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  • Foto do escritorNayara Reynaud

UM LIMITE ENTRE NÓS | Um inimigo dentro das cercas

Atualizado: 1 de mai. de 2020


Jovan Adepo e Denzel Washington em cena do filme Um Limite Entre Nós (Fences, 2016) | Foto: Divulgação

Depois de uma parceria premiada na Broadway, Denzel Washington e Viola Davis voltam a encarnar o casal Troy e Rose Maxson, que viveram nos palcos em 2010, agora na frente das câmeras. A remontagem da peça Fences, escrita por August Wilson em 1985, quando ganhou um Pulitzer e quatro prêmios no Tony Awards, foi igualmente agraciada com a dupla de atores, com três estatuetas nesta que é a principal premiação do teatro norte-americano. Tentando o mesmo êxito, o próprio Denzel levou a história para Hollywood, dirigindo uma adaptação cinematográfica da obra, feita para o Oscar. O resultado: Um Limite Entre Nós (2016) recebeu quatro indicações da Academia, mas só Viola Davis se sagrou vencedora na noite deste domingo (26), em um reconhecimento que já era merecido há muito tempo.

Em seu terceiro longa como diretor, o ator e cineasta constrói um filme que se sustenta em cima das excelentes atuações que consegue extrair da amiga, dos demais colegas e de si mesmo. Sua interpretação carrega esse ressentimento corrosivo do protagonista, um promissor jogador de basebol que, por conta do racismo, segundo ele, ou da idade, de acordo com sua esposa, não se tornou um profissional e, desde então, trabalha como coletor de lixo. E isso se reflete nas suas relações familiares, especialmente no momento em que a narrativa se prende.

Enquanto Troy está trabalhando na cerca de sua casa, ou diz que precisam fazer isso durante quase todo o filme, ele demonstra uma relação bastante desgastada com Cory (Jovan Adepo), seu filho que sonha em ser esportista como o pai, mas que enfrenta a opinião contrária e rigidez paterna, e provoca uma crise em seu relacionamento de quase duas décadas com Rose. As discussões só confirmam a ideia de que as “cercas” do título original não são capazes de proteger a família do perigo que surge entre eles, ou de si mesmos – além da leitura mais ampla sobre a segregação racial lá em 1957. E quando o personagem, por exemplo, põe em xeque o fato dos negros da companhia serem sempre garis e nunca os motoristas do caminhão de lixo, fica perceptível o quanto o debate não é de época.

O roteiro adaptado pelo próprio August Wilson, antes de sua morte em 2005 – o projeto ronda Hollywood há algum tempo –, escancara esses assuntos em seus longos diálogos, que, facilmente podem ser taxados pela verborragia. Contudo, o extenso texto serve para a caracterização de Troy, um daqueles homens que carregam a tradição de prender a atenção de todos contando suas próprias histórias, sejam elas verídicas ou um tanto fictícias.

A dificuldade do filme, porém, vem da direção ao transportar a obra integralmente para as telas sem agregar um valor próprio. Denzel alterna planos e se fixa próximo dos personagens em grandes momentos, mas não imprime uma linguagem cinematográfica que transmita significados naquela contenção espacial característica da história, como, usando um exemplo recente, o romeno Sieranevada (2016) consegue, gerando intimidade e desconforto com sua mise-en-scène confinada em uma apartamento por quase três horas de longa.

O que causa essa aproximação do público com esta família entre as cercas é a interpretação do elenco, e de seus protagonistas. Sim, porque Viola pode ter ganhado o Oscar de Melhor Atriz Coadjuvante e aparentemente ter esta função no início, até que a trama se desenvolve para colocar Rose no centro da ação, sendo muito mais justo se apontá-la na categoria principal. Nesse momento em que a personagem se destaca, Davis domina a cena de maneira visceral, levando qualquer um da plateia a acreditar nela como essa mulher que se dedicou totalmente à família e a vê ruir, não tem o mesmo direito do marido em questionar suas responsabilidades em detrimento de sua própria vida.

O machismo presente nas atitudes de Troy só contribui para a construção de um tipo complexo, que Denzel emprega de uma dubiedade que só instiga o público. Fruto de uma educação extremamente rígida, a qual reproduz, há uma sabedoria e segurança inerente nele, ao mesmo tempo em que gera repulsa por seus pensamentos e ações, sendo fácil se lembrar dos próprios pais, tios e avós nos sentimentos contraditórios que o personagem provoca – e se o espectador estiver mais aberto à reflexão, o quanto esta dualidade está impregnada em si.

Entre suas abordagens, a que mais se destaca em Um Limite Entre Nós é a do embate de gerações e sua repetição cíclica. Em certo ponto da narrativa, Cory se encontra na mesma posição que Troy, confrontando a figura paterna assim como ele fizera antes com seu progenitor, dando aparentemente a ideia de que, “como nossos pais”, seguimos os mesmos comportamentos e, às vezes, erros deles. No entanto, o filme desperta um senso de como administrar e repassar essa herança familiar recebida, tal qual destaca o autor da peça em sua epígrafe: “Quando os pecados de nossos pais nos visitam / Nós não precisamos servir de anfitriões / Nós podemos bani-los com perdão / Como Deus, em Sua Grandeza e Leis”.

 

Um Limite Entre Nós (Fences, 2016)

Duração: 139 min | Classificação: 14 anos

Direção: Denzel Washington

Roteiro: August Wilson, baseado na peça “Fences” (publicada no Brasil sob o título Um Limite Entre Nós), de August Wilson

Elenco: Denzel Washington, Viola Davis, Stephen Henderson, Jovan Adepo, Russell Hornsby, Mykelti Williamson e Saniyya Sidney (veja + no IMDb)

Distribuição: Paramount Pictures

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