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  • Foto do escritorNayara Reynaud

A QUALQUER CUSTO | O faroeste da desolação

Atualizado: 26 de abr. de 2020


Chris Pine e Ben Foster em cena do faroeste A Qualquer Custo (Hell or High Water, 2016) | Foto: Divulgação (Califórnia Filmes)

Chega a ser surpreendente, para o espectador que não se prende a nomes, descobrir que é um diretor escocês quem está por trás da mistura de thriller e faroeste moderno que embala um filme sobre o esmorecer do sonho americano. Usando a típica trama de assalto que conduz A Qualquer Custo (2016), David Mackenzie adentra o “coração” dos Estados Unidos para expor os efeitos da crise econômica nas pequenas cidades do país.

O olhar para as consequências em vez dos agentes responsáveis pela bolha imobiliária, que, ao estourar na América” deflagrou uma instabilidade mundial em 2008, está mais próximo ao de Garota Exemplar (2014) do que o de A Grande Aposta (2015) com seus números, ações e investimentos. No filme de David Fincher, assim como no livro de Gillian Flynn de que foi adaptado, o cenário é uma pequena cidade em decadência no Missouri, que faz parte do Cinturão da Ferrugem (Rust Belt), região industrial, geralmente de metalúrgicas, que foi altamente afetada pela crise, assim como o Texas e Oklahoma aqui retratados, que fazem parte do Sun Belt, Cinturão do Sol que abriga indústrias eletrônicas, de tecnologia e, no caso do primeiro estado, petrolíferas. O abandono das duas regiões, que Mackenzie martela mais na tela do que o colega com os planos das placas de vendas e fábricas obsoletas, explica – isso não quer dizer que justifica – porque Trump foi visto como a chance de mudança para o eleitorado de uma parte dos EUA que se viu esquecida pelo governo.

Para os irmãos Toby e Tanner Howard (Chris Pine e Ben Foster), a pobreza parece uma condição permanente. Se o segundo é o mais problemático dos dois e já foi preso, o primeiro está quebrado: separado e pai de dois filhos, o banco ainda quer tomar o rancho da mãe deles, que acabara de falecer, por causa da dívida da hipoteca. “Eu fui pobre por toda a minha vida, parece uma doença passando de geração para geração. Mas meus meninos não”, decide Toby, ao não ver outra saída do que se juntar a Tanner para roubar agências bancárias de pequenas cidades pelos Texas.

A dupla é tratada como anti-heróis, assim como os parceiros policiais Marcus Hamilton (Jeff Bridges) e Alberto Parker (Gil Birmingham) não recebem uma carga negativa sendo os antagonistas: o verdadeiro vilão da história são os bancos, representados aqui pelo fictício Texas Midland. Aliás, a dinâmica entre os investigadores é um dos vários pontos altos deste filme extremamente masculino, ainda que se apresente em uma resistência frágil, em que os insultos mútuos contraditoriamente escondem uma afeição entre o Texas Ranger prestes a se aposentar e o colega, descendente de mexicanos e índios Comanche. E o tema dos nativos volta em diálogos de forma ainda mais crítica do que nos comentários racistas de Hamilton.

Jeff Bridges, como de costume, consegue imprimir essa complexidade do seu personagem, sendo justamente indicado ao Oscar como Melhor Ator Coadjuvante, enquanto a dupla principal dá os tons que diferenciam tanto esta parceria fraterna: Foster como o inconsequente, impulsivo e, às vezes, até perturbado Tanner, enquanto Pine, na quietude de seu Toby, maquina as ações deles metodicamente. O roteiro original de Taylor Sheridan, outra indicação da produção ao prêmio da Academia, assim como a de Melhor Filme e a de Edição para Jake Roberts, é preciso ao revelar aos poucos os detalhes do plano dos irmãos Howard, se mostrando mais engenhoso do que parecia a princípio. O roteirista de Sicario: Terra de Ninguém (2015) e David Mackenzie, responsável por Encarcerado (2013) e Jogando com Prazer (2009), entre outros títulos, trazem perseguições de carro que se equilibram com as tensões dos diálogos.

A Qualquer Custo já diz a que veio no plano-sequência da abertura, um dos resultados do belo trabalho de fotografia de Giles Nuttgens. Combinado ao som melancólico da trilha dos australianos Nick Cave e Warren Ellis – a parceria formada pelo cantor e um dos músicos de sua banda Nick Cave and the Bad Seeds rendeu bons frutos nas composições para outros faroestes como A Proposta (2005) e O Assassinato de Jesse James pelo Covarde Robert Ford (2007), além de A Estrada (2009) –, a câmera capta a imensidão vazia de campos de extração de petróleo ou criação de gados, exteriorizando a desolação da região.

 

A Qualquer Custo (Hell or High Water, 2016)

Duração: 102 min | Classificação: 14 anos

Direção: David Mackenzie

Roteiro: Taylor Sheridan

Elenco: Chris Pine, Ben Foster, Jeff Bridges, Gil Birmingham e Marin Ireland (veja + no IMDb)

Distribuição: Califórnia Filmes

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