ATÉ O ÚLTIMO HOMEM | Entre batalhas ganhas e perdidas, um filme de fé no ser humano
Atualizado: 25 de abr. de 2020
Seria um chavão simplório dizer que uma obra tem muito de seu autor, mas, no caso de Até o Último Homem (2016), o filme não só guarda muito dos demônios pessoais de seu diretor, como também apresenta a inconstância da carreira do próprio Mel Gibson, sendo inevitável traçar o paralelo entre os dois.
O ator consagrado e diretor agraciado com um Globo de Ouro por Coração Valente (1995) entrou em certo ostracismo após polêmicas na sua vida pessoal, como o seu alcoolismo e as declarações antissemitas. Agora, a mesma Hollywood que o colocou de lado, o prestigia nesta temporada de premiações por seu novo drama histórico, que resgata a história do norte-americano Desmond Doss (Andrew Garfield), um médico de combate que, durante a II Guerra Mundial, se recusou a pegar em armas, mas foi capaz de feitos extraordinários. Porém, em suas quase duas horas e meia de duração, esta cinebiografia se mostra tão instável quanto o artista em seus altos e baixos, às vezes, dentro de um mesmo aspecto.
A trama do longa é dividida em três partes muito claras. A primeira é a de apresentação da vida familiar conturbada de Desmond e seu romance com a enfermeira Dorothy (Teresa Palmer). A violência no lar que ele presenciou durante a infância, fomentada pelo pai, Tom Doss (Hugo Weaving), um traumatizado veterano da I Guerra que se tornou – o quê? – um alcoólatra, é frisada para entender como ele moldou a sua personalidade pacifista anos depois.
O segundo segmento traz o alistamento, treinamento e a pressão dos comandantes e companheiros de seu batalhão para que ele saia do Exército. Isso porque o adventista do interior da Virgínia, apesar da decisão patriótica de ajudar o seu país, como todos os homens de sua pequena cidade que também partiram para revidar o ataque dos japoneses em Pearl Harbor, ele era um opositor consciente. Ou seja, ele se opunha a matar um ser humano, mesmo um inimigo no ambiente de guerra. Um personagem paradoxal que Garfield encarna de maneira estoica e com um eterno ar de inocência no rosto.
Só que a sua fisionomia muda um pouco quando conhece o cenário de um campo de batalha. No caso, a de Okinawa, retratada aqui na terceira parte da narrativa, em sucessivas tentativas dos norte-americanos conquistarem a cordilheira de Hacksaw – que inspira o título original da produção –, a despeito do desprendimento dos japoneses os atacando sem medo de morrer. As cenas de guerra, aliás, guardam os melhores momentos do filme, que oscila com cenas piegas, especialmente no início.
Contrastes também vistos em outro quesito. Nas sequências de combate, a preferência por efeitos especiais práticos, com as explosões, tiros e corpos mutilados, cria um cenário condizente com a provação de fé do protagonista em sua missão naquele lugar. Em contrapartida, os mal acabados efeitos visuais computadorizados destoam e são visíveis nos navios de CGI pouco realistas em seu estilo de videogame ou no chroma key no penhasco.
Visceral, Gibson continua a explorar a violência que marca a sua filmografia como diretor, mesmo quando fez A Paixão de Cristo (2004) e usou a figura messiânica também como resistência humana ao que há de mais animalesco nele e em seus pares. Mas, justamente por isso, o antagônico cineasta faz uma obra antiguerra, que acredita que o mais belo do ser humano floresce, quando sua humanidade parece perdida em seus males.
Até o Último Homem (Hacksaw Ridge, 2016)
Duração: 139 min | Classificação: 16 anos
Direção: Mel Gibson
Roteiro: Robert Schenkkan e Andrew Knight
Elenco: Andrew Garfield, Hugo Weaving, Luke Bracey, Teresa Palmer, Vince Vaughn, Rachel Griffiths e Sam Worthington (veja + no IMDb)
Distribuição: Diamond Films