o mundo. No ápice da ironia, o policial utiliza uma camiseta de um desses quadrinhos com a frase "incorruptível". Desta forma, Dixon se torna também um dos personagens mais trágicos, já que sua personalidade e ódio parecem ter raízes oriundas de sua própria criação, já que sua mãe é tão racista quanto ele.

Ainda assim, é inegável que o destaque fique mesmo para a magnética interpretação de Frances McDormand, que cria em sua Mildred uma mulher marcada pela vida que, através de remorso e ódio, construiu lentamente uma carapaça sobre si. Os abusos domésticos causados por seu marido, vivido por John Hawkes certamente possuem um papel nisso, e a forma quase banal com que os personagens reagem aos acessos de raiva do mesmo se tornam dolorosamente reais e atuais, mesmo que, novamente, o diretor consiga extrair com sucesso algum tipo de humor nas interações destes personagens.

Com belos arcos de personagens, a mensagem que fica no excelente Três Anúncios Para um Crime é a de que o ódio é cíclico – o velho, mas ainda atual ditado de que violência só gera violência, de que dor só gera mais dor. É tempo para aquelas velhas frases de espelhos: reconhecer não só o seu ódio, mas também sua dor no próximo (a cena do hospital envolvendo duas figuras antagônicas é uma das mais simbólicas do ano), e, através de um dos sentimentos mais humanos – a empatia – tentar seguir em frente, e se tiverem sorte (as coincidências irônicas utilizadas nesse cinema de McDonagh nunca foram tão proeminentes) encontrar algum tipo de paz.

ESPAÇO ITAÚ DE CINEMA - FREI CANECA 2

19/10/17 - 21:30 - Sessão: 53 (Quinta)

CINESESC

20/10/17 - 22:30 - Sessão: 117 (Sexta)

RESERVA CULTURAL - SALA 2

26/10/17 - 19:30 - Sessão: 769 (Quinta)

 

Mira Eklund e Bianca Cruzeiro em cena do filme sueco O Vento Sopra Onde Quer (2017) | Foto: Divulgação (Mostra SP)

O excêntrico é sempre bem-vindo. O Cinema é uma arte que, ao decorrer das décadas, apenas expande suas possibilidades narrativas, e a forma que cada artista escolhe para contar sua história pode engrandecer ou obliterar a qualidade de sua obra. O incomum, o experimental e o estranho podem ganhar voz nas mãos de cineastas talentosos. Em determinado momento do sueco O Vento Sopra Onde Quer, acompanhamos, através de técnicas de pintura e stop-motion, o cotidiano de uma enguia presa num poço, do ponto de vista da mesma. Se uma produção que reserva um tempo para o monólogo de um peixe chamaria normalmente a atenção, o filme de Kim Ekberg acaba por se perder justamente em suas excentricidades.

O filme escolhe o fim de um relacionamento para dar partida ao seu road movie social, dividido em capítulos. Após ser abandonada por sua namorada, a jovem escritora Elma (Mira Eklund) parte numa viagem pelo interior da Suécia. Mais do que estudo de personagens ou qualquer aprofundamento dramático, O Vento Sopra Onde Quer adota uma narrativa de devaneios, onde a divisão em capítulos acaba atribuindo ainda mais esse caráter episódico à trama. Em cada passagem, Elma conhece figuras mundanas do cotidiano, cada uma com suas próprias idiossincrasias. Nessa lógica, é até natural que a protagonista não possua algum tipo aprofundamento maior, já que é apenas uma passageira, uma observadora que encontra naquelas casas e abrigos um lugar para temporariamente chamar de lar.

Nestes lugares, a cortina do palco se abre para os "astros" de cada capítulo, cada um simbolizando uma parte, social ou etária, da Suécia. O abrir da cortina no caso é literal. Num exemplo das escolhas excêntricas e sem muito propósito de Ekberg, acompanhamos duas garotinhas atuando numa peça sobre a perda da infância e as dificuldades de se viver numa Suécia decadente. Tal passagem, com a cabeça flutuante da platéia contra as estrelas, num green screen, acaba soando, como o monólogo da enguia, deslocado e sem propósito, já que, excessivamente literais, acabam se tornando pedantes.

No fim, fica claro que o diretor Kim Ekberg quer dizer algo sobre a decadência social da Suécia, o problema da imigração, do crime crescente e como isso afeta todas suas gerações. Porém, sem um fio condutor conciso, temos apenas uma série de colagens excêntricas que, eventualmente, se diluem, colocando o sueco O Vento Sopra Onde Quer naquelas listas de filmes que muito querem falar, mas acabam por nada dizer.


ESPAÇO ITAÚ DE CINEMA - AUGUSTA SALA 1

19/10/17 - 19:30 - Sessão: 37 (Quinta)

CINE CAIXA BELAS ARTES SALA 3

20/10/17 - 15:30 - Sessão: 92 (Sexta)

ESPAÇO ITAÚ DE CINEMA - FREI CANECA 4

27/10/17 - 17:20 - Sessão: 843 (Sexta)

PLAYARTE SPLENDOR PAULISTA

01/11/17 - 19:40 - Sessão: 1398 (Quarta)

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