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  • Foto do escritorNayara Reynaud

A VIGILANTE DO AMANHÃ: GHOST IN THE SHELL | No meio do caminho tinha uma androide, tinha uma humana

Atualizado: 14 de ago. de 2020


Scarlett Johansson em cena do filme A Vigilante do Amanhã: Ghost in the Shell (2017) | Foto: Divulgação (Paramount Pictures)

Na cheia e agitada saída da sessão de imprensa que exibiu A Vigilante do Amanhã: Ghost in the Shell (2017), um colega comentava que o filme iria dividir opiniões – mas, aliás, o que não causa o mesmo efeito hoje em dia? O curioso é que, na busca justamente por um meio termo entre sua origem e a indústria da qual faz parte, a primeira produção de Hollywood baseada de fato na franquia de mangás criada por Masamune Shirow, que originou uma série de filmes e animes japoneses, pode não encontrar o seu nicho. No seu segundo longa após Branca de Neve e o Caçador (2012), Rupert Sanders apresenta um bom equilíbrio entre a ação e a reflexão, algumas vezes raro de se ver nos blockbusters atuais – e talvez esse não seja um fator muito relevante em tempos tão polarizados.

O novo longa é reverente à Fantasma do Futuro/Ghost in the Shell (1995), animação de Mamoru Oshii que inspirou Matrix (1999), ao repetir sequências do “original”, porém as coloca em ordem e contextos diferentes. Há, neste, uma preocupação maior em mostrar as relações de Major/Motoku (Scarlett Johansson) não só com os seus colegas do Setor 9, uma seção de vigilância ligada ao governo destinada a combater crimes cibernéticos, mas também a sua ligação com a Hanka Robotics, empresa que domina a área de aperfeiçoamento humano e inteligência artificial nesta sociedade futurista e dominada por uma rede de dados.

O roteiro de Jamie Moss, de Os Reis da Rua (2008), e William Wheeler, de Rainha de Katwe (2016) e O Relutante Fundamentalista (2012), introduz a Dr. Ouelet (Juliette Binoche), cientista da companhia e primeira pessoa que a protagonista vê após ter seu cérebro humano implantado em um corpo sintético. A movimentação corporal de Scarlett, junto ao uso da computação gráfica, constrói uma interessante imagem desta ciborgue, mesmo quando faz uso da camuflagem, criada pelos efeitos especiais. Ainda assim, os androides construídos, como a gueixa de uma das sequências iniciais, e as locações reais em Hong Kong se destacam em relação à cidade futurista em CG, com propagandas holográficas da Adidas, por exemplo, e pessoas andando com ícones do The Sins em cima das cabeças, embora Sanders tente ser fiel ao visual 2D desenhado no filme de Oshii em sua versão 3D imersiva de agora.

O cineasta inglês acrescenta mais cenas de combate, em lutas bem coreografadas e apresentadas em slow motion, em comparação com o longa de 1995, pois, afinal, trata-se de Hollywood. No entanto, elas sempre estão a serviço do cerne da obra, que é a busca da protagonista por sua identidade, com um destaque maior nesta narrativa à descoberta do passado dela.

Apontada como primeira da espécie, Major continua reflexiva, mas não como a ciborgue verborrágica da animação, que se permitia exprimir pensamentos filosóficos em relação à coletividade, seja de humanos ou de máquinas. Aqui, a personagem encontra nos silêncios e sisudez típicos de Johansson uma nova atitude, internalizando mais seus questionamentos, e quando os exterioriza, fica claro que são mais individuais, sobre quem e o que ela é. Só depois, Motoko assume a função mais messiânica de ser a tal vigilante do amanhã em favor de seus futuros semelhantes, deixando aberta a possibilidade de uma franquia hollywoodiana como extensão da japonesa.

Quando a câmera mergulha no centro vazado de um prédio circular, a espiral visual parece fazer o público mergulhar mais na psique de Major, se aproximando de sua jornada no terceiro ato. Sem adiantar detalhes da trama, o filme encontra uma justificativa para a escalação de uma atriz ocidental para o papel de uma androide no que seria talvez uma Tóquio multiétnica, reduzindo as várias discussões sobre “embranquecimento” que ocorreram antes de seu lançamento – sendo que esse desencontro da alma da personagem com sua “carcaça” renderia uma leitura interessante sobre a relação dos transexuais com seu corpo. Há também uma mudança no final que, além de reforçar a prevalência da individualidade dela, a ressalta como uma protagonista forte em um mundo de máquinas e humanos falhos, ao lado de outras figuras femininas de destaque nesta versão, com duas mulheres cientistas.

Entretanto, a essência de A Vigilante do Amanhã é muito humanista em sua filosofia evocada, sendo nela que encontra sua principal diferença para Ghost in the Shell. Na animação, fazendo jus a sua origem cyberpunk, a evolução da inteligência artificial é tamanha, em um pensamento cartesiano de Penso, logo existo adaptado ao mundo cibernético, a ponto de criar a sua própria noção de humanidade. Neste live action, apesar do mesmo questionamento sobre o que é ser humano, a evolução tecnológica não prescinde necessariamente dos humanos. Na realidade, com uma ideia mais próxima do empirismo de Locke, a obra confere importância às experiências adquiridas no passado pelo cérebro humano na personalidade e ações de Major.

Só que é justamente por conta da importância desse conhecimento adquirido que, neste caso, o público não sinta a novidade no novo filme, após tantas ficções científicas sobre inteligências artificiais integradas à sociedade, como o exemplar japonês conseguiu, mais de duas décadas atrás, quando apenas Blade Runner, o Caçador de Andróides (1982) era alvo de comparação direta.

 

A Vigilante do Amanhã: Ghost in the Shell (Ghost in the Shell, 2017)

Duração: 107 min | Classificação: 14 anos

Direção: Rupert Sanders

Roteiro: Jamie Moss e William Wheeler, baseado no mangá “Ghost in the Shell” de Masamune Shirow

Elenco: Scarlett Johansson, Pilou Asbæk, Takeshi Kitano, Juliette Binoche, Michael Pitt, Chin Han, Danusia Samal, Lasarus Ratuere, Yutaka Izumihara, Tawanda Manyimo, Peter Ferdinando e Anamaria Marinca (veja + no IMDb)

Distribuição: Paramount Pictures

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