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  • Foto do escritorNayara Reynaud

NEGAÇÃO | A resistência contra as tragédias humanas

Atualizado: 2 de mai. de 2020


Rachel Weisz em cena do filme Negação (Denial, 2016) | Foto: Divulgação (Sony Pictures)


Na pele de uma norte-americana cujo único detalhe mais pessoal apresentado durante o filme é o seu gosto por corridas, a inglesa Rachel Weisz corre pela noite londrina e, em pelo menos duas cenas, admira a estátua de Boadicea, ao lado do Palácio de Westminster – o do Big Ben – e à beira do rio Tâmisa. A peça, que é uma homenagem à rainha celta que liderou a mais violenta revolta contra a dominação opressiva do império romano, depois de eles a agredirem e violentarem as suas filhas, parece servir de inspiração para a observadora, que foi encorajada pela mãe a acreditar que está predestinada à liderança desde a origem de seu nome: Deborah Lipstadt.

É do relato da mesma no livro History on Trial: My Day in Court with a Holocaust Denier que Negação (2016), longa que marca a volta do diretor Mick Jackson ao cinema, retira o seu olhar diferenciado para um tema já abordado em vários filmes, com o retrato de um caso judicial que trazia implícito em seu processo o questionamento sobre a existência do Holocausto e se ele ocorreu nos termos registrados pela História.

A origem do julgamento está no britânico David Irving. Interpretado sem caricaturas ou justificativas por Timothy Spall, o historiador militar amador e também escritor que perdeu sua credibilidade ao se fiar em seu revisionismo histórico para “aliviar” a culpa de Hitler sobre o genocídio nazista – que, apesar de ter os judeus como maiores vítimas, também atingiu ciganos, comunistas, negros, homossexuais, deficientes físicos e mentais, poloneses, eslavos, Testemunhas de Jeová, entre outros grupos.

Para Deborah, ele é um negacionista, ou seja, alguém que nega o Holocausto. Mas, ao afirmar isto em um de seus livros, a historiadora judia e professora universitária de Atlanta é processada, junto com a editora Penguin Books, pelo “colega” na Justiça da Inglaterra. É justamente através da visão do nativo Jackson, que teve como maiores experiências em Hollywood as produções O Guarda-Costas (1992) e Volcano: A Fúria (1997), que a obra explora a típica formalidade inglesa, desde o enfoque no chá até a descrição dos procedimentos judiciários e etiquetas locais nos diálogos. Afastado das telas desde o telefilme Temple Grandin (2010), o cineasta chama mais a atenção nos breves momentos em que faz uma fusão discreta entre as imagens do que restou de Auschwitz e flashes de uma representação dos horrores ocorridos naquele campo de concentração. No mais, a sua direção, assim como o roteiro de David Hare, se prende no mesmo rigor que usa como objeto de observação.

Fiel aos eventos reais, o texto do roteirista de O Leitor (2008) e As Horas (2002) traz uma protagonista que tem finalmente a chance de “liderar” uma batalha, quando se opõe a um dos detratores do sofrimento de seu povo durante a II Guerra Mundial, mas que tem de travar esta luta de forma resignada e paciente, já que seus advogados, o famoso Anthony Julius (Andrew Scott) e o compenetrado Richard Rampton (Tom Wilkinson), não a autorizam a falar como estratégia para o julgamento. Até certo ponto, é frustrante para o público que Deborah não exerça um papel tão incisivo no momento chave como ela demonstra em alguns momentos durante a narrativa, com Weisz despejando falas afiadas no jantar com a comunidade judia em Londres, por exemplo, mas o roteiro tenta compensar isso elevando uma moral de valorização do trabalho em equipe.

No entanto, falta o aprofundamento de seus personagens para que isso ganhe força. O distanciamento que o filme mantém deles só encontra a medida ideal com Irving: o espectador o conhece o suficiente para perceber o quanto ele acredita na “História” paralela que criou para si e seus simpatizantes, mas sem querer justifica-lo ao entrar em mais detalhes de sua vida pessoal, e sim deixar ainda um enigma sobre como funciona uma mente como esta.

Embora sua reputação no meio acadêmico oficial e informal tenha sido manchada pelo caso, cujo processo durou de meados dos anos 1990 até 2002, o discurso de Irving encontra cada vez mais ecos no mundo atual, cercado de extremos. Por isso, Negação funciona bem como um lembrete histórico a pensamentos como o de um personagem secundário irritado com o “ressentimento” dos judeus depois de tanto tempo ou daqueles que dizem que nunca concordariam com as atrocidades do nazismo. Em alguns de seus melhores diálogos, o filme exorta o quanto a oposição aos desmandos de Hitler poderia significar a própria vida, questionando se não seríamos covardes na mesma situação e levando a uma reflexão se já não nos omitimos hoje.

 

Negação (Denial, 2016)

Duração: 109 min | Classificação: 12 anos

Direção: Mick Jackson

Roteiro: David Hare, baseado no livro “History on Trial: My Day in Court with a Holocaust Denier”, de Deborah Lipstadt

Elenco: Rachel Weisz, Tom Wilkinson, Timothy Spall, Andrew Scott, Jack Lowden, Caren Pistorius e Alex Jennings (veja + no IMDb)

Distribuição: Sony Pictures

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