HOMEM-ARANHA: DE VOLTA AO LAR | O aluno quase exemplar
Atualizado: 19 de jan. de 2021
Às vezes, os subtítulos, cada vez mais comuns nesta era das franquias, soam como meros acessórios nos nomes dos filmes, mas há aqueles que acertam em cheio. Homem-Aranha: De Volta ao Lar (2017) é um desses casos em que o complemento não é só significativo, mas repleto de significados.
O Homecoming do título original se refere tanto à festa homônima de volta às aulas, muito comum nas escolas norte-americanas como o próprio longa apresenta, quanto o retorno do personagem ao “lar”. Concebido por Stan Lee e Steve Ditko, é a primeira vez que Peter Parker cai na teia cinematográfica da Marvel, embora ainda continue sob as asas da Sony, que produziu as outras reedições do super-herói nos cinemas, durante os últimos 15 anos. E para alguns fãs dos quadrinhos, o Homem-Aranha de Tom Holland é um regresso às raízes do jovem e bem-humorado “amigo da vizinhança” das HQ’s, que ganhou um aspecto mais angustiado e mais maduro nas figuras de Tobey Maguire, da marcante trilogia de Sam Raimi, e Andrew Garfield, dos rejeitados dois longas de Marc Webb.
A trajetória de amadurecimento do menino do Queens, agora comandada por Jon Watts, começa com sua introdução ao Universo Cinematográfico Marvel. Inteligentemente abordando novamente, quase como um mea culpa, as consequências da destruição desmedida vista nos primeiros filmes do estúdio, os dejetos alienígenas da batalha em Manhattan de Os Vingadores – produção de 2012, embora o GC indique como se a ação tivesse ocorrido oito anos antes, deixando a linha do tempo da UCM um pouco complicada – levam Adrian Toomes (Michael Keaton) a ver um modo de faturar com o lixo deixado pelos super-heróis. A trama permite uma construção interessante do vilão Abutre – cuja semelhança com o Birdman (2014), a presença de Keaton não deixará esquecer, apesar da boa atuação –, fora do maniqueísmo comum e superficialidade que o arquétipo ganhou nos últimos longas do gênero, especialmente da própria Marvel, além de apresentar um subtexto sobre questões de classe social, com o trabalhador indo contra a elite.
Logo surge o “vlogueiro” Peter Parker, mostrando em vídeo a sua viagem para a Alemanha e os bastidores da batalha no aeroporto que ele participou e o público viu em Capitão América: Guerra Civil (2016), cujo protagonista aparece outras vezes nesta produção, mas de seu jeito mais icônico e cômico. No entanto, apesar das boas conexões com o UCM, os espectadores podem ficar tranquilos, pois o novo filme se sustenta por si só. Leve e divertido, Homem-Aranha: De Volta ao Lar traz a clássica jornada do herói, descrita por Joseph Campbell, com Tony Stark (Robert Downey Jr.) fazendo as vezes do mentor, mas focada no processo de aprendizado do garoto, ao qual Tom Holland imprime uma ansiedade adolescente bem-vinda ao personagem, e pulando os primeiros estágios.
Este Homem-Aranha já assumiu seu alter ego e pratica seus atos heroicos locais, que o tornaram um fenômeno do YouTube, mesmo sentindo que precise fazer mais para se considerar um herói. Além disso, evita-se perder tempo explicando como ele conseguiu seus poderes ou lidando com a figura do Tio Ben, de quem não é feita nenhuma citação direta, só uma alusão de algo ruim no passado da Tia May (Marisa Tomei, que poderia ter mais espaço na trama), por considerar que são temas conhecidos previamente pela plateia. O jovem chega a fabricar seu próprio fluído de teia na aula de química, mas a narrativa o destaca tentando aprender como usar o novo uniforme fornecido por Stark, com uma inteligência artificial cuja voz é de Jennifer Connelly – esposa de Paul Bettany, que era voz do JARVIS até se tornar o Visão –, deixando no ar um pouco de dúvida sobre o que o Homem de Ferro viu nele para apostar tão alto lá em Guerra Civil.
Na verdade, o filme se revela melhor quando foca no Peter Parker e seu cotidiano escolar para entender o herói em formação. A dinâmica dele com o amigo geek Ned (Jacob Batalon) funciona, assim como as poucas, mas certeiras interações com Michelle (a estrela do Disney Channel, Zendaya) e o seu interesse em Liz (Laura Harrier), aluna popular, bonita e inteligente que foge dos estereótipos tal qual Flash (Tony Revolori), que lhe faz bullying, porém está longe da figura do jogador de futebol idiota. Com esse olhar para a vida na high school do protagonista, o clima de comédia adolescente oitentista fica latente e, se não bastasse a tal festa do homecoming ter como tema os anos 80, chega-se a desenhar a homenagem ao cineasta John Hughes, mostrando a cena de Curtindo a Vida Adoidado (1986) dentro da própria reencenação colocada como citação aqui, para os espectadores mais jovens poderem dizer o “eu entendi a referência” e bancar o Capitão América.
É o tipo de fraqueza do roteiro escrito a doze mãos, incluindo as de Jon Watts, e da sua direção que se repete em uma cena do clímax, na qual o público sabe que Peter se lembraria de uma frase do Tony para ele. Entretanto, explicitar isso ao colocar a fala novamente em off se torna uma redundância narrativa desnecessária para a imersão que ocorre na sala de cinema, bem diferente da dispersão da audiência televisiva, onde o uso deste recurso tão comum em telenovelas se justifica. Por outro lado, o script tem como trunfo seu plot twist, em uma virada que torna o terceiro ato mais tenso do que a mise-en-scène e os efeitos especiais da batalha final do terceiro longa para o cinema do diretor de A Viatura (2015).
Mas se o ano escolar está apenas começando em De Volta ao Lar, dá para dizer que o novo Homem-Aranha se mostra um aluno muito promissor, dedicado e divertido, ainda que tenha muito a aprender.
Homem-Aranha: De Volta ao Lar (Spider-Man: Homecoming, 2017)
Duração: 133 min | Classificação: 12 anos
Direção: Jon Watts
Roteiro: Jonathan Goldstein, John Francis Daley, Jon Watts, Christopher Ford, Chris McKenna e Erik Sommers, baseado nas HQ’s de Stan Lee & Steve Ditko e no personagem “Capitão América” de Joe Simon & Jack Kirby
Elenco: Tom Holland, Michael Keaton, Robert Downey Jr., Marisa Tomei, Jacob Batalon, Laura Harrier, Jon Favreau, Zendaya, Tony Revolori, Bokeem Woodbine, Donald Glover e Gwyneth Paltrow (veja + no IMDb)
Distribuição: Sony Pictures