Nayara Reynaud
FALA COMIGO | O dito pelo não dito
Atualizado: 26 de mai. de 2020
Existe no longa-metragem de estreia do carioca Felipe Sholl um tom de súplica que diz muito sobre o filme premiado no último Festival do Rio desde o seu nome. Surgido apenas na fase de montagem, Fala Comigo (2016) carrega em si um clamor solitário e angustiado, mas também impreciso e quase inaudível. Uma prova de que “Ao Lado”, o título anterior do projeto, cujo embrião foi o roteiro de um trabalho de conclusão de curso, não trazia a solidão e incomunicabilidade, as principais diretrizes da obra segundo o próprio cineasta, como significados. Durante a coletiva de imprensa da produção, no mês passado (04/07) em São Paulo, o roteirista e agora diretor declarou o seu interesse pelo tema da incapacidade de comunicação e pela psicanálise em geral.
Para alguém cuja monografia foi sobre “Freud e o cinema de David Lynch” não surpreende que o fetiche sexual de seu protagonista, o garoto de 17 anos Diogo (Tom Karabachian, filho do cantor Paulinho Moska, bem em seu segundo trabalho como ator), seja se masturbar enquanto liga para as pacientes da sua mãe, a psicóloga Clarice (Denise Fraga). A inspiração, no entanto, vem não da surreal filmografia do cineasta, e sim do colega Todd Solondz, com o personagem de Philip Seymour Hoffman em Felicidade (1998), afirma Sholl. Freud, com certeza, explica, mas não é preciso ser o pai da psicologia para perceber que há no ato do adolescente uma necessidade de ligação com esta figura materna, que até trabalha em casa, mas não lhe dá carinho. Da mesma maneira, a hipocondria de Mariana (Anita Ferraz), a irmã mais nova que sempre acha que está sofrendo uma crise de apendicite, manifesta um sintoma da falta de atenção que ela não consegue verbalizar, assim como seus pais (Emílio de Mello faz o pai deles) em crise ou Guilherme (Daniel Rangel), o amigo do jovem que esconde seu interesse pelo colega por trás da fachada de zoação.
Quem suplica o “fala comigo”, logo nas primeiras cenas, é Ângela (Karine Teles), uma das pacientes para quem Diogo liga. Crente de que quem lhe telefona é seu ex-marido, que foi embora de casa, a mulher por volta dos 40 anos fica ainda mais instável. Porém, quando descobre o responsável pelo engano e intromissão “pervertida” não demora muito – o roteiro é bem apressado neste sentido – para que ela e o garoto iniciem uma relação amorosa fadada à controvérsia, pelo tabu da diferença de idade entre os dois, ainda mais sendo ele um menor.
O roteirista de Hoje (2011), Trinta (2014) e Campo Grande (2015), entre outros trabalhos, dirige seu primeiro longa com a câmera na mão sempre colada nos personagens, nem sempre optando pelo melhor plano, em termos narrativos. No entanto, Felipe tem em mãos um ótimo elenco, incluindo Denise Fraga, com quem trabalhou no filme de Tata Amaral de 2011 e que, durante a coletiva, falou dos espaços que a obra deixa para exercer, por exemplo, “o silêncio [que] é a fala mais importante” e do quanto ela “abre vetores” e “te alarga em termos de reflexão”. Questionada sobre o que faria na mesma situação de Clarice, a atriz afirmou que a única preocupação, já que têm filhos na mesma faixa etária que Diogo, seria que esta mulher não fosse “mãe dele”. Neste sentido, o jovem ator Daniel Rangel também comentou que o “único relacionamento destrutivo é o dos pais [do protagonista]”, enquanto, para Karine Teles, agraciada no Festival do Rio pela notável atuação ao destrinchar os caminhos emocionais tortuosos de Ângela, “idade é só um detalhe”.
Há um cuidado louvável do filme em não julgar os personagens, deixando aberto ao público as conclusões sobre o tema, mas o discurso perde pungência no final, em que o otimismo adolescente de que o disfuncional pode funcionar de maneira simples permaneceu no roteiro, que Scholl começou a escrever aos 23 anos, mais próximo do jovem da história, e filmou com 33, mais perto da maturidade da mãe da trama. A questão não é optar por um caminho mais leve e de várias possibilidades, mas a falta de aprofundamento, apesar da ousadia aparente, mais na abordagem de um tabu do que na filmagem do sexo que permeia a temática. Fala Comigo inicia discussões, mas hesita em se debruçar nelas, mascarando-as em aparências condizentes à classe média carioca que Felipe conhece tão bem e, ao fim, fica a sensação de que pouco foi dito.
Elenco e diretor reunidos na coletiva de imprensa de Fala Comigo (Foto: Nayara Reynaud)
Fala Comigo (2016)
Duração: 92 min | Classificação: 14 anos
Direção: Felipe Sholl
Roteiro: Felipe Sholl
Elenco: Tom Karabachian, Karine Teles, Denise Fraga, Emílio de Mello, Anita Ferraz, Daniel Rangel e Manoela Dexheimer (veja + no IMDb)
Distribuição: Vitrine Filmes