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  • Foto do escritorNayara Reynaud

JACKIE | A construção de Camelot e de uma primeira-dama

Atualizado: 26 de abr. de 2020


Natalie Portman em cena do filme Jackie (2016) | Foto: Divulgação (Diamond Films)

Em sua primeira experiência em Hollywood e com um filme em língua inglesa, o chileno Pablo Larraín está em um terreno conhecido. Afeito aos temas políticos, o cineasta de No (2012), O Clube (2015) e Neruda (2016) teve a chance de se manter no mesmo ambiente ao assumir o desafio de fazer um retrato cinematográfico de Jacqueline Kennedy no momento em que se torna viúva, tendo Natalie Portman na pele da protagonista. Contudo, ao retomar a figura da primeira dama que, talvez, tenha sido a mais icônica da história dos Estados Unidos, o diretor não volta ao assunto pelo viés do poder, de governos e militantes, mas através do que sustenta tudo isso: a construção da imagem.

Jackie (2016) tem como mote de sua trama o assassinato do então presidente norte-americano John F. Kennedy (o dinamarquês Caspar Phillipson, quase um sósia de JFK), em 22 de novembro de 1963, e o que se seguiu após sua morte; um evento que, por consequência dos fatos, se tornou muito midiático e que contribuiu bastante para o legado que seria atribuído ao governante e a sua esposa. Por isso, o filme não evoca apenas os registros do acontecimento e seus elementos marcantes, como o tailleur rosa da Channel que ela usava na ocasião, como também investiga e especula os bastidores de decisões sobre o funeral, por exemplo.

O roteiro de Noah Oppenheim e a edição de Sebastián Sepúlveda habilmente manejam as frequentes idas e vindas no tempo, sem perder o ritmo. Tendo como guia a entrevista da viúva de Kennedy, concedida dias depois a um jornalista (Billy Crudup), a narrativa navega das lembranças aterrorizantes dela do assassinato à preparação para o funeral, com o cunhado Robert “Bobby” Kennedy (Peter Sarsgaard) e assessores do governo, volta à vida anterior do casal na Casa Branca e por aí vai. Com um trabalho de composição pautado na voz muito característica de Jackie, Natalie Portman sustenta esse momento de crise da personagem, entre uma esposa abalada e as responsabilidades de uma primeira dama, que é uma figura paralela, mas fundamental para a manutenção do poder, embora temporária e substituível.

Aliás, trata-se de um filme memorável por seus aspectos técnicos. A fotografia de Stéphane Fontaine, ao lado da equipe de direção de arte, figurino, cabelo e maquiagem, efeitos visuais e som, é capaz de recriar de maneira muito fidedigna, como uma gravação da época, o Tour da Casa Branca, um documentário para a TV de 1962 que foi premiado com um Emmy. A steadycam valoriza a elegância da era Kennedy, junto da trilha sonora indicada ao Oscar – Natalie Portman e a figurinista Madeline Fontaine também foram lembradas pela Academia.

Entre as indicações na categoria, a trilha de La La Land – Cantando Estações (2016) pode até ser aquela que você colocará para ouvir direto em seu celular, mas o trabalho de Mica Levi, artista inglesa que nos palcos se apresenta como Micachu, é o que tem maior impacto dentro de uma trama: os arranjos são propositadamente majestosos e condizentes com a ideia difundida pela própria Jacqueline de que eles criaram por um momento uma “Camelot”, mas ganham em urgência nos ápices da narrativa, com as cordas mais estridentes e contínuas dando o tom de assombro e perturbação que marca a obra.

E se ao citar a predileção do marido pelas canções do musical sobre a lenda do Rei Arthur, a ex-primeira dama cria esta Camelot moderna e ianque que Larraín traz a tela, o cineasta tem a dificuldade de avançar na intimidade de Jackie. Mesmo nas cenas de desabafo com o padre vivido pelo ator recém-falecido John Hurt, ou sua assistente, interpretada por uma bem-vinda Greta Gerwig fora de sua persona “Francis Ha”, e até na suposição de seu desespero solitário vagando pela Casa Branca, a imagem ali apresentada daquela mulher parece construída por ela própria, assim como ela fez em sua famosa e “editada” entrevista ao repórter. Por isso, o impacto do excelente trabalho técnico se dilui na medida em que o filme, assim como sua personagem, se revela inacessível na emoção.

 

Jackie (Jackie, 2016)

Duração: 100 min | Classificação: 14 anos

Direção: Pablo Larraín

Roteiro: Noah Oppenheim

Elenco: Natalie Portman, Peter Sarsgaard, Greta Gerwig, Billy Crudup e John Hurt (veja + no IMDb)

Distribuição: Diamond Films


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